Brics devem ocupar mais espaço na economia global

O processo de transformação da economia global e a participação cada vez maior dos países em desenvolvimentos no mundo, embalada pela expansão da China, abre caminhos significativos na área científica e tecnológica para os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Economista da UFRJ vê mudança do eixo da economia global do ocidente para o resto do mundo, particularmente para China
O processo de transformação da economia global e a participação cada vez maior dos países em desenvolvimentos no mundo, embalada pela expansão da China, abre caminhos significativos na área científica e tecnológica para os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). 
Essa foi a tônica do debate intitulado “O papel e as perspectivas dos Brics no mundo contemporâneo”, realizado na tarde desta terça-feira, 14/7, na 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), nas dependências da Universidade Federal de São Carlos (UFScar). O debate atraiu a atenção de dezenas de estudantes, professores e pesquisadores que participam do maior evento científico da América Latina.  
O economista José Eduardo Cassiolato, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em sistema de tecnologia e inovação, competitividade e indústria, estuda a evolução dos sistemas nacionais de inovação e as políticas de C,T&I adotadas nos Brics. Esse bloco hoje, segunda avalia, representa uma janela de oportunidades para a sociedade global. 
Isso porque os países em desenvolvimento já respondem por 50% da economia mundial, enquanto que as economias mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, perdem cada vez mais espaço no mundo. 
Citando estimativas divulgadas na revista americana The Economist, Cassiolato disse que a China caminha para ser a maior potência econômica nos próximos anos. A previsão é de que a economia chinesa ultrapasse a dos EUA em 2016 no que se refere à paridade de poder de compra (PPC), e que supere, por volta de 2025, os norte-americanos na participação do PIB global. 
Encolhimento das grandes potências 
Depois de chegar a 40% do PIB mundial nos anos de 1960, o PIB norte-americano baixou para 30% e deve cair para menos de 20% até 2025, estimou. “Hoje já é possível obter essas informações”, observou Cassiolato, um dos palestrantes mais aguardados para o debate, mediado pelo professor José Monserrat Filho, assessor para assuntos internacionais da Agência Espacial Brasileira.
Também participaram das discussões o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty no governo Lula e um dos responsáveis pelo protagonismo internacional conquistado pela chancelaria brasileira na década passada, e o advogado especializado em Direito Internacional Tributário, Paulo Borba Castella, professor da Universidade de São Paulo. 
O economista considerou um fenômeno o encolhimento das grandes potências. Segundo Cassiolato, outros grandes centros do capitalismo “avançado”, além dos Estados Unidos, também perdem espaço na economia global, o que abre caminho para os países em desenvolvimento. 
“Os próprios países mais avançados reconhecem a impossibilidade de manejar uma economia global complexa, sem uma participação mais ativa de países até então marginalizados pela evolução da escala global”, analisou. 
Deslocamento de eixo econômico
Diante desse cenário, Cassiolato disse que as transformações do capitalismo definem uma nova geografia econômica global. “Muda o eixo da economia global do ocidente para o resto do mundo, particularmente para o oriente”, observou. 
Conforme entende o economista, o mundo está apenas “no meio ou talvez no início de uma crise” que começou nos anos de 1970. Esse “tsunami” econômico em escala global, segundo avaliou o economista da UFRJ, foi aprofundado no início deste século pela primeira crise do subprime (quebra de instituições de crédito dos Estados Unidos), “desmascarada” em 2008. Citou exemplos ainda da “bolha econômica” em Berlim, que infelizmente, disse, não foi noticiada como deveria pela imprensa nacional, e a crise da Grécia.
“Estamos vivendo uma sucessão cada vez maior de crises financeiras que, entre outras coisas, nos leva a questionamentos sobre as institucionalidades globais”, disse.  
Agressividade chinesa
Conforme Cassiolato, a China já foi caracterizada como um país de mão de obra semiescrava ou de trabalhos repetitivos com baixos salários (em outras palavras, utilizando-se da “mais-valia”, como chamou Marx ao analisar a gênese do lucro capitalista) e de uma produção de bens manufaturados de baixo custo. Porém, disse, a China, a partir de 2005, passou a melhorar os salários e a investir em um projeto estratégico de transformação da economia, adotando agressivas políticas de ciência e tecnologia.
Segundo ele, embora o país se depare com vários problemas, a Rússia também adotou uma política industrial agressiva. Por exemplo, criou uma empresa estatal, a NaNotec, voltada para o fomento de nanotecnologia. 
Heterogeneidade 
As diferenças entre os países que compõem os Brics, principalmente China e Rússia, que são potências nucleares, podem trazer até mesmo riscos, analisou o economista da UFRJ. “Sem riscos, porém, não há possibilidade de uma cooperação frutífera que traga elementos reais para introdução de produtos e de processos em rotas tecnológicas”, disse. Para Cassiolato, existem possibilidades para uma possível união via cooperações cientificas e tecnológica “para que possamos chegar à economia de mercado com inovações reais”.
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, discorreu sobre o cenário global e disse que outros blocos econômicos, como os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), também apresentam desigualdades entre os membros. Mesmo assim, disse, esses países conseguem atender seus objetivos de desenvolvimento.
O embaixador elogiou a política dos Brics e disse que o bloco permite várias cooperações internacionais.   
Em outra frente, o advogado Paulo Borba Castella disse que os Brics ainda estão em formação e que podem trabalhar de forma coordenada, embora alguns economistas coloquem em xeque o avanço do bloco. Por enquanto, não existe um tratado oficial entre os membros. 
Estratégia de defesa 
O economista Cassiolato lembrou que na China os projetos de transformação científica e tecnológica estão subordinados a uma estratégia nacional de segurança na qual a defesa é extremamente fundamental. 
Nesse contexto, o economista sugeriu criar no Brasil uma estratégia de defesa para dar guarida à soberania nacional. “Não defendendo a guerra, mas acho que um país que tem água, a Amazônia e outras riquezas naturais não pode se dar ao luxo de não montar uma forte estratégia nacional de defesa, para conter e preservar o espaço de soberania nacional. A China faz isso”, sugeriu.  
Recordou, ainda, que na década de 1980 o centro das preocupações da China já era o programa espacial, de olho no desenvolvimento de áreas como tecnologia e informática e telecomunicações, nanotecnologia e biotecnologia. “Todo futuro pode ser colocado como estratégia desse tipo; e a China tem isso muito claramente”, disse. 
 (Viviane Monteiro/Jornal da Ciência)