CNE precisa efetivar diálogo com comunidade científica e acadêmica, afirmam especialistas

A Base Nacional Comum Curricular foi tema de mesa-redonda nesta quarta na Reunião Regional da SBPC em Sobral, no Ceará

5A definição de um currículo e a formação de professores são algumas das preocupações dos especialistas depois que o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que define o conteúdo mínimo que os estudantes de ensino médio do Brasil deverão aprender. Principalmente porque o documento foi aprovado sem levar em consideração as principais críticas e sugestões que foram apresentadas pela comunidade científica ao Conselho em diversas fases de negociações. O assunto foi discutido nesta quinta-feira (29), durante mesa-redonda na Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece até amanhã (30) em Sobral, no Ceará.

Para o conselheiro da SBPC e professor da UFMG, Eduardo Mortimer, a mentalidade autoritária é o principal motivo para a negociação não ter tido êxito. “Na terceira versão da Base não houve diálogo algum. E o currículo não deve ser feito de cima para baixo. Ele deve surgir de especialistas, de quem está diretamente ligado à área. A discussão já começou vencida”, disse.

Luiz Roberto Liza Curi, presidente do CNE, defendeu que o Conselho, na verdade, promoveu muitos diálogos durante o processo e ainda está aberto a mudanças. Tanto que está desenhando um novo calendário para discutir alguns pontos, dentre eles, os itinerários.

O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, destacou que a entidade e outras sociedades científicas se manifestaram desde o início do processo sobre diversos pontos críticos da BNCC e da reforma do ensino médio. No entanto, muitas das propostas da comunidade científica não foram levadas em conta, particularmente pelo MEC. Ele reconheceu que houve, sim, diálogo com o CNE, que fez inclusive uma reunião na própria sede da SBPC, mas que sugestões importantes feitas pelas sociedades científica não foram acolhidas. “Na definição da legislação educacional, frequentemente a surdez é seletiva e atinge mais os setores da comunidade científica e educacional do que setores com interesses privados específicos”, comentou Moreira.

Falhas

Mortimer ressaltou que entre as novidades – que geram preocupações – da Base estão os itinerários. “O texto estabelece de forma genérica os itinerários formativos, mas não os conteúdos e práticas. Um ponto importante, e que pode gerar uma exclusão muito grande, é que as escolas não são obrigadas a oferecer todos os itinerários formativos”, afirma.

“Uma vez que as escolas não são mais obrigadas a seguir todos os itinerários, elas poderão simplesmente optar por não oferecer, por exemplo, Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Isso é de uma irresponsabilidade. Não se sabe como isso vai ser aplicado”, comenta.

O coordenador da mesa, que foi responsável pela relatoria do texto da BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, José Francisco Soares, disse não houve uma convergência socialmente tranquila para a transição na Base. “Falta uma teoria de mudança. A Base falha  ao não criar uma teoria de mudança da situação atual, em que as escolas, os professores e todo o sistema está organizado por disciplinas. É preciso saber como chegar ao objetivo, e isso não está dito”, disse.

Curi argumentou que a BNCC foi criada para estimular políticas públicas para se criar currículos, mas que cabe às escolas e instituições desenharem seus currículos. “Com a Base, as escolas poderão desenvolver e implementar seus currículos. Temos quase seis mil municípios no País e temos que estimular esses locais. Sobral é um dos exemplos na criação de currículo, mas quantos Sobrais existem no País? Por isso que a Base é uma orientação”, afirmou.  E completou, “a Base é para garantir direitos e o CNE tem de garantir os direitos como substantivo necessário na construção civilizatória do Brasil.”

Formação de professores

O conselheiro da SBPC também demonstrou preocupação com a formação dos professores. Para ele, as universidades terão, a partir de agora, que repensar essa formação para adaptá-la às novas demandas. “Estamos à deriva, pois não sabemos como formar esses professores. No Brasil, todos os cursos de formação de professores estão separados disciplinarmente”, disse.

Rosanne Evangelista Dias, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ, reitera que é imprescindível discutir o papel do professor na criação desse currículo para que se tenha uma proposta educacional viável. “Todas as vezes que tem uma reforma, se mexe no currículo, e depois vai ver o que falta na formação dos professores. É preciso questionar profundamente e mostrar o quanto que o professor é capaz”, disse.

Vivian Costa – Jornal da Ciência