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Ciência sem Fronteiras: avanços e questionamentos

Mesa da 64ª Reunião Anual da SBPC apresentou perspectivas do programa e também pontos polêmicos como a baixa participação das ciências sociais e as limitações linguísticas de estudantes.

Mesa da 64ª Reunião Anual da
SBPC apresentou perspectivas do programa e também pontos polêmicos como a
baixa participação das ciências sociais e as limitações linguísticas de
estudantes.

O programa Ciência em Fronteiras
(CsF) foi tema de uma mesa-redonda ontem (24) durante a 64ª Reunião Anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) intitulada Fronteira
da Ciência sem Fronteira, que apresentou resultados, perspectivas e
questionamentos a respeito do programa que há exatamente um ano, dia 25 de
julho de 2011, foi anunciado pela presidente Dilma Rousseff.

 

Jorge Guimarães, presidente da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), abriu a
conferência dando um panorama da situação. Ele lembra que das 101 mil bolsas
prometidas, quinze mil foram concedidas e que até o fim do ano alcançarão o
número de vinte mil. “Antes do programa, as duas agências juntas [Capes
e CNPq] tinham cinco mil bolsas, então foi um passo muito grande”,
afirma.

 

Ele relembra que o programa começou
com bolsas nos Estados Unidos porque o Brasil já tinha muitas delas para
países europeus – cerca de 3/4 das bolsas eram para o continente. E afirma
que os estudantes estão “ensinando muito” às agências com essa
experiência. Um exemplo é a comparação entre o número de horas de aula por
semana em diferentes países.

 

Enquanto nos EUA a média é de
quatorze, no Brasil são quarenta, o que afeta o rendimento dos alunos.
“Apostamos que haverá uma mudança na cultura das nossas universidades.
Se temos um grande defeito, esse é ter aulas demais”, sentencia. Outro
“ensinamento” é o intercâmbio cultural vivido pelos alunos,
facilitado pela convivência em alojamentos. “Temos dificuldades de criar
alojamentos no Brasil e isso faz uma enorme diferença”, completa.

 

Limitações e
propostas –
 É
consenso que os jovens brasileiros ainda apresentam um fraco desempenho na
segunda língua, especialmente o inglês, fundamental para a obtenção da bolsa.
“Isso está forçando as universidades a oferecerem cursos de idiomas mais
avançados, abrangentes, e bons cursos a distância. Também há a possibilidade
de oferecer imersões na língua no destino. A melhora será sentida ao longo
dos anos”, acredita Glaucius Oliva, presidente do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Luana Bonone, diretora da
Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), lembrou que dois terços dos
postulantes ao Ciência sem Fronteiras foram reprovados no exame de inglês.

 

Luana apresentou uma série de
reflexões e proposições para o CsF, expressas numa resolução criada durante o
23º Congresso Nacional de Pós-Graduandos. Entre elas, o fortalecimento do
Sistema Nacional de Pós-Graduação. “Por almejar voos tão promissores,
seria legítimo que houvesse investimento similar na pós-graduação nacional”,
alega. Ela relata também alguns problemas apontados na resolução, como prazos
de editais muito curtos e a falta de uma comunicação mais efetiva.

 

Além disso, a diretora da ANPG
sugere a preparação de medidas para receber de volta esses pesquisadores
(“já temos o problema de absorção de doutores pelo mercado”); uma
contrapartida das universidades anfitriãs, como a criação de cátedras sobre o
Brasil; e o fortalecimento da relação com o eixo sul, criando parcerias
também com os países vizinhos.

 

Oliva lembra que a ciência do
Brasil está mudando sua imagem lá fora e também entre as empresas (que, de
acordo com o presidente do CNPq estão cada vez mais interessadas nesses
pesquisadores) com ajuda do programa. E cita como exemplo a recente inclusão
da Universidade de São Paulo entre as cem melhores universidades em rankings
internacionais, especialmente os opinativos, onde não figurava antes.
“As pessoas estão passando a conhecer o Brasil e passam a pensar nele
como um lugar para se fazer parcerias”, assegura.

 

Ciências
sociais –
 Outra
questão muito debatida foi a exclusão – aparentemente sem previsão de ser
modificada – de cursos de ciências sociais do programa. Luana relacionou a
área ao desenvolvimento do País, que não depende apenas de variantes tecnológicas.
Guimarães lembra que foi uma decisão da presidente Dilma e que o CsF acabou
gerando um efeito colateral positivo que beneficiou os alunos desse campo.

 

“Nos programas tradicionais
da Capes e do CNPq não há prioridade de área e, em consequência, a quantidade
de bolsistas de ciências sociais aumentou, pois migramos os candidatos das
outras ciências para o Ciência sem Fronteiras e as vagas sobram”, alega.
Contudo, essas vagas não contemplam alunos de graduação, só pós-graduandos,
ao contrário do CsF.

 

“Acho que isso vem
acontecendo com frequência, as ciências humanas, sociais e aplicadas ficam
com as sobras. Acho que a gente tem que pensar se essa é a melhor forma de
tratá-las”, rebate Maira Baumgarten Correa, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, outra das palestrantes da mesa. Em sua apresentação, ela
sublinhou a necessidade de criar modelos e não copiar os de fora. E ressaltou
a responsabilidade das empresas.

 

 “Temos que destinar
recursos nossos a fundo perdido para empresas ou incentivar que elas façam
pesquisa e desenvolvimento no Brasil? Nossa opção foi importar tecnologia
desde sempre. Temos que fazer com que o setor privado faça P&D e com isso
possa absorver nossos doutores”, sentencia.

 

“A fronteira da ciência
está na fronteira do conhecimento de cada pesquisador, por isso precisamos de
mais cientistas. Ciência é como futebol, só vamos ter um prêmio Nobel quando
houver muita gente jogando”, conclui Guimarães.

 

(Clarissa Vasconcellos – Jornal
da Ciência)