Brasil: uma visão para além do bicentenário da Independência

Combate às desigualdades deveria ser pauta prioritária em um projeto de desenvolvimento de longo prazo, defendem especialistas durante o primeiro painel da 72ª Reunião Anual da SBPC em seu último ciclo

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Um projeto de desenvolvimento do País deve ter como centro o combate às desigualdades social, econômica e regional. Essa foi, em síntese, a recomendação dos participantes do painel “A construção de um projeto nacional – Bicentenário da Independência”, o primeiro do quarto e último ciclo da 72ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Coordenado pelo presidente da entidade, Ildeu de Castro Moreira, o debate contou com a participação do físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC); o cientista político Cesar Benjamin; Oded Grajew, idealizador da Rede Nossa São Paulo; Clemente Ganz, sociólogo e assessor técnico das Centrais Sindicais; e a cientista da computação, ex- secretária Executiva de CT&I do Governo do Estado da Paraíba (2011-2018) e professora/pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande, Francilene Procópio Garcia.

Abrindo o debate, o empresário Oded Grajew destacou a necessidade de lutar pelas causas que promovam justiça e equidade social. “Para mim o Brasil vai ter um futuro melhor se centrar em reduzir as desigualdades sociais, econômicas, de gênero, de raça, territoriais. Esse para mim é o grande projeto de país”. Ele sugeriu começar pela garantia de saúde, educação e segurança para as crianças.

O presidente da ABC, Luiz Davidovich, mencionou o Livro Azul, um compilado de propostas para o futuro do País formuladas em 2010 pela comunidade científica e acadêmica, movimentos sociais e sindicatos durante a 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação (CT&I) para o Desenvolvimento Sustentável. “Propostas existem, estão lá”, afirmou Davidovich, lembrando que a construção desse projeto demanda uma articulação política.

Para Francilene Procópio Garcia, as propostas da área científica não saem do papel porque não conseguem dialogar com agendas executivas sistematicamente descontinuadas e que não olham para as lacunas e os legados históricos. “Não há como iniciar qualquer projeto antes de reconhecer o grau e a magnitude as desigualdades”, pontuou.

O cientista político Cesar Benjamim, fundador e dono da Editora Contraponto, indicou a necessidade de inverter o enfoque do debate dominante no País do curto para o longo prazo, e de se repensar a “matriz política e institucional” construída no fim da ditadura. Apontou cinco pilares que deveriam estar na base deste projeto: “soberania, solidariedade, desenvolvimento, sustentabilidade, democracia”; todos eles a exigerem novas abordagens e muito esforço em suas construções.  No entanto, não se pode esperar “milagres”: “O que temos que fazer é manter um ritmo de trabalho intenso, cada um na sua área, na sua instituição, buscando um máximo de convergência para que se transforme em projeto nacional.”

Para o sociólogo Clemente Ganz, o grande desafio é a capacidade política de articulação das forças sociais, capazes de se colocar em acordo na necessidade de enfrentamento da crise de curto prazo e na definição sobre qual o sentido da estratégia de desenvolvimento do País a longo prazo. “Temos que voltar a construir um espaço político de diálogo que permita a construção de compromissos.” Essa construção, disse Ganz, deve olhar para nossa diversidade e desigualdades, e também para as oportunidades que essas condições colocam como base.

O presidente da SBPC mencionou o final da Carta da Cidade de Natal, aprovada por unanimidade na recente Assembleia Geral da SBPC. “É fundamental que se construa no País um projeto nacional, que possibilite um efetivo desenvolvimento social e econômico. Ele deve conduzir a um aproveitamento planejado, racional e sustentável das riquezas e potenciais do País, à melhoria nas condições de vida da população, à inclusão da saúde e do meio ambiente como componentes essenciais na dinâmica econômica, e à redução das enormes desigualdades existentes. É importante o estabelecimento de programas nacionais mobilizadores em áreas estratégicas e é fundamental que as políticas públicas para educação e CT&I estejam integradas em um projeto mais amplo de uma nação democrática, soberana, mais rica e justa, menos desigual e com desenvolvimento sustentável”, disse.

Ele recorreu ao poema “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo Neto, para invocar a necessidade de união na busca de um projeto nacional transformador. Na primeira estrofe, Melo Neto afirma: “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos” (do livro “A educação pela pedra”, de 1966). “São os gritos conjuntos que constroem uma nova realidade”, afirmou Ildeu Moreira, ao anunciar também que a SBPC está articulando, com várias outras entidades, uma ação conjunta para as comemorações do Bicentenário da(s) Independência(s), que possibilite a oportunidade para se repensar a história do País e traçar rumos futuros. “E a SBPC vai continuar conclamando as entidades da sociedade civil – sindicais, empresariais, sociedades científicas, acadêmicas e profissionais, movimentos sociais, etc. – e a sociedade brasileira por inteiro, todos os setores, para debater e buscar novos caminhos para um país diferente e que podemos construir juntos”, afirmou Moreira.

Assista o debate na íntegra no canal da SBPC no Youtube.

Jornal da Ciência