RR traz os avanços dos estudos brasileiros sobre tratamento de doença de Chagas, hanseníase e leishmaniose

Doença de Chagas, hanseníase e leishmaniose são consideradas doenças endêmicas em regiões com populações de baixa renda. Apesar de afetarem milhares de pessoas no mundo, a porcentagem de medicamentos registrados para o tratamento delas nas últimas décadas não chega a 1%. No primeiro dia de debates da Reunião Regional da SBPC em São Raimundo Nonato, no Piauí, pesquisadores apresentaram estudos recentes que apontam soluções para essas doenças infecciosas, que ainda são prevalentes no Brasil. A mesa redonda aconteceu nesta quinta-feira, dia 21.
No primeiro dia de debates da Reunião Regional da SBPC em São Raimundo Nonato, no Piauí, pesquisadores apresentaram estudos recentes que apontam soluções para as doenças infecciosas que ainda são prevalentes no Brasil
Doença de Chagas, hanseníase e leishmaniose são consideradas doenças endêmicas em regiões com populações de baixa renda. Apesar de afetarem milhares de pessoas no mundo, a porcentagem de medicamentos registrados para o tratamento delas nas últimas décadas não chega a 1%. No primeiro dia de debates da Reunião Regional da SBPC em São Raimundo Nonato, no Piauí, pesquisadores apresentaram estudos recentes que apontam soluções para essas doenças infecciosas, que ainda são prevalentes no Brasil. A mesa redonda aconteceu nesta quinta-feira, dia 21.
A secretária-geral da SBPC, Cláudia Masini d’Avila-Levy, considera que esta é uma questão muito séria, que padece pela falta de interesse da indústria farmacêutica de produzir  medicamentos para essas doenças. “A comunidade científica assume que existe uma falta de investimentos, somada a uma falta de comunicação entre pesquisa e indústria, potencializada por uma série de entraves burocráticos e legais”, argumenta. Uma saída que ela aponta é buscar meios de burlar etapas, pegar um medicamento que já esteja aprovado – porque o tempo para que um medicamento seja aprovado é outro problema – e testar seu efeito em outros casos.
O que ela sugere se chama reproposição. “Você pega um medicamento que foi aprovado para uma determinada doença e que pode funcionar, também, para outra”, explica. A pesquisadora analisou o efeito de inibidores de proteases – antirretrovirais usados para o tratamento da infecção pelo vírus HIV – para o tratamento de doenças parasitárias, mais especificamente a leishmaniose. 
O tratamento disponível atualmente para esta protozoonose apresenta baixa eficácia e alta resistência. É uma medicação intravenosa, com muitos efeitos colaterais e custo elevado, conforme conta a pesquisadora. Segundo ela, os estudos mais recentes com os inibidores de protease do HIV sobre a leishmaniose demonstraram que eles exercem efeito significativo, ou seja, melhor resposta imune contra a doença. 
Levy ressalta que sua sugestão é bem diferente do caso da fosfoetanolamina, que não foi aprovada pela Anvisa e nem tem evidências contundentes sobre sua toxicidade e eficácia. “Nesse caso, a aprovação foi feita por legisladores, que passaram por cima da ciência e criaram mais problema”.
A secretária geral da SBPC comentou ainda que outro problema relacionado a essas doenças infecciosas está na capacidade dos médicos em diagnosticá-las corretamente. Conforme disse, falta conhecimento fora das regiões endêmicas: “O diagnóstico está ligado à capacidade do médico lidar com a enfermidade”.
Mapeamento
Selma Jerônimo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com o exemplo da hanseníase, demonstra que, de fato, o medicamento é apenas uma das facetas para o controle das doenças infecciosas. “A hanseníase é uma doença fortemente relacionada a problemas sociais. É uma doença que já poderia estar controlada no mundo, mas não está”, observa. 
Os países de maior prevalência da doença são a Índia e o Brasil. Aqui, são registrados cerca de 32 mil casos por ano, com uma taxa de ocorrência de 15,5 casos a cada 100 mil pessoas, número superior ao estabelecido pela ONU entre as Metas do Milênio, que é de 1 caso entre 10 mil. 
Jerônimo conta que, por meio de um acordo internacional, o tratamento para a hanseníase, com poliquimioterapia, é hoje gratuito em todos os países do mundo. “O tratamento que temos hoje é eficiente. Mas falta estruturação do serviço médico”, afirma. 
A incidência da doença reduziu no País desde a década de 1990, após a introdução da poliquimioterapia, mas a hanseníase é ainda um problema de saúde pública no Brasil. Um dos motivos, segundo estudo desenvolvido na UFRN, é o diagnóstico tardio, por falta de informação. “Se o atendimento é feito cedo, a recuperação é mais fácil, e a contaminação é controlada. Mas nossos estudos detectaram que no Rio Grande do Norte cerca de 10% dos casos que chegam já estão no grau de incapacidade tipo 2, que é muito tardio, e não é mais possível ajudar o paciente na recuperação das funções perdidas”, conta. 
