“Eu não ando só”

Durante mesa-redonda durante a Jornada da SBPC no Dia Internacional das Mulheres, as vencedoras na categoria Mulheres Cientistas do Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher falam sobre o reconhecimento, trajetórias e lutas ainda travadas na área

mesa-eu-nao-ando-so-foto-aprovadaAs cinco vencedoras do Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” – edições Mulheres cientistas (2020 e 2022) participaram da mesa-redonda “Eu não ando só”, durante a Jornada da SBPC no Dia Internacional das Mulheres, no dia 8 de março. Durante a atividade, coordenada por Miriam Grossi, diretora da SBPC, as agraciadas falaram sobre o reconhecimento, trajetórias e das lutas ainda travadas na área.

Vencedora da edição de 2022 na área de Biológicas e Saúde, a epidemiologista Gulnar Azevedo e Silva observa que as mulheres sempre estiveram presentes na saúde coletiva, mas que esse número tem crescido. “E isso foi perceptível nesta pandemia, tanto que podemos elencar vários nomes, dentre eles, da presidente da Fiocruz que conseguiu lidar com todas essas dificuldades, mas com muita sensibilidade e competência. Tanto que hoje o Brasil está produzindo vacina. Esse é um feito muito grande”, comentou Azevedo e Silva que é professora titular do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Ao lembrar da premiação, a pesquisadora afirma que ter o trabalho reconhecido em um prêmio com nome de Carolina Bori tem um significado especial. ““Acredito que essa premiação tem um valor inestimável em escolher, entre as áreas biológicas e da saúde, uma representante da saúde coletiva, opção profissional que fiz ainda quando estudante de medicina e que a cada dia tenho certeza que foi a mais certa”, declarou.

Já a vencedora do prêmio na área de Engenharias, Exatas e Ciências da Terra, a astrônoma Beatriz Leonor Silveira Barbuy ressalta a importância da carreira para as mulheres e reconhece que houve avanços, mas que ainda há muito a percorrer porque a discriminação persiste, principalmente em cargos mais altos. “Infelizmente ainda existe um teto de vidro”, lamentou Barbuy, que é professora titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

Nilma Lino Gomes, vencedora na área de Humanidades, disse que era uma honra ser educadora, pedagoga e mulher negra e que o prêmio revela não só a trajetória dela, mas também a área da educação no campo das ciências de forma mais ampla. “Hoje rememoramos esse Dia Internacional da Mulher como um dia de luta e de força de nós mulheres, tão diversas de raça, gênero e cor, entre outros aspectos, e ainda muito discriminada pelo machismo no Brasil e no mundo”, afirma Nilma, que é professora titular e emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Segundo Gomes, sua ancestralidade e luta política a orientaram a seguir sua trajetória científica e de vida. “O entendimento de que a política não é um território apenas masculino, também me deu forças para ser uma intelectual negra e cientista engajada, e assim, desenvolver e coordenar por 12 anos o Programa de Ensino e Pesquisa e Extensão ‘Ações Afirmativas na UFMG’, que completa 20 anos esse ano”, afirma ela que é referência na pesquisa e na luta antirracista e pelas ações afirmativas.

Ao olhar para trás, Gomes afirma que muito do que aprendeu foi impulsionado pelo movimento antirracista, que a ajudou a contrapor grandes narrativas impostas pela sociedade e assim ampliar sua busca individual, que não se deu num processo pedagógico. “O fortalecimento da autoestima nos dá coragem para lutar contra as opressões porque nos faz entender que temos direitos, que produzimos conhecimento e que podemos ocupar os mais diversos lugares da sociedade, mesmo aqueles dominados pelo universo masculino e pelo reino da branquitude. E isso não será sem lutas, sem pressão. Mas o mais importante é entender que nós mulheres temos o direito de estar onde quisermos e a ciência é um desses espaços”, finaliza.

A socióloga Alice Rangel de Paiva Abreu, que recebeu “Menção Honrosa” na 1ª edição do Prêmio em 2020, rememorou a satisfação e alegria ao recebê-lo. Ela também apontou a percepção de que houve mudanças significativas na base do sistema para permitir o avanço das mulheres na área científica, embora a distribuição ainda seja desigual nas diferentes disciplinas e nas posições mais altas da carreira.

“Há uns 30 anos as lutas eram básicas, como por exemplo, o direito de ter uma profissão, o dinheiro próprio, ou seja, avançamos muito. Hoje a mulher tem um papel na sociedade de uma forma mais ampla, mas ainda tem muito o que avançar. Antes discutíamos como incluir a mulher na ciência como se o problema fosse dela, mas hoje existe a percepção de que o problema está no sistema e nas normas”, explica Abreu que é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A cientista afirma ainda que a presença e a contribuição das mulheres na pesquisa são inegáveis, mas que os debates sobre como avançar para um cenário de equidade de gênero são necessários para ganhar expressão em espaços de gestão e produção científica. “Quanto as mulheres em cargos mais altos na carreira, o problema está nas instituições e para mudar isso é preciso de um engajamento de toda a sociedade”, finaliza.

A biomédica Helena Nader, vencedora da 1ª edição do Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, dedicou o sucesso de sua trajetória às pessoas que a incentivaram. “Se eu cheguei aonde cheguei é porque tive pais, mestres e estudantes que acreditaram em mim e foram parceiros. Meus pais acreditaram em mim, apesar de não terem recursos, me deram o que era mais importante: a educação. Sempre gostei muito de estudar e tive professores essenciais para atingir tudo o que atingi na vida — professores que me motivaram a pensar e questionar desde a pré-escola”, disse.

Nader lembra que fez Ciências Biomédicas na Escola Paulista de Medicina, curso que havia sido criado há apenas um ano na época. “Apesar dos estudantes de lá terem direito à transferência para medicina, apenas dois deles optaram por isso. Toda a turma se apaixonou por essa ciência. Era um curso muito prático, que fazia os alunos pensarem e buscarem informações. Foi uma paixão que continua até hoje”, comenta ela que é professora da titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Ao finalizar sua fala, a cientista, que foi a terceira presidente mulher da SBPC, ressaltou a importância de investir em educação. “Se o Brasil não investir em educação, não terá ciência”, afirma.

Veja as atividades da parte da manhã da Jornada no canal da SBPC no YouTube.

Jornal da Ciência