Cientistas brasileiros se esforçam para transformar políticos em aliados

Revista Nature repercute lançamento da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br): “Enquanto o presidente Jair Bolsonaro corta o apoio à ciência e à educação, os acadêmicos abrem um caminho para oferecer assessoria para políticas públicas aos congressistas”, destaca a reportagem

Cientistas do Brasil estão lutando contra os planos do presidente Jair Bolsonaro de cortar o financiamento de programas de pesquisa e educação. Pesquisadores se uniram a membros do Legislativo do Brasil, o Congresso Nacional, para destacar o papel estratégico que a ciência, a tecnologia e a educação desempenham no desenvolvimento econômico e social do país.

Cerca de 20 congressistas se reuniram com pesquisadores acadêmicos, empresários e representantes do setor para lançar a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), em Brasília, no dia 8 de maio. O anúncio foi feito no mesmo dia em que mais de 60 órgãos científicos brasileiros se reuniram no Congresso Nacional para demonstrar sua oposição aos cortes que o governo Bolsonaro fez nas universidades públicas e no sistema nacional de pesquisa.

“A iniciativa vai se concentrar em questões onde a ciência e a política se encontram”, diz Ildeu de Castro Moreira, físico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), um dos grupos que está coordenando o projeto. Seu principal objetivo é fornecer assessoria para políticas públicas aos parlamentares brasileiros – e promover relações próximas com eles, promovendo discussões abertas sobre questões de ciência e educação.

A iniciativa brasileira vem em um momento delicado para os setores de ciência e educação do país. A extrema-direita Bolsonaro, que tomou posse em janeiro, vem desmantelando o sistema nacional de pesquisa, contradizendo sua promessa de campanha de fazer da ciência e tecnologia uma prioridade e aumentar os gastos brasileiros em pesquisa de 1% para 3% de seu produto interno bruto (PIB)

No final de março, o governo anunciou que congelaria 42% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – reduzindo efetivamente seu financiamento para apenas 2,9 bilhões de reais (US $ 750 milhões). Isso representa 2,2 bilhões de reais a menos do que o nível aprovado para 2019, e o menor orçamento para o setor desde 2006. O governo também cortou 5,8 bilhões de reais, ou 25%, do orçamento do Ministério da Educação.

E no final de abril, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que o governo estava planejando “descentralizar” seus investimentos nas ciências sociais e na filosofia. Dias depois, o governo anunciou que cortaria 30% dos fundos para as universidades federais. O Ministério também congelou, sem aviso prévio, mais de 3.000 bolsas de estudo destinadas a apoiar pesquisas de pós-graduação.

Milhares de cientistas, professores e estudantes saíram às ruas no dia 15 de maio, em mais de 220 cidades brasileiras, para protestar contra os cortes no financiamento da educação e da ciência.

Buscando aliados

Os defensores da nova iniciativa científica dizem que já estão encontrando apoio entre os paramentares para políticas que visam impulsionar a pesquisa no Brasil.

“Já começamos a trabalhar para encontrar soluções em conjunto com os congressistas para alguns grandes projetos de lei em andamento no Congresso Nacional”, diz Luiz Davidovich, físico da UFRJ e presidente da Academia Brasileira de Ciências, que está ajudando a orientar a iniciativa.

Um dos projetos de lei evitaria que o governo usasse o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do país para pagar dívidas públicas. Davidovich diz que isso ajudaria a garantir a sustentabilidade a médio e longo prazo do apoio do governo à pesquisa.

A iniciativa de ciência e tecnologia também espera convencer os legisladores a derrubar os vetos de leis de Bolsonaro que o Congresso Nacional havia aprovado em 7 de janeiro. O presidente derrubou dispositivos que regulam a criação de fundos de doações filantrópicas para apoiar instituições públicas, como universidades e centros de pesquisa.

O projeto brasileiro segue os passos de iniciativas semelhantes em outros países. O Comitê Parlamentar e Científico do Reino Unido tem funcionado como um elo de ligação entre os formuladores de políticas, órgãos científicos e a indústria científica desde 1939. Outro grupo, o Science & Technology Australia, ajudou a promover boas relações entre os políticos e líderes de ciência e tecnologia do país. Esses links resultaram em mudanças em políticas públicas que beneficiaram a ciência, a tecnologia, a engenharia e a medicina, incluindo a pesquisa.

Os defensores esperam por um sucesso semelhante no Brasil, dado o atual clima sombrio para a pesquisa e a educação. Cientistas no país têm lutado contra sucessivos cortes orçamentários desde 2013, diz Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional de Fundações de Instituições de Ensino Superior e Pesquisa Científica e Tecnológica. Mas algo mudou sob Bolsonaro, ele diz: “É a primeira vez que testemunho essa hostilidade do governo com a comunidade científica”.

“Eles estão tentando destruir o sistema de ciência e tecnologia do país, que foi construído ao longo de décadas”, diz Peregrino. “E não devemos deixar isso acontecer.”

Naturetradução Jornal da Ciência