“Apesar do sucateado sistema de pesquisas, a gente ainda consegue gerar trabalhos de qualidade”, afirma Sara Lüneburger

Formada em Química pela UFFS, pesquisadora é uma das vencedoras da 4ª edição do Prêmio Carolina Bori na categoria “Meninas na Ciência”, na área de Engenharias, Exatas e Ciências da Terra, por estudo que transforma sementes de seringueira em biodiesel

WhatsApp Image 2023-01-31 at 10.38.51Catarinense de Tigrinhos, um pequeno município a Oeste de Santa Catarina, Sara Lüneburger, de 23 anos, sempre gostou de brincar com experimentos químicos, misturando substâncias diversas para ver no que ia dar. Logo, quando um professor da graduação em Química levou aos alunos uma proposta de pesquisa sobre a utilização da semente de seringueira para fabricação de biodiesel, Sara nem pestanejou, aceitou imediatamente.

Mesmo sem ter a menor ideia, naquele momento, do que era biodiesel.

Formada em Química pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Sara Lüneburger é uma das vencedoras da 4ª edição do Prêmio Carolina Bori na categoria “Meninas na Ciência” na área de Engenharias, Exatas e Ciências da Terra. Seu trabalho premiado no projeto “Biodiesel production from Hevea Brasiliensis seed oil”, rendeu também um artigo publicado e uma patente.

O Prêmio Carolina Bori é realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e, neste ano, é concedido à categoria “Meninas na Ciência”, cujas pesquisas de iniciação científica demonstraram criatividade, boa aplicação do método científico e potencial de contribuição com a ciência no futuro.

“Na verdade, não fui eu que escolhi esse tema (biodiesel), foi ele que me escolheu”, brinca a pesquisadora que hoje cursa o segundo ano do mestrado em Bioenergia da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), em Guarapuava. Seu plano agora é fazer o doutorado e prosseguir como pesquisadora, no setor público ou privado.

O projeto de aproveitamento da semente da seringueira foi proposto à universidade por uma empresa privada, a Kaiser Agro, de São José do Rio Preto (SP), que se dedica ao desenvolvimento de “florestas produtivas, utilizando tecnologia de reuso da água”, de acordo com informações do site. A espécie é mais conhecida como fonte de látex, utilizado na fabricação de borracha. O desafio era encontrar uma fonte rentável para o uso da semente, o que gerou diversas linhas de pesquisa, uma delas, o biodiesel. Não foi nada fácil, relatou Lüneburger, já que praticamente não havia literatura sobre experimentos nessa linha e, logo de partida, o grupo de pesquisadores no qual ela atuava descobriu que o óleo de semente da seringueira é muito ácido, o que impede sua transformação em biodiesel.

O trabalho dela teve como objetivo desenvolver um tratamento capaz de reduzir o teor de acidez e viabilizar a qualidade deste biocombustível e está descrito em artigo publicado em 2022 no jornal científico “Fuel”. O processo foi registrado em patente dentro e fora do Brasil, atualmente em análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Lüneburger contou que o trabalho foi intenso na parte bibliográfica e também na bancada e reconheceu a importância de seus orientadores para o sucesso do projeto. “Vale destacar o trabalho dos meus orientadores, porque eles realmente ensinaram a gente a ler, escrever e apresentar artigos científicos, escrever um projeto para receber bolsas, ensinaram a escrever patente, então, eles realmente nos levaram pela mão”. Ela também reconheceu o apoio da Kaiser Agro que além de apresentar a proposta, deu suporte financeiro e orientou o registro da patente.

“Durante o caminho eu me apaixonei tanto pelo tema que sigo com ele até hoje no mestrado, porque além dos impactos ambientais – já que o biodiesel é um combustível renovável – é capaz de trazer impacto social. Se essa semente realmente for utilizada, é mais uma fonte de renda para quem está trabalhando lá na fazenda de seringueira”, destacou.

Lüneburger disse que nunca passou por obstáculos outros que não os que geralmente atingem as mulheres na questão de gênero, relacionados aos encargos domésticos. “Mas eu acredito que isso são coisas que todas as mulheres enfrentam em seu dia a dia, porque ficam incumbidas das responsabilidades por esses serviços”, afirmou.

Sobre ter vencido o Prêmio Carolina Bori, Lüneburger celebrou: “Esse é meu primeiro prêmio, foi muito, muito bom receber, ele dá um gás, mostra que estou no caminho certo e que meu trabalho realmente está gerando impacto”. Para ela, esse tipo de premiação é “de suma importância” para incentivar as meninas pesquisadoras pois “cria autonomia, ajuda na autoestima e a desenvolver trabalhos de excelente qualidade”.

É um incentivo também, na opinião dela, à capacidade dos pesquisadores brasileiros que enfrentam o sucateamento da ciência. “Apesar do sucateado sistema de pesquisas, a gente ainda consegue, na nossa precariedade, gerar trabalhos de qualidade”, concluiu.

A premiação

Nesta edição, a SBPC recebeu indicações de 446 candidatas de 223 instituições de todas as regiões do País. Foram 126 indicadas para a categoria Ensino Médio e 320 para a Graduação, categoria subdivida entre três grandes áreas do conhecimento: Biológicas e Saúde (126), Engenharias, Exatas e Ciências da Terra (103) e Humanidades (91).

Uma comissão julgadora escolheu nove vencedoras, sendo três do Ensino Médio e seis da Graduação. Também foram concedidas nove menções honrosas, sendo três do Ensino Médio e seis da Graduação.

A cerimônia de premiação, que contará com a participação das vencedoras, será realizada no dia 10 de fevereiro, no Auditório do CEUMA (Rua Maria Antônia, 294 – 3º andar – São Paulo/SP). A data do evento foi escolhida em celebração ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, instituído pela Unesco. O evento será aberto a todos e contará com transmissão pelo canal da SBPC no YouTube, a partir das 15h.

Janes Rocha – Jornal da Ciência