Entidades científicas discutem ações para 2021

Entre os temas levantados no Fórum das Sociedades Científicas Afiliadas à SBPC, realizado no dia 30 de abril, estavam a situação da CT&I no País, questões de meio ambiente, direitos humanos e, principalmente, a pandemia de coronavírus e os impactos desta grave crise sanitária sobre a sociedade

Representantes de mais de 120 sociedades científicas afiliadas à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se reuniram virtualmente no dia 30 de abril para discutir ações e estratégias para 2021. Entre os temas levantados, estavam a situação da CT&I no País, questões de meio ambiente, direitos humanos e, principalmente, a pandemia de coronavírus e os impactos desta grave crise sanitária sobre a sociedade.

O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, ressaltou que o objetivo do Fórum foi  estabelecer ações que podem fortalecer as entidades mutuamente neste período desafiador. “A situação do País está muito incerta, é um momento crítico para todos, e a comunidade científica não pode e não deve se calar e nem se abster de agir. Temos que tomar consciência desse momento difícil que estamos vivendo juntos e traçar estratégias para a ação conjunta.”

O Fórum das Afiliadas teve início com a participação do presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Evaldo Vilela, que falou sobre como a agência deverá atravessar o ano com o menor orçamento de sua história recente. “Essa regra de ouro nos traz também uma insegurança. E, se compararmos o orçamento de 2021 com o de 2020, perderemos R$ 114 milhões. Isso é uma tragédia, será um dos menores orçamentos da história do CNPq”, afirmou (veja a reportagem completa neste link).

A apresentação do presidente do CNPq foi seguida pelo debate das sociedades científicas sobre a importância dos investimentos para pesquisa no País, especialmente em ano de pandemia, e que medidas são possíveis de serem tomadas diante do desmonte e negligências perpetradas pelo Governo Federal. Todos os participantes manifestaram preocupação com os rumos – ou a falta de rumo – que a pandemia tomou no País. Na semana em que o fórum foi realizado, o Brasil atingiu a triste marca de 400 mil pessoas mortas pela covid-19, a grande maioria dessas perdas evitáveis, se o governo tivesse adotado desde o princípio um plano sério de controle da disseminação do vírus e um projeto de vacinação eficiente. Mas, pelo contrário, optou pela omissão, pela negação e por disseminar informações falsas e tratamentos precoces sem comprovação científica.

“A situação está extremamente grave”, disse Renato Janine Ribeiro, conselheiro da SBPC. “Outros países vêm apresentando queda no número de mortes com medidas sérias.” Ribeiro defendeu a criação de uma plataforma de união nacional em torno de cinco pontos fundamentais: adoção imediata de todos os protocolos de segurança contra a pandemia (uso de máscaras, distanciamento social, uso máximo do teletrabalho, restrição da circulação de pessoas); esforço para aquisição do maior número possível de vacinas para toda a população; auxílio emergencial em valores dignos; aumento do financiamento público para possibilitar essas medidas por meio de taxação de grandes fortunas; medidas de proteção a crianças em idade escolar, para que elas tenham condições de seguir o ensino remoto e, ao mesmo tempo, a vacinação sistemática dos profissionais da educação para permitir o retorno seguro às escolas.

Carlos Alexandre Netto, também conselheiro da SBPC, ressaltou a falta de vontade, por omissão, do Governo Federal no controle da pandemia. “O governo não dá a devida importância à gravidade da situação e tenta levar adiante sua pauta, sem sensibilidade pela perda de vidas. Prega um discurso contrário ao bom senso, aplicando uma asfixia orçamentária”, disse. Segundo ele, é fundamental resistir e lutar pelo direito à vida e pela valorização da ciência. “É preciso reverter essa tendência à asfixia, senão nossas agências vão acabar, elas já estão próximas a um ponto de não retorno. Temos uma missão hercúlea e precisamos mobilizar toda a sociedade”, alertou.

Ricardo Trevisan, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (Anparq), defendeu a união entre as entidades e associações de diferentes setores para reverberar as iniciativas propostas.

“Não há outra prioridade no momento a não ser dizer basta às mortes”, ressaltou Patrícia Birman, que no Fórum representou a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). “Nos posicionarmos é uma questão de ética. Temos pressa com relação à pandemia.”

A diretora da SBPC, Lucile Floeter-Winter, destacou a necessidade de que os cientistas saiam da bolha e consigam sensibilizar a população o quanto antes. Douglas Falcão, da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências (ABCMC), apontou os obstáculos à comunicação com a população – cerca de 50% dos brasileiros não tem acesso à internet, e uma maioria consegue acessar apenas Whatsapp pelos celulares. “Isso aprisiona interpretações da informação, interfere no sistema de crenças das pessoas. Precisamos pensar nessa comunicação, em como atrair principalmente os mais jovens, que hoje são os grupos que mais se expõem aos riscos da covid.”

Junior Garcia, Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO), acrescentou que também é preciso melhorar a comunicação entre as universidades, institutos de pesquisa e nas sociedades científicas.

Rafael Bellan, diretor científico da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), defendeu que é também necessário pedir a saída do presidente da República, Jair Bolsonaro. “Estancar as mortes é o ponto zero da nossa luta. E cada dia de Bolsonaro é um dia de mais mortes no Brasil.” O afastamento de Bolsonaro foi um ponto bastante debatido no encontro, e a condução desastrosa da crise sanitária foi apontada por diversos participantes.

“Estudos científicos mostram a quantidade de erros do governo, que deve ser responsabilizado pelo agravamento da pandemia”, afirmou Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Pública (Abrasco). Segundo ela, a escalada da crise sanitária é prevista desde julho de 2020 e é importante que as entidades científicas cobrem isso durante a CPI da Covid, em andamento desde o início desta semana. Marco Antonio Mitidiero, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia (Anpege), acrescentou que uma análise da Fiocruz acena para a proximidade do País ao marco de 500 mil mortos pela covid-19 muito em breve.

Representando a Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC), Marimélia Porcionatto chamou a atenção ainda para os efeitos de longo prazo das vítimas da covid-19 e suas famílias. “Já somamos mais de 13 milhões de recuperados, que terão sequelas e vão precisar de tratamentos especiais. Além disso, temos que pensar nas questões financeira, emocional e social das pessoas que perderam seus familiares”, disse.

“Devemos tomar o posicionamento de ir atacando, passo-a-passo, todas as atrocidades que vimos”, disse Frederico Garcia Fernandes, da Associação Nacional de Pós-graduação em Letras e Linguística (Anpoll). “Não temos como travar essas lutas senão pela união de todos”, completou Romeu Rocha, da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).

Enquanto os Estados Unidos planejam injetar mais de US$ 200 bilhões na Ciência, no Brasil, o governo adota cortes cada vez mais severos em CT&I, em Educação e na Saúde, deixando o País sem condições de sair de uma crise de tamanha proporção. “Como é que toda a estrutura que levou o País a ser destaque internacional foi tão facilmente desmoronada em tão pouco tempo?”, questionou Renato Cordeiro, conselheiro da SBPC.

Profundamente relacionado com a emergência desta e de futuras pandemias, a destruição ambiental também foi abordada pelos participantes. Luciana Barbosa, da Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno) e coordenadora do  Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da SBPC, alertou para os desmontes de órgãos importantes como  o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “É um quadro crítico, que se alinha com questões de saúde e emergência de novos vírus”, disse, destacando ainda a situação de extrema vulnerabilidade nas Unidades de Conservação e das populações indígenas e quilombolas. Segundo ela, a redução de recursos em CT&I também impacta diretamente na área do Meio Ambiente: “não estamos formando cientistas na quantidade que necessitamos”, disse. Barbosa relatou que o GT está preparando um documento amplo com um diagnóstico sobre a situação presente e as possíveis consequências para o futuro.

Maria Alice dos Santos Alves, representando a Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO), disse ainda o quanto é exaustivo enfrentar a destruição das políticas ambientais no Brasil. “Isso tem consequências em diferentes níveis, inclusive na saúde e bem estar da sociedade como um todo.”

O presidente da SBPC, Ildeu Moreira, citou, brevemente, as ações da SBPC durante a pandemia, as parcerias com entidades e organizações de vários setores da sociedade civil, para fortalecer as iniciativas, como a Frente pela Vida, o Pacto pela Vida e pelo Brasil, o Brasil pela Democracia, entre outros (conheça mais aqui sobre todas essas ações). “A SBPC vem se posicionando firmemente desde o início da pandemia e se uniu a entidades científicas, acadêmicas e da sociedade civil em grandes frentes de defesa nas questões mais urgentes deste momento – a vida, a saúde da população, a vacinação ampla e gratuita, a assistência  aos mais atingidos pela crise econômica, o meio ambiente,  a democracia, a ciência e a educação. Essas parcerias permitiram articulações políticas mais fortes no Congresso Nacional, e junto ao Executivo e ao Judiciário”, afirmou.

O projeto mais recente, de iniciativa da SBPC, é o Observatório da Liberdade Acadêmica e de Pesquisa, que reúne organizações como Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação Nacional de Programas de Pós-graduação em Ciência Sociais (Anpocs), Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). As linhas gerais do Observatório foram apresentadas no Fórum e seu lançamento está previsto para o final de maio, pelos canais da SBPC.

Os representantes das sociedades científicas conversaram também sobre a participação das entidades na 73ª Reunião Anual da SBPC – que será realizada em julho, de forma virtual -, o processo de escolha dos novos representantes das sociedades científicas afiliadas no Conselho da SBPC e ainda deliberaram sobre projetos para as celebrações do Bicentenário da Independência do Brasil, em 2022/23. A SBPC apresentou a proposta de logo da campanha do bicentenário, as iniciativas que planeja lançar e ouviu sobre as propostas de ações integradas com as demais entidades.

Jornal da Ciência