Parte do estudo foi o mapeamento da doença a partir de oito escolas da rede pública, próximas a pontos de alta incidência da doença, na cidade de Mossoró, no RN. Além de todo um trabalho educativo, de informação sobre a hanseníase, mais de 1400 crianças foram examinadas e descobriu-se que 1,35% delas estavam infectadas, “um nível de detecção considerado muito alto”. 
Segundo Selma, é necessário que os agentes de saúde tenham acesso a melhores treinamentos para lidar com a doença. 
Verônica Lima e Silva, agente comunitária de saúde em Timon, no Maranhão, há 13 anos, concorda com a pesquisadora. Segundo ela, que estava na audiência da mesa redonda, existe ainda muita desinformação sobre a doença. “Muitos agentes acham ainda que a reação à medicação seja um caso de reincidência da doença”, conta. Ela comenta que as informações sobre a hanseníase não chegam aos agentes, que lidam diretamente com os pacientes, motivo pelo qual, na sua região, 15% dos profissionais sofreram com contaminação. “O tratamento acaba se tornando um choque. O paciente encontra preconceito, exclusão, o que acaba levando, muitas vezes à desistência do tratamento”, relata. 
Para responder a esses casos, Jerônimo recomenda que é necessário, ao se confirmar o diagnóstico positivo, organizar uma força tarefa para mapear por completo a área em que surgiu  a doença e tratar o quanto antes as pessoas contaminadas. Além disso, os profissionais de saúde precisam também observar o convívio deles mesmos com pacientes. “É preciso investigar por que a incidência de contaminação é muito alta. Ver se não está acontecendo uma exposição continuada à doença, se o agente não mora próximo a um caso. A estratégia é: se existe um caso, é preciso estratégia para mapear e combater. As técnicas de análise estatísticas da incidência da doença são ferramentas muito importantes para seu controle”, diz.
P21
Cláudio Vieira da Silva, professor da Universidade Federal de Uberlândia, falou sobre suas pesquisas para o desenvolvimento de um tratamento mais moderno contra o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas. A doença afeta cerca de 10 milhões de pessoas, a maioria concentrada em países da América Latina, levando à morte 14 mil, todos os anos. Ainda assim, existe apenas um medicamento para tratá-la, que tem mais de 60 anos. “É um medicamento tóxico, que só funciona na fase aguda da doença”, diz. 
O grupo de Vieira da Silva descobriu e vem estudando uma proteína específica do Trypanosoma cruzi, a P21, que, conforme demonstram seus estudos, contribui para agravar a doença. 
“Buscando sequências de proteínas, identificamos uma que estava depositada no banco de dados do genoma como proteína hipotética, quer dizer, não sabíamos se ela existia. Usando ferramentas de informática, eu vi que essa proteína poderia ser secretada pelo parasita e que teria alguma atividade. Tudo começou por análise de bioinformática. Nós clonamos a sequência dessa proteína, geramos anticorpos e a partir daí, fizemos as observações sobre ela”, conta. 
Os estudos observaram que essa proteína pode driblar o sistema imunológico e garantir a permanência intracelular do parasita. Ou seja, ela impede a produção de anticorpos essenciais, inibe a vascularização e, por isso, teria relação direta com os danos cardíacos, típicos da doença. A descoberta pode ser a resposta para uma nova geração de medicamentos mais específicos, que atuem diretamente sobre a P21.
Esses estudos foram publicados em importantes revistas científicas internacionais, inclusive a Nature. Porém, o pesquisador lamenta a falta de financiamento para o desenvolvimento dos estudos e a falta de comunicação entre centros de pesquisa e laboratórios farmacêuticos para produzir medicamentos para essa doença. “Venho participando insistentemente de eventos de start ups, para alavancar as pesquisas e desenvolver o interesse pelo desenvolvimento dos medicamentos, mas, no último ano, venho pagando com dinheiro do meu bolso os trabalhos no laboratório”. 
Vieira da Silva conta ainda que a doença começou a surgir em países desenvolvidos, como Europa e Ásia, em função da intensa imigração humana e da falta de controle nos bancos de sangue. Nesse ponto, pelo menos, o Brasil dá o exemplo: é o país que mais investe em triagem nos bancos de sangue públicos. “O País gasta US$17 milhões por ano com essa triagem. É um exemplo para o mundo”.
A presidente da SBPC, Helena Nader, ao final das apresentações, avaliou que o debate trouxe atualizações sobre essas doenças que são bastante relevantes e ressaltou por que o termo “doenças negligenciadas” não é o mais adequado para definir esses casos. “O indivíduo, e não a doença, é que é negligenciado”, observou. 
Daniela Klebis – Jornal da Ciência