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Veja história do primeiro condenado à morte no Brasil republicano

Com o pulso direito algemado ao de outro militante dentro de um jipe não identificado, o jovem potiguar Theodomiro Romeiro dos Santos sacou o revólver calibre 38 que estava escondido em sua pasta preta e, com a mão esquerda livre, disparou contra os agentes da ditadura militar que o haviam capturado momentos antes, matando um sargento da Aeronáutica.
Hoje juiz aposentado, Theodomiro Romeiro dos Santos tinha 18 anos quando foi condenado à pena capital pela morte de sargento da Aeronáutica durante regime militar.
Com o pulso direito algemado ao de outro militante dentro de um jipe não identificado, o jovem potiguar Theodomiro Romeiro dos Santos sacou o revólver calibre 38 que estava escondido em sua pasta preta e, com a mão esquerda livre, disparou contra os agentes da ditadura militar que o haviam capturado momentos antes, matando um sargento da Aeronáutica.
Preso no dia 27 de outubro de 1970, o então militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR, seria condenado meses depois à pena de morte, tornando-se o primeiro brasileiro a receber a sentença desde a Proclamação da República – outros dois militantes de esquerda também receberiam a pena e escapariam da execução.
O veredito apontava para um cenário inédito: a última execução do tipo havia sido registrada em 1876. Atualmente, a pena capital ainda é prevista na Constituição brasileira, mas somente para crimes militares cometidos em tempos de guerra.
“Nunca achei que seria executado. Nem eu nem meus companheiros de cela. Eu tinha todas as circunstâncias atenuantes: era menor de 21 anos, não tinha antecedentes criminais e estudava”, diz Santos, hoje com 62 anos e juiz do trabalho aposentado, à BBC Brasil.
“Não fiquei aflito ou angustiado. Os próprios agentes da ditadura não acreditavam que a sentença seria cumprida. Tanto é que não me destinaram nenhum tratamento especial, apesar de o código de processo penal militar estabelecer um regime carcerário diferenciado a quem recebia esse tipo de condenação”, acrescenta.
Seguiu-se à divulgação da sentença de Santos uma onda de protestos, envolvendo as principais entidades da época, o que acabou, em sua opinião, “desgastando politicamente a ditadura”.
“Foi a primeira grande campanha contra a ditadura militar depois do Ato Institucional Nº 5 (AI-5). Todas as forças políticas e as entidades organizadas desse país, como a Igreja Católica, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Jornais (ABJ), a Confederação Brasileira dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e mesmo a imprensa conservadora fizeram campanha contra a pena de morte”, lembra.

Fuga
Em poucos meses, a pena de morte acabou convertida em prisão perpétua e, posteriormente, a 16 anos de prisão, dos quais Santos cumpriu apenas nove ─ em 1979, ele fugiu da penitenciária e exilou-se na França, voltando para o Brasil apenas em 1985, após a expiração de sua condenação.
“Como a extrema-direita se recusava a conceder anistia ampla, geral e irrestrita, o expediente usado pela ditadura foi a readequação das penas para permitir libertar aqueles que não seriam soltos pela Lei da Anistia, como era o meu caso. Após nove anos preso, pedi liberdade condicional, o que foi negado pelo juiz auditor da Bahia, apesar de eu ter todos os pareceres favoráveis”, explica Santos.
“O juiz alegou que não poderia assumir sozinho a liberdade de me devolver ao convívio social. Foi um ato covarde, torpe, da pior qualidade. Não fui solto e decidi fugir”.
Na França, Santos diz ter trabalhado como pintor de paredes e, mais tarde, metalúrgico. De volta ao Brasil, fez concurso público para juiz de trabalho e tomou posse em 1993. Chegou a presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho e aposentou-se em 2012 – por decisão da Comissão da Anistia, os nove anos que passou preso foram contabilizados como tempo de serviço para fins previdenciários. Santos nunca pediu indenização pelo tempo em que passou na prisão e pela tortura que sofreu.
Posição humanista
Perguntado sobre os brasileiros Marco Archer, executado na Indonésia por tráfico de drogas, e Rodrigo Gularte, aguardando a iminente execução pelo mesmo crime, Santos diz ser contrário à pena de morte.
“Minha discordância fundamental contra a pena de morte em nada tem a ver com a minha condenação, mas decorre das minhas posições humanistas. Sou um defensor da vida e, em segundo lugar, tenho profunda preocupação com a irreversibilidade da punição. Se uma pessoa for executada por um crime que não cometeu, como haverá reparação?”, questiona.
“Não há como corrigir um erro judiciário numa condenação à pena de morte consumada”, acrescenta.
Santos diz ainda que vê com “tristeza” o forte apoio demostrado por muitos no país à pena capital.
“É errado pensar que o agravamento das sanções possa consertar o estado das coisas. Defender a pena de morte é uma demonstração da nossa incapacidade de fazer com que as pessoas compreendam que essas medidas não vão resolver os problemas de segurança, todos os problemas que elas gostariam de ver resolvidos”, diz.
“Infelizmente, essa parcela da população não é só a favor da pena de morte, mas é a favor de que os marginais sejam torturados, espancados e mantidos em condições execráveis na prisão. Quando alguém, por exemplo, reclama que presos têm direito a assistir TV na cela, eu retruco imediatamente “Mas eles estão condenados à privação de liberdade, e não de informação”. Não se trata de um privilégio”, acrescenta.
Arrependimento?
Questionado se possui algum arrependimento por ter participado da luta armada contra a ditadura e matado um militar, Santos é certeiro. “Não tenho arrependimento de nada do que fiz”.
“Todo povo tem direito à sua liberdade. Na época e ainda hoje, acho que não era somente uma escolha, mas um dever meu lutar contra a ditadura que havia se instalado no país. Não havia oposição legal; a única possibilidade de oposição era a clandestina, pacífica ou não”, defende.
“Havia pessoas, partidos e organizações que achavam que a luta contra a ditadura deveria ser pacífica. Outros acreditavam que o regime só seria derrubado por meio da luta armada.”
“E essa foi a alternativa que me pareceu mais correta, mais adequada, a que eu escolhi e da qual não tenho nenhum tipo de arrependimento. Pelo contrário, tenho grande orgulho de ter lutado contra a ditadura militar. Todas as formas de resistência foram legítimas, eficazes e instrumento da mudança que permitiu que hoje, apesar de todos os problemas que temos no país, possamos viver numa democracia”.
Em entrevista concedida quando Santos voltou do exílio, Geralda Sandré Xavier, viúva do sargento morto por ele, Walder Xavier de Lima, afirmou que o ex-guerrilheiro era “um homem perigoso, um assassino frio”. Ela protestou contra o que chamou de “recepção de herói” dada a Santos.
“Não sei como vou contar a meus netos, quando eles crescerem, que seu avô foi assassinado por um ladrão de banco, um bandido que não foi punido pelo crime covarde que cometeu. A derrota da minha família e a minha própria agradecemos a Theodomiro”, disse ela.