Sem dinheiro, sem ciência, sem futuro

Artigo de Renato Cordeiro, pesquisador Emérito da Fundação Oswaldo Cruz e candidato ao cargo de vice-presidente da SBPC para o biênio 2021-2023

Na última reunião do Conselho de Saúde Suplementar (Folha de São Paulo, 28/04/2021, B3), o Ministro da Economia fez o seguinte comentário: “o chinês inventou o vírus e a vacina dele é menos efetiva que a do americano. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: qual o vírus? É esse? Tá bom. Decodifica, tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor que as outras”. Embora não tenha sido surpresa a fala do ministro em virtude de sua política em relação à ciência e tecnologia no Brasil, ele revela que tem a perfeita noção da importância da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento das nações e para a saúde dos povos. Segundo a revista Science (31/03/2021), o presidente Joe Biden pretende investir 250 bilhões de dólares em Pesquisa e Desenvolvimento nos Estados Unidos, nos próximos anos. Somente para a modernização de laboratórios de pesquisa, seriam investidos 40 bilhões de dólares. Se esse plano vingar – e acredito que deve ser aprovado -, poderemos vivenciar a maior diáspora cientifica no País, com os nossos jovens talentos migrando para os Estados Unidos, países europeus e asiáticos, pois, no Brasil, precisam sobreviver com minguadas bolsas de R$ 2.200,00 mensais. De fato, já foi até anunciado que os americanos liberarão vistos para estudantes brasileiros e de outros países.

Enquanto isso, o Brasil escolhe o caminho inverso, ao invés de aplicar prioritária- e sabiamente – os maciços recursos em Saúde, Ciência e Tecnologia e Educação, a exemplo dos americanos citados pelo ministro. Cortes orçamentários no Ministério da Educação e no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, têm impactado profundamente as Universidades Federais que tiveram absurdos cortes em torno de 21 %. Cortes afetando os programas de pós-graduação e o fomento do CNPq à pesquisa cientifica dificultam ou inviabilizam programas de PG de alta performance, bem como o funcionamento de laboratórios de ponta, e programas exitosos como os INCTs. Na Capes, às vésperas da Avaliação Quadrienal da Pós-graduação brasileira, a presidência da agencia é trocada, pela terceira vez no atual governo, causando mais apreensão e instabilidade no sistema.

Segundo o ministro da Ciência e Tecnologia, a situação é crítica e o orçamento insuficiente para a manutenção básica das 28 unidades de pesquisa do Ministério, como o INPE, o CBPF, INPA etc. O CNPq – nossa maior agência de fomento, que está completando seus 70 anos – será presenteado com um pífio orçamento da ordem de R$ 23,7 milhões de reais, sem contar a ameaça ao seu funcionamento pela carência de servidores em vista das aposentadorias dos últimos anos. Faltam recursos para financiar a ciência brasileira!

Com as mudanças nos critérios de distribuição de Bolsas de Pós-graduação, vários programas perderão bolsas preciosas e seus estudantes mais talentosos. No último edital de bolsas de doutorado e pós-doutorado do CNPq, das 3080 mil solicitações aprovadas com mérito, apenas 396 (13%) serão implementadas dada a falta de recursos. Para piorar o presente cenário, embora o Congresso Nacional tenha derrubado os vetos presidenciais em relação ao FNDCT, o próprio Parlamento não incluiu os valores do FNDCT na LOA de 2021 – 5 bilhões de reais ou 90% do Fundo. Na prática, manteve o valor como Reserva de Contingência.

Analisando a situação catastrófica que se abateu sobre as instituições como um todo, a comunidade científica brasileira percebe atônita e indignada como toda a estrutura consolidada ao longo de décadas – que levou o país ao 13º lugar no ranking de produtividade internacional em ciência e tecnologia e com cursos de pós-graduação de excelência – pode ser tão fragilizada em tão pouco tempo e tão facilmente.

Também causa perplexidade e comoção internacional, o desmonte de politicas ambientais que vem ocorrendo nos últimos anos, com o desmatamento da Amazônia e outros biomas, venda de madeira em atitudes ilegais e clandestinas, poluição dos nossos rios e lagoas, falta de proteção adequada aos quilombolas, comunidades tradicionais e povos indígenas – que tiveram seus rios e sua saúde contaminados com mercúrio pela ação nefasta dos garimpos ilegais. É sempre importante lembrar o artigo 231 da Constituição de 1988: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, nossa combativa entidade cientifica realiza eleições para sua nova diretoria . É uma importante ocasião para profundas reflexões da comunidade cientifica e da sociedade . Vamos lutar para construir uma grande aliança pela CT&I , pela Educação e Cultura , pela Saúde e pelo Meio Ambiente no Brasil, agregando sob a mesma bandeira a comunidade científica, o Parlamento, os diversos segmentos da sociedade e todas e todos que acreditem que investir no conhecimento, no bem estar e no ambiente constituem os únicos caminhos pra sair da crise em direção a uma sociedade justa, equânime e soberana.

Renato Cordeiro
Candidato a Vice-Presidente da SBPC
Pesquisador Emérito da Fundação Oswaldo Cruz
Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências e do Conselho da SBPC