Estados enfrentam dificuldades para financiar pesquisas

Cortes orçamentários obrigam a revisão de parâmetros e a busca por alternativas. O Jornal da Ciência publica uma série de reportagens para mostrar a situação das pesquisas desenvolvidas nos estados brasileiros

O mais recente corte do orçamento para a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) a nível nacional está mobilizando nos estados a comunidade acadêmica e científica e legisladores para encontrar soluções e manter os programas de pesquisa.

No início de abril, alunos, professores, reitores, pesquisadores e representantes de instituições do setor lotaram a Assembleia Legislativa mineira para assegurar o cumprimento dos repasses legais para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Logo depois, no dia 9 de abril, deputados catarinenses convidaram o secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), André Ramos, para expor a situação da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) e propor soluções para os cortes de verbas. Já São Paulo é um caso à parte, o estado conta com recursos contínuos para a gigante Fapesp. E no Ceará, a Funcap foi beneficiada por um acordo entre o executivo e o tribunal de contas do estado.

Estes e outros casos serão detalhados pelo Jornal da Ciência, em uma série de reportagens, para mostrar a situação da pesquisa desenvolvida nos estados brasileiros.

Desde 1989, o investimento em CT&I está previsto nas constituições estaduais como um percentual das receitas tributárias (impostos como IPTU, IPVA, taxas e contribuições), na faixa entre 1% e 2%. No período 2000-2016, a soma dos investimentos efetivamente realizados passou por altos e baixos, em uma volatilidade nem sempre combinada com o momento econômico do País. É o que mostra o gráfico abaixo, elaborado com base em dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), comparando o peso dos investimentos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) federal e estaduais.

grafico-mctic
Fonte: MCTIC*

 

Os dados do Ministério mostram ainda que, diferente dos estados, os investimentos do governo federal cresceram ininterruptamente em relação ao PIB a partir de 2012, atingiram um ápice em 2015, com 1,34%, para cair em seguida a 1,27% em 2016. Não há dados para 2017 e 2018. Solicitado, o MCTIC informou através da assessoria de imprensa que os de 2016 são os mais recentes disponíveis, que estão trabalhando em uma atualização, porém a previsão é de que fique pronta somente em junho.

A professora Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha, do Programa de Mestrado em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC), não tem dúvida de que os dados oficiais, quando saírem, apontarão novamente para uma baixa, fazendo de 2019 o quarto ano de redução dos dispêndios governamentais com Pesquisa e Desenvolvimento. “Houve uma mudança importante a partir de 2014, com um enfraquecimento dos investimentos”, observa Vilha.

Com a chegada do governo Jair Bolsonaro, a situação dos estados na área de ciência e tecnologia se complica. O orçamento do MCTIC para 2019 acenava um aumento de aproximadamente 20% comparado ao previsto para 2018 na Lei Orçamentária aprovada no Congresso, mas no dia 29 de março o governo anunciou um corte de 42%, nas despesas de investimento do MCTIC, deixando a Pasta com o orçamento mais baixo da última década.

Nos estados, o desempenho de recursos à CT&I segue rumos diversos. Fica patente, por exemplo, uma forte concentração dos dispêndios na região Sudeste, principalmente em São Paulo. No entanto, a tendência do governo federal de sufocar o setor cada vez mais, reverbera e preocupa, principalmente nas regiões mais vulneráveis. Cortes de verbas federais agravam a situação do caixa das fundações de apoio à pesquisa, algumas já no quarto ano de retração dos investimentos. Isso se deve à queda da arrecadação tributária decorrente da recessão econômica.

Para Gilvan Máximo, presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), com algumas exceções, os orçamentos estaduais acompanharam os dispêndios federais e demonstraram a maturação dos Sistemas Estaduais de CT&I. “O gráfico também demonstra o grande esforço das unidades da federação em programas conjuntos com o Governo Federal, o que foi comprovado através da proporcionalidade dos orçamentos tanto Federal como estaduais”.

Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do DF, Máximo afirma que infelizmente a maioria das Unidades da Federação ainda está longe do ideal em investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento). “Entretanto, os senhores governadores  estão engajados neste propósito  e certamente irão fortalecer os Sistemas Estaduais através das FAPs e da recriação das Secretarias de Ciência e Tecnologia”.

Na leitura da professora Maria Caramez Carlotto, vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Economia Política Mundial da UFABC, um conjunto de fatores explicam a queda dos investimentos estaduais em CT&I, entre os quais a crise econômica pode ser apontada como o principal. Mas, para além das questões de caixa, a concepção hegemônica no governo, desde 2015, de que a solução para a crise econômica está essencialmente no ajuste fiscal, é o que mais prejudica áreas que, se tivessem uma visão mais estratégica de desenvolvimento, seriam preservadas, como educação, ciência, tecnologia e inovação.

“Nessas áreas está, sem dúvida, uma parte importante da solução da crise econômica brasileira e, portanto, elas deveriam ser pensadas na chave do investimento e não do gasto, como tem feito o governo anterior e atual”, afirma a professora da UFABC.

Acompanhe nas próximas edições do Jornal da Ciência o balanço da situação da CT&I nos estados.

Janes Rocha – Jornal da Ciência

 

*Fonte:  Balanços Gerais dos Estados, levantamentos realizados pelas Secretarias Estaduais de Ciência e Tecnologia ou instituições afins e Secretaria do Tesouro Nacional (STN) – Coordenação-Geral das Relações e Análise Financeira de Estados e Municípios (COREM); número de docentes NRD3 e número de docentes permanentes da pós-graduação: http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/; funções docentes em exercício: Sinopse Estatística da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação (MEC), extração especial. Elaboração: Coordenação de Indicadores e Informação (COIND) – CGGI/DGE/SEXEC – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Nota(s): 1) considerados os valores de empenhos liquidados dos recursos do Tesouro e de outras fontes dos orçamentos fiscal e de seguridade social, excluíndo-se, quando o balanço permite, as despesas com juros e amortização de dívidas, cumprimento de sentenças judiciais e com inativos e pensionistas; considerados os gastos da pós-graduação como proxy dos dispêndios em P&D das instituições de ensino superior (IES), sendo que:
dos recursos anuais executados pelas instituições federais e estaduais com pós-graduação stricto sensu reconhecida pela CAPES, subtraem-se as despesas com juros e amortizações de dívidas, com o cumprimento de sentenças judiciais, com inativos e pensionistas e com a manutenção dos hospitais universitários, para estimar a parcela direcionada à pós-graduação multiplicando este resultado pelo quociente número de docentes da pós-graduação / número de docentes das IES do respectivo ano, à exceção dos anos de 2004 a 2006 nas instituições federais, quando foi empregado o quociente de 2003. Atualizado em: 17/10/2018 e publicado no site do MCTIC.