Cientistas comemoram decisão do STF em prol do Fundo Clima

Para especialistas, decisão é “luz no fim do túnel” em meio à omissão do Governo Federal com a preservação da Amazônia

Uma luz no fim do túnel. É como a ecóloga Luciana Gomes Barbosa recebeu a notícia do julgamento favorável da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as omissões do governo federal em relação ao Fundo Clima.

Ela se referia ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708 – movida pelos partidos políticos PSB, PSOL, Rede e PT – para obrigar o governo federal a restabelecer o fundo que foi praticamente esvaziado a partir de 2019, início da gestão de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente.

“É uma vitória, um marco histórico para indicar a inconstitucionalidade de todo esse processo de desmonte que convergiu e impactou diretamente as questões climáticas e os acordos internacionais que o Brasil assumiu, devido à má gestão do Fundo Clima”, comentou. Professora do Departamento de Fitotecnia e Ciências Ambientais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Barbosa é coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) de Meio Ambiente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Ela considerou que o próprio voto do relator, apoiado pela maioria dos ministros, indica que as ações do governo em relação ao Fundo – um dos pilares da política nacional para combate aos efeitos das mudanças climáticas – são inconstitucionais frente aos compromissos assumidos pelo Brasil junto à comunidade internacional.

Criado em 2009, o Fundo Clima é um programa administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para apoiar projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que tenham como objetivo a mitigação das mudanças climáticas. Desde o governo Michel Temer (2016-2018), o programa já vinha perdendo recursos, mas ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro ele foi quase que completamente esvaziado, ficando este ano com um orçamento de pouco mais de meio milhão de reais, insuficientes para sustentar a maior parte dos projetos a que se destina.

“Os recursos eram tão baixos que quase não davam para apoiar projetos que visassem à mitigação de redução de gases e adaptação das cidades mais vulneráveis aos efeitos das mudanças do clima”, disse Barbosa.

Para ela, o esvaziamento do orçamento do fundo inviabilizou os investimentos necessários para ações de redução do desmatamento e de incêndios florestais. “Quando a gente não tem uma política de fiscalização do desmatamento e incêndios florestais efetiva, isso impacta diretamente o aumento de Gases de Efeito Estufa (GEE)”, reiterou.

“A votação foi um marco importante para sinalizar que além de constitucional, (o Fundo Clima) é uma prioridade nacional e o que está no entorno dela também – fiscalização de desmatamento, incêndios, aumento de emissões pelo agronegócio, a indústria”, afirmou Barbosa. E concluiu: “Agora conseguimos até ver uma luz no fim do túnel e acho que é uma pauta importante para as eleições.”

Além do Fundo Clima, é necessário olhar para o Fundo Amazônia

Vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Paulo Artaxo destaca que ações governamentais estão incentivando a destruição da floresta Amazônica, a invasão de terras indígenas e o garimpo ilegal. Para Artaxo, além do Fundo Clima, é importante olhar para o Fundo Amazônia.

“O Fundo Amazônia foi paralisado por ações do governo, o que deixou os parceiros internacionais como Noruega e Alemanha frustrados, pois são países que estavam apostando na redução do desmatamento. Já o Fundo Clima foi totalmente esvaziado pelo atual governo, que não tem interesse na preservação da floresta, mas em sua destruição.”

O Fundo Amazônia é um mecanismo de financiamento também gerenciado pelo BNDES, destinado para captar doações e investir em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da área amazônica.

Cabe ao BNDES a captação de recursos, a contratação e o monitoramento dos projetos selecionados. Entretanto, o Fundo se encontra paralisado, sem chamadas para seleção de projetos e com o seu site oficial desatualizado há quase um ano.

Artaxo alerta para a urgência da reativação do Fundo Amazônia, defendendo novas ações governamentais à gestão que chegará em 2023. “Para o próximo governo, o desafio vai ser fazer com os crimes ambientais que hoje dominam as atividades na Amazônia sejam punidos e que a lei seja restaurada na região. A partir daí, o novo governo terá que reativar o Fundo Amazônia e o Fundo Clima, para que o Brasil zere o desmatamento até 2028, como comprometido na COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima)”, conclui.

Janes Rocha e Rafael Revadam – Jornal da Ciência