A Copa da Ciência

Os presidentes da SBPC e da ABC, Ildeu de Castro Moreira e Luiz Davidovich, respectivamente, escrevem ao Jornal do Brasil deste sábado sobre a competição na qual os vencedores ganham qualidade de vida por muitas décadas e os derrotados amargam um futuro sofrido, empobrecido e desalentador: a Copa da Ciência e da Inovação

A Copa do Mundo desperta paixões, mobiliza multidões, inflama a torcida pelo sucesso nacional. Mereceria atenção semelhante uma outra Copa, na qual os vencedores ganham qualidade de vida por muitas décadas e os derrotados amargam um futuro sofrido, empobrecido e desalentador: a Copa da Ciência e da Inovação.

Para essa Copa, uma competição que ocorre sem interrupção, os times são preparados continuamente e podem levar décadas para amadurecer. O Brasil vem preparando seu time de cientistas e técnicos, mais intensamente, desde 1950, com a criação do CNPq, da Capes, da Finep e das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs), e com a expansão das universidades públicas e instituições de pesquisa.

A trajetória ascendente da ciência no Brasil sofre agora, no entanto, um sério revés. O orçamento de custeio e capital do MCTIC para este ano – recursos para investimento em pesquisa, excluindo salários e gastos administrativos – é cerca de um terço do valor de 2013 corrigido pela inflação. Cortes atingem também a Capes. Por outro lado, a maioria das FAPs opera em regime falimentar. O orçamento não reembolsável da Finep, que alimenta pesquisas em CT&I e a subvenção econômica para empresas inovadoras, foi reduzido de R$ 4,2 bilhões em 2010 para R$ 920 milhões em 2017. Neste ano, a situação está ainda pior.

Alegando a crise financeira que afeta o país, o governo federal tem realizado cortes drásticos no orçamento da CT&I, da educação e de outras áreas sociais. Essa atitude reflete uma definição distorcida de prioridades, reflexo de incapacidade ou falta de vontade em formular uma agenda de desenvolvimento nacional. Essa política contrasta com a adotada por outros países que também padecem da crise global.

Em 2012, no auge da crise, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, comunicou ao Congresso do Povo que a taxa de crescimento da China iria decrescer. No mesmo discurso, anunciou que o investimento em pesquisa básica aumentaria 26%. Diante da crise, adota-se uma medida anticíclica: o investimento em ciência abre as portas para a saída da crise. Recentemente, a proposta orçamentária do presidente Trump, contendo cortes severos no orçamento de C&T, foi rejeitada pelo Congresso norte-americano que, em um acordo bipartidário, não só anulou os cortes como adicionou US$ 20 bilhões a esse orçamento.

Enquanto o Brasil investe apenas cerca de 1% de seu PIB em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), outros países avançam nesse exigente campeonato entre nações: a Coreia do Sul já passa de 4%, a União Europeia pretende alcançar 3% em 2020, e os Estados Unidos já investem mais de 2,5%. Para alcançarem esses percentuais, tais países contam com a participação decisiva de empresas que investem em P&D para transformar conhecimento em produto. Na Coreia do Sul, por exemplo, 3/4 do investimento provêm de empresas. No Brasil, no entanto, essa participação é exígua: cerca de 40% do investimento total. Menos que 1% das 135 mil empresas industriais fazem uso dos incentivos fiscais para inovação da Lei do Bem, criada em 2005, e apenas 200 participam do Movimento Empresarial pela Inovação.

A balança comercial do país é dominada por bens primários, muitos deles possibilitados pela ciência e tecnologia desenvolvida antes, mas com baixo valor agregado. E esse processo se acentuou nos últimos anos. De 2011 a 2017, o Brasil passou do 47º ao 69º lugar no Índice Global de Inovação. Nessa Copa da Inovação caímos nos jogos eliminatórios.

Muitos jovens, craques em potencial da ciência e da inovação, têm deixado o país, desfalcando um time que tinha perspectivas de ser campeão. Para ter jogadores capacitados é necessário educação científica de qualidade e condições adequadas para o treino e o jogo.

Há tempo, ainda, de reverter esse processo. Este pode ser um momento da virada, aproveitando o ano eleitoral. Para isso, a ciência e a inovação, nas suas dimensões tecnológica e social, assim como a educação, precisam ocupar posição de destaque não apenas nos debates, mas nos corações e mentes dos brasileiros quando escolherem seus candidatos à Presidência, aos governos estaduais e aos parlamentos nacional, estaduais e municipais.

A sociedade brasileira precisa reagir a essa situação de retrocesso, apoiando programas e candidatos que proponham claramente uma agenda nacional de desenvolvimento, baseada na educação de qualidade, na ciência e na inovação, e que busque a redução das nossas desigualdades sociais e econômicas, um quesito no qual, infelizmente, estamos na vanguarda do conjunto de nações.

Muitas propostas que garantem um desenvolvimento sustentável, nos âmbitos econômico, social e ambiental foram elencadas no Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de CT&I, em 2010, e em publicações da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Recentemente elas foram reunidas, por essas duas entidades, em documentos para os candidatos às eleições deste ano. O povo brasileiro merece.

Sobre os autores: 

Ildeu de Castro Moreira é professor da UFRJ e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Luiz Davidovich é professor da UFRJ e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)