Estudo sugere estratégia do Governo Federal para atrapalhar combate à pandemia

Bate-papo na 73ª Reunião Anual da SBPC discute trabalho que analisou mais de três mil atos normativos do governo desde o início da pandemia

21.07 Bate-papo ANÁLISE DE DOCUMENTOS DO GOVERNO FEDERAL SOBRE A PANDEMIA

Um acervo com mais de três mil normas relativas à pandemia revelou que a maioria das mortes por covid-19 seria evitável por meio de uma estratégia de contenção do vírus. Os documentos fazem parte de estudo desenvolvido pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa), da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, com a Conectas Direitos Humanos, que foi discutido durante bate-papo nesta quarta-feira (21) na 73ª Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A sessão “Análise de documentos do governo federal sobre a pandemia” contou com palestra de Deisy Ventura, professora titular de Ética da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, e comentários de Claudia Linhares Sales, diretora da SBPC, e Lígia Bahia, secretária-regional da SBPC-RJ. Ventura, uma das coordenadoras das pesquisas, afirmou que a análise do documento deixou claro que as ações do governo federal foram uma violação sem precedentes do direito à vida e à saúde dos brasileiros.

O Cepedisa acompanhou a questão da covid-19 desde o início da pandemia, especialmente as atividades envolvendo entidades federativas. Como é pioneiro na pesquisa sobre o direito da saúde no Brasil, com vasta experiência e no estudo das normas brasileiras e internacionais sobre saúde, o centro começou a investigar as normas publicadas sobre a pandemia nos Diário Oficial da União e Diário Oficial dos Estados. Daí surgiu a parceria com a Conectas Direitos Humanos, sendo depois convidados pesquisadores do Departamento de Epidemiologia e alunos da Faculdade de Direito, recrutados como bolsistas.

“Nós coletamos informações sobre cada uma dessas normas para estuda-las e depois analisar se teriam um impacto negativo sobre os direitos humanos e então tentar minimizar esse impacto. Essa era a origem do projeto”, contou Ventura. “Nunca imaginamos, quando desenhamos o projeto, que encontraríamos uma estratégia de disseminação da covid-19 no Brasil.”

Propaganda contra a saúde pública

O estudo é composto por três eixos apresentados em ordem cronológica: atos normativos da União, edição de normas por autoridades e órgãos federais e vetos presidenciais; atos de obstrução às respostas dos governos estaduais e municipais à pandemia; e propaganda contra a saúde pública.

“Existe uma tentativa de disfarçar, de diminuir o reconhecimento das medidas quarentenais, mas elas estão sendo adotadas. Ao contrário do que foi divulgado, os governadores e os prefeitos, em sua quase totalidade, adotaram essas medidas, sim. Só que infelizmente elas foram adotadas para evitar o colapso no regime de assistência, e não para conter o vírus”, declarou a professora.

O mapeamento e análise das normas jurídicas analisou rigorosamente a sequência de medidas que enfraqueciam as políticas públicas de saúde voltadas ao combate à pandemia. “Começamos a notar uma sequência de vetos por parte da Presidência da República, principalmente a lei relativa ao uso de máscara, e nos demos conta de que o governo não apenas se omitia em relação à contenção do vírus, como agia claramente em relação a esse sentido”, frisou Ventura. “Trata-se de uma atuação sistemática que busca o descrédito das autoridades sanitárias e que incita a população ao desrespeito das medidas de saúde pública”.

CPI da pandemia

De acordo com a análise das 3.049 normas relacionadas ao enfrentamento da pandemia do coronavírus, é possível constatar a atuação da União para a disseminação do vírus no território nacional, não sendo possível interpretar a atuação do governo na gestão da pandemia como simples negligência.

“Quando divulgamos a primeira linha do tempo sobre a estratégia de propagação do coronavírus no Brasil, alguns jornalistas, principalmente estrangeiros, me perguntavam: ‘Mas será que o presidente é tão diabólico assim? Vocês não estão exagerando?’”, contou Ventura. “Nós nunca achamos que fosse diabólico, mas sempre acreditamos que fosse por motivos eleitorais e econômicos – obviamente não em benefício da economia coletiva, mas dos interesses econômicos de determinados grupos. Foi uma decisão objetiva de que a vida de determinadas pessoas não vale nada, numa hierarquia entre outros valores e a vida, em que a vida fica em segundo lugar.”

Assista à conferência na íntegra, no canal da SBPC no YouTube.

Christiane Bueno – Jornal da Ciência