Biodiversidade está na base do desenvolvimento econômico sustentável, dizem pesquisadores

Em reunião virtual promovida pela BPBES em parceria com a SBPC, pesquisadores alertam para o risco de planos de recuperação econômica pós-covid-19 incentivarem modelos de negócio predatórios, em particular na agropecuária e extração mineral

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Se há algo que se possa chamar de positivo da crise do novo coronavírus é a oportunidade que se abre para que a humanidade repense estilos de vida e consumo e a relação com a natureza, o que deve levar a uma revisão dos modelos de exploração econômica que estão devastando a biodiversidade do planeta.

Essa foi a tônica do debate promovido sexta-feira (22/5) pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, do inglês, Brazilian Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), em parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), para celebrar o Dia Internacional da Biodiversidade.

A BPBES, que surgiu de um Grupo de Trabalho da SBPC, reúne jovens e experientes pesquisadores e especialistas reconhecidos em suas áreas de atuação, que colaboram voluntariamente.

O encontro virtual reuniu alguns dos mais destacados entre estes pesquisadores – os ecólogos Cristiana Seixas e Carlos Joly, pesquisadores da Unicamp e coordenadores do BPBES; o ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, Bráulio Ferreira de Souza Dias, da Universidade de Brasília (UnB); o economista Carlos Eduardo Frickman Young, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o antropólogo Eduardo Brondízio, da Universidade Bloomington, de Indiana (EUA).

Na abertura do evento, o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, chamou a atenção para a conexão entre a biodiversidade, as pandemias e a economia. “Nós brasileiros temos uma responsabilidade muito grande com a biodiversidade do nosso país e o impacto na vida do planeta inteiro”, afirmou. Moreira relatou que a SBPC tem atuado intensamente para deter uma nova legislação que o governo tenta aprovar, que legaliza terras obtidas por meios ilegais nas áreas de proteção ambiental e indígenas, a chamada MP da Grilagem. Derrubada recentemente, a MP foi transformada em Projeto de Lei e voltou à pauta do Congresso.

“Todas as entidades ligadas à questão estão preocupadas, estão atuando o tempo inteiro, mas é importante que a sociedade nos ajude nesse processo de preservação da biodiversidade brasileira, evidentemente respeitando também os interesses locais, sociais e econômicos”, afirmou o presidente da SBPC.

Para Cristiana Seixas, a pandemia causada pelo coronavírus é derivada de uma crise na saúde ambiental do planeta e ameaça levar à maior crise econômica mundial já vivenciada. “Apesar de todo o sofrimento das milhares de famílias que perderam seus entes queridos na pandemia, eu olho essa crise causada por um coronavírus, como uma grande janela de oportunidade para mudarmos a trajetória de destruição do planeta e, como alguns colegas diriam mesmo, da autodestruição da espécie humana”, afirmou Seixas na abertura do webnário.

O professor Carlos Joly, moderador do debate, reiterou que o momento é crítico. “Na verdade, a gente vem em uma sequência de destruição da nossa legislação ambiental, assim como de todas as instituições responsáveis por gerenciar e monitorar o meio ambiente no Brasil”, comentou. Segundo Joly, esse cenário foi o que motivou a realização do seminário virtual, com o objetivo de chamar atenção sobre como a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos estão na base de uma economia saudável, sustentável e de longo prazo.

O economista Carlos Eduardo Frickman Young, apresentou dados que mostram os impactos previstos na economia mundial por conta da pandemia, apontando para uma retração de 5% a 10%, o equivalente, em dólares, a quase cinco vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

“Teremos uma crise de desemprego que certamente não tem paralelo, ao mesmo tempo teremos uma crise fiscal com aumento do gasto público e queda da arrecadação”, analisou Young. No entanto, lembrou que há um conjunto de atividades econômicas incluindo turismo, geração elétrica, abastecimento de água, agropecuária que guardam uma relação positiva com a estabilidade do fluxo de serviços ecossistêmicos, ao contrário de setores que vêm sendo incentivados no país nas últimas décadas.

“Em 2017 o setor agropecuário tinha menos 3,6 milhões de ocupações que nos anos 2000, ou seja, é um modelo que desemprega, enriquece alguns, mas não gera desenvolvimento”, apontou Young. Ele defendeu que haja estímulos para atividades que não piorem as condições ambientais e alertou para o risco de que estejam sendo estudados, para recuperar a economia na pós-pandemia, um conjunto de incentivos econômicos para atividades predatórias e excludentes.

“Gostaria de lembrar que o modelo econômico que predominava até janeiro de 2020 é um modelo baseado em atividades predatórias, em particular agropecuária e extração mineral, que são muito pouco inclusivas”, disse Young.

Para o antropólogo Eduardo Brondízio, embora haja uma espécie de “modelo mental” que faz parecer que o ser humano é separado da natureza, a pandemia explicitou o poder e capacidade de ação coletiva e de adaptação e desejo de mudança latentes na sociedade na relação com o mundo natural. “Hoje a ciência tem um papel importante de enfrentar essa complexidade, entender a interconexão entre o problema ambiental, o problema econômico, da desigualdade social e buscar uma mudança transformadora desses caminhos que levaram à situação atual e continuarão levando nos próximos anos”, declarou.

Brondízio reiterou o termo “janela de oportunidade” para a sociedade escolher novos caminhos ou, ao contrário, reforçar caminhos que só servem a interesses particulares. “Temos os instrumentos para controlar e ajudar a encontrar um caminho melhor atualmente”, disse, referindo-se à legislação e políticas públicas de conservação do meio ambiente. “Mas estamos principalmente hoje no Brasil em um momento de desmonte da política e da infraestrutura ambiental. Passada a pandemia, disse ele, é preciso resgatar aqueles instrumentos e não permitir que interesses políticos deixem de lado a legislação que garante a proteção ao ambiente e aos mais desfavorecidos.

“Acho que temos que encarar de maneira mais concreta o problema da desigualdade e a insensibilidade do brasileiro à desigualdade social e aí pensar no futuro em um novo contrato social, baseado na empatia nossa com o outro, com as outras espécies, com a natureza e com as futuras gerações”, completou Brondízio.

Bráulio Ferreira de Souza Dias analisou que, nos últimos 30 anos, o Brasil melhorou suas políticas públicas ambientais – tanto a nível federal, quanto estadual -, promoveu uma consolidação de instituições e um grande avanço da ciência sobre biodiversidade no país. “O Brasil é um dos grandes produtores de ciência da biodiversidade, talvez chegando a 10% de toda a ciência produzida no mundo nessa área, quando no geral produzimos cerca de 2% da ciência mundial”, destacou.

O País conta, dessa forma, com grande oferta de soluções, com programas avançados de conservação e recuperação de espécies ameaçadas e nos projetos de recuperação de áreas degradadas. “Infelizmente, com o atual governo estamos vendo um desmonte das instituições e políticas ambientais e uma tentativa de reverter a legislação ambiental, sem dar ouvidos aos argumentos da razão e da ciência”, criticou. Para ele, o comportamento do governo vai resultar em grandes prejuízos coletivos para a sociedade brasileira e para o mundo, na medida em que o Brasil é o maior detentor de biodiversidade do planeta.

Souza Dias pediu engajamento de todos para a negociação do acordo para a nova estratégia global sobre biodiversidade que estará em debate na próxima COP-15, a Conferência das Partes sobre o tema que deve acontecer em 2021, na China.

Janes Rocha – Jornal da Ciência