Epicovid-19 prepara nova fase com testes mais sofisticados

Maior pesquisa epidemiológica do mundo perdeu a verba do Ministério da Saúde por motivo de “discordância sobre os resultados” e agora busca novas fontes de financiamento com agências de fomento públicas e privadas

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) dará início a uma nova fase da Epicovid-19, informou o líder da pesquisa, o epidemiologista César Victora. Na nova etapa, os estudos serão realizados sobre a mesma base populacional, porém com testes mais sofisticados, incluindo a análise da “spike”, um tipo de proteína da cápsula do Sars-Cov2.

“Estamos com projeto no Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) para voltar a todas aquelas cidades e testar as mesmas pessoas, fazer uma pesquisa mais detalhada e entender melhor o que cada teste anda medindo”, revelou Victora durante o painel “Brasil Pós Pandemia”, na “Mini Reunião Anual Virtual da SBPC”.

Considerado o maior estudo epidemiológico em número de pessoas testadas e densidade geográfica do mundo, a Epicovid-19 começou em meados de maio, dividida em três fases (14 a 21/5; 4 a 7/6 e 21 a 24/6). Sob a coordenação da universidade e em parceria com o Instituto Ibope, equipes de técnicos percorreram 133 cidades em todos os estados do país, realizando testes sorológicos para detectar anticorpos do novo coronavírus. No total foram aplicados testes em 89.397 pessoas somando as três fases.

O estudo demonstrou a evolução da prevalência da covid-19 por região e que a taxa de letalidade no Brasil chegou a 1,15%, ou seja, um a cada cem infectados morre após contrair a doença. As primeiras fases foram financiadas pelo Ministério da Saúde, porém o governo retirou o patrocínio.

“A pesquisa foi cancelada pelo Ministério da Saúde por motivo de discordância sobre alguns resultados que não foram bem recebidos, mas divulgamos de qualquer maneira”, afirmou Victora. Agora a universidade busca novas fontes de financiamento do estudo com agências de fomento públicas e privadas.

O cientista disse que o estudo utilizou o teste rápido chinês Wondfo (IgM e IgG) com validações prévias (sensibilidade 85%, especificidade 99,9%), usando a técnica de punção digital, com resultado em 15 minutos. “Comparado com outros, a performance desse teste é bem boa, não é perfeito, mas epidemiologista não precisa de perfeição, precisa saber as imperfeições do teste que está usando”. Os testes foram adquiridos pela mineradora Vale e doados ao Ministério ainda durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta.

Victora explicou que o que mais chamou atenção no estudo foi a entrada da pandemia na região amazônica. Segundo ele, as seis cidades com mais alta prevalências na fase 1 estavam ao longo do Rio Amazonas (Tefé, Breves, Castanhal, Manaus, Belém e Macapá). Na segunda fase, 12 das 15 cidades com maior prevalência também eram no Amazonas. “Para mim foi surpreendente porque eu esperava que chegasse pelo Rio, São Paulo, cidades mais turísticas”, afirmou.

Uma das hipóteses para o avanço da covid-19 no Norte é que a transmissão se intensificou devido à modalidade de transporte coletivo, através de barcos com grande aglomeração de usuários. Outra possibilidade está relacionada com a presença chinesa em Manaus, por conta das indústrias daquele país instaladas na Zona Franca. “Os dados mostram que a região Norte foi a que teve maior número de mortos por volta de abril, mas a taxa vem caindo e as regiões que agora estão explodindo são o Centro-Oeste e Sul”, afirmou.

A Epicovid-19 também evidenciou a influência da desigualdade social no perfil de contaminação, revelando que indígenas, pardos e negros possuem cinco vezes mais prevalência que os brancos. “Dividimos a população brasileira em cinco grupos de riqueza para esse estudo e observamos que no quintil (20%) mais pobre, a prevalência era o dobro do quintil mais rico. Esse diferencial persiste”, comentou Victora.

Respondendo a uma questão da audiência sobre a incidência do coronavírus sobre a população indígena, o cientista comentou que a Epicovid-19 foi feita apenas entre a população urbana. Mas entre indígenas que moram nas cidades, encontrou a prevalência de cinco vezes maior comparado aos brancos. “Quando usamos técnicas estatísticas multivariadas para controlar pobreza, aglomeração, acesso à água, observamos que os indígenas, se tivessem as mesmas condições dos brancos de moradia, renda e educação, ainda teriam duas vezes mais a prevalência de anticorpos, o que sugere que talvez tenha algum componente genético, ou algum outro fator, que não medimos nessa pesquisa”, explicou.

Assista ao debate na íntegra no canal da SBPC no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=vrVbRynOLWM

Jornal da Ciência