A SBPC e o 8 de março

“Urge uma política de indução para ampliar a presença da mulher na ciência”, afirmam Renato Janine Ribeiro, Fernanda Sobral, Paulo Artaxo, Claudia Linhares Sales, Miriam Pillar Grossi, Laila Salmen Espindola, Francilene Procópio Garcia, Marimélia Porcionatto, Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos e Vanderlan da Silva Bolzani, em artigo para a Folha de S. Paulo

Unindo-se às lutas das mulheres em todo o planeta, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) faz nesta terça-feira (8), Dia Internacional da Mulher, uma jornada dedicada às trajetórias de lutas de mulheres cientistas brasileiras. Seguindo o modelo de jornadas da sociedade, com atividades ininterruptas por 12 horas, das 8h às 20h, a SBPC trará uma ampla reflexão sobre as experiências de mulheres cientistas em diferentes áreas de conhecimento e os desafios e perspectivas de maior equidade de gênero na ciência brasileira.

Criado oficialmente em 1975 pela ONU, no então denominado Ano Internacional da Mulher, o dia 8 de março retomou as lutas em prol da igualdade de salário iniciadas por mulheres operárias no século 19. Várias são as narrativas sobre a origem da efeméride: de uma greve que terminou no incêndio de uma fábrica ocupada por mulheres e crianças trabalhadoras, de uma data criada por feministas socialistas, como Clara Zetkin, Emma Goldman ou Rosa de Luxemburgo, ou de manifestações de feministas sufragistas no início do século 20. Todavia o importante hoje, em 2022, é que este dia continua sendo uma data importante de comemoração e de reivindicações globais por equidade de gênero em diferentes esferas da vida pública e privada.

A SBPC —que já teve três mulheres presidentes e que hoje a maioria da diretoria é feminina— está engajada na valorização das cientistas brasileiras através do Prêmio Carolina Bori, divulgado anualmente no dia 11 de fevereiro (Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência) e na divulgação das ações das cientistas brasileiras através do portal Ciência & Mulher —agora, com esta jornada, a instituição também se une às manifestações globais do Dia Internacional da Mulher. Com a eleição de sete mulheres para a diretoria que assumiu em julho de 2021, a comunidade científica brasileira não apenas reconheceu o papel relevante das mulheres na ciência como apontou para a urgência de maior inclusão destas nos diferentes campos científicos e espaços de gestão e produção da ciência no Brasil.

Nunca é demais lembrar que, ao longo da história, as mulheres sempre foram detentoras de conhecimentos tradicionais e tiveram papel importante na constituição dos espaços de transmissão destes conhecimentos. Na Idade Média foram pioneiras na descoberta de tecnologias precursoras da ciência moderna (como o tão conhecido método de aquecimento de alimentos, o banho-maria) e no letramento das mulheres através dos conventos e abadias. Todavia, nos séculos 18 e 19, com a emergência do Estado democrático moderno, houve um retrocesso histórico no acesso das mulheres ao conhecimento e à participação na esfera pública.

A permissão de acesso ao ensino universitário foi feita através da luta individual de pioneiras que conseguiram ingressar em cursos como medicina, engenharia ou direito nas primeiras décadas do século 20. A conquista do voto das mulheres no Brasil remonta há apenas 90 anos (1932-2022), 16 anos antes da fundação da SBPC, em 1948, e 19 anos antes da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em 1951.

Presentes hoje em todas as áreas de conhecimento, laboratórios e universidades do Brasil, observa-se ainda grande desigualdade no que diz respeito ao reconhecimento acadêmico, na obtenção de recursos para projetos, na liderança acadêmica em associações científicas, nas agências de fomento etc. Dados do CNPq mostram que as jovens cientistas são a maioria das bolsistas de iniciação científica e que são elas as vencedoras majoritárias das premiações durante a graduação. Todavia há uma gradativa diminuição de estudantes mulheres no mestrado, doutorado e pós-doutorado, mostrando que há uma perda importante do capital intelectual e de inovação no país devido à falta de incentivo que as jovens recebem para continuar nas carreiras científicas. Nunca é demais lembrar que também no topo das carreiras científicas, como nas bolsas de nível 1A, o número de pesquisadoras no CNPq é muito pequeno.

Entre as principais reivindicações das mulheres cientistas brasileiras neste 8 de março estão a urgência de uma política de indução à maior presença de mulheres nos diferentes espaços institucionais da ciência brasileira; o aumento das bolsas de todos os níveis e maior acesso a editais de maior prestígio e volume de recursos; reconhecimento da maternidade nos processos seletivos (concursos e editais de financiamento à pesquisa); efetiva equidade de gênero e étnico-racial em eventos acadêmicos, nas associações científicas, nas universidades e nos laboratórios de pesquisa e maior representação feminina no campo da política científica.

É para avançar na formulação dessas pautas e reconhecer a significativa contribuição das mulheres à ciência brasileira, em sua ampla diversidade, que a SBPC marca sua presença neste Dia Internacional da Mulher.

Renato Janine Ribeiro
Professor titular de ética e filosofia política (USP), ex-ministro da Educação e presidente da SBPC

Fernanda Sobral
Professora emérita da UnB e vice-presidente da SBPC

Paulo Artaxo
Professor titular do Instituto de Física da USP e vice-presidente da SBPC

Claudia Linhares Sales
Professora titular da Universidade Federal do Ceará (UFC) e secretária-geral da SBPC

Miriam Pillar Grossi
Professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro da Diretoria da SBPC

Laila Salmen Espindola
Professora titular da UnB e membro da Diretoria da SBPC

Francilene Procópio Garcia
Professora e pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e membro da Diretoria da SBPC

Marimelia Porcionatto
Professora associada livre docente do Departamento de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e membro da Diretoria da SBPC

Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos
Pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Cientifica (LNCC/MCTI) e membro da Diretoria da SBPC

Vanderlan Bolzani
Professora titular do Instituto de Química (IQAr) da Unesp, membro do Conselho da SBPC e coordenadora do Grupo de Trabalho “Mulheres Cientistas” da SBPC

Folha de S. Paulo