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Especialistas apontam estratégias para o avanço da CT&I

Em mais um ano de crises econômica e orçamentária, especialistas da área de ciência, tecnologia, inovação e educação analisaram propostas, em tramitação no Congresso Nacional, e outras medidas