Cientistas se unem e querem aumentar interação com indústria nacional

Cientistas brasileiros de universidades e institutos de pesquisa de esfera pública decidem deixar o “casulo” no laboratório e, em sinergia com diversos grupos de pesquisa, querem desenvolver uma farmacologia nacional. Ou seja, os fármacos “verde e amarelo”. O desafio, agora, é aumentar a interação com a indústria farmacêutica.
A intenção é intensificar a produção de fármacos “verde e amarelo”
Cientistas brasileiros de universidades e institutos de pesquisa de esfera pública decidem deixar o “casulo” no laboratório e, em sinergia com diversos grupos de pesquisa, querem desenvolver uma farmacologia nacional. Ou seja, os fármacos “verde e amarelo”. O desafio, agora, é aumentar a interação com a indústria farmacêutica.
Esse foi o tom da mesa-redonda com o tema “Importância da integração de pesquisas em medicina translacional e de química medicinal para desenvolvimento de medicamentos”, na sexta-feira, 17/07, na 6ª Reunião Anual da SBPC, realizada este ano na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no município paulista.
O debate foi mediado pelo farmacologista Fernando de Queiroz Cunha, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE). E contou com as presenças de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Unesp e Unicamp.
Para Cunha, a interação entre pesquisadores e os fabricantes de medicamentos é o vetor para o Brasil produzir medicamentos “verde e amarelo”. Ou seja, desenvolver internamente as principais etapas, desde descoberta, passando pela síntese, à produção e comercialização. Historicamente, o Brasil registra déficit superior a US$ a 10 bilhões por ano na balança comercial de fármacos. A maioria dos medicamentos produzidos internamente é de genéricos (cópia dos medicamentos estrangeiros).
“Precisamos aumentar a interação, efetiva, com a indústria brasileira que a ainda está em uma fase muito inicial”, avaliou Cunha.

Brasil é referência na área de síntese
Embora a farmoquímica no Brasil seja quase inexistente, há grupos brasileiros que são referência internacional na área de síntese. O Laboratório de Química Orgânica Sintética (LQOS) do Instituto de Química da Unicamp (IQ-Unicamp) é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como centro de referência mundial de química medicinal e síntese orgânica para  preparação de compostos para o tratamento de doenças negligenciadas.
À frente desse laboratório, o químico Luiz Carlos Dias, falou do acordo inédito de cooperação na América Latina assinado com dois braços da OMS: Drugs for Neglected Diseases Initiative (DNDi) e a Medicines for Malaria Venture (MMV).
A proposta tem vários parceiros estrangeiros e prevê desenvolver compostos para o tratamento de Chagas e malária, principalmente na África, onde a incidência é maior e responde por 20% das mortes infantis por ano. Segundo Dias, a malária mata 625 pessoas por ano na África, dos quais 77% são crianças abaixo de cinco anos.
Nesse projeto, o grupo de pesquisadores do laboratório do IQ-Unicamp atua na síntese total e na metodologia para o desenvolvimento desses dois medicamentos. O projeto prevê desenvolver novos compostos químicos potenciais para o desenvolvimento de medicamentos inéditos na luta contra essas doenças negligenciadas.
O desafio é buscar tratamento eficaz, ágil e sem efeitos colaterais o mais rápido possível. Por essa razão, a intenção é reduzir o ciclo da produção do medicamento, que vai desde a pesquisa até a comercialização, para cerca de 10 anos, antes dos atuais 18 anos.
Essas inovações farmacológicas serão produzidas em larga escala. A perspectiva é de que esses produtos sejam desenvolvidos em território nacional para exportar para outros países.
Falta de tradição no Brasil
Embora o IQ-Unicamp tenha adquirido expertise na área de síntese orgânica para preparação de compostos, o cientista Dias acredita que a dificuldade brasileira na produção de fármacos esbarra na falta de tradição.
“Nunca desenvolvemos na nossa indústria farmoquímica e farmacêutica, não temos a tradição em pesquisa e desenvolvimento de novas moléculas. Isso porque o forte do mercado interno é a produção de genéricos, e esses produtos trazem o princípio ativo do medicamento do exterior, principalmente da China e Índia”, analisou. Segundo Dias, existem mais de 100 empresas fabricantes de genéricos no Brasil. Ele disse, por exemplo, que o princípio ativo (sintético) necessário para o desenvolvimento desses dois novos medicamentos nem sequer existe no Brasil.

Moléculas fitoterápicas (naturais)
O Brasil possui, sim, grupos que desenvolvem moléculas naturais (fitoterápicos). A cientista Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular do Instituto de Química da Unesp (IQ-Unesp), na mesa-redonda, falou do potencial da biodiversidade brasileira para o desenvolvimento de moléculas que, segundo disse, podem “fascinar” especialistas químicos, orgânicos e sintéticos e medicinais.
Para ele, essas moléculas podem ser transformadas em produtos com alto valor agregado. Nesse caso, Vanderlan, vice-presidente da SBPC, aproveitou o momento para mencionar o trabalho de sua equipe em andamento no IQ-Unesp que fez várias descobertas de moléculas na natureza.
Segundo ela, o desafio hoje é buscar alternativas pouco exploradas na biodiversidade. Nesse caso, destacou que os marinhos são fontes importantes de novos modelos moleculares, tanto no Brasil como no mundo. Especialistas calculam que a capacidade brasileira para produzir moléculas puras para fármacos pode chegar a milhões.
Quadrante de Pasteur
O professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro, do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio), defendeu a junção da pesquisa básica com a pesquisa aplicada no planejamento e desenvolvimento de novos fármacos no Brasil.
O cientista da UFRJ recorreu à literatura de Quadrante de Pasteur, de Donald E. Stokes, para reafirmar a importância da combinação dessas duas ciências. “A inovação farmacêutica é baseada na ciência e a competitividade da indústria farmacêutica vive da inovação. Isso nos lembra de ter uma ciência forte”, declarou.
Ele acrescentou que o timming da inovação precisa ser ágil. “A inovação não espera, precisa ser ágil como um atleta. E aqui, no Brasil, temos que correr mais ainda, porque já acordamos, aliás, atrasados em relação ao fuso-horário do Japão”, brincou.
(Viviane Monteiro/Jornal da Ciência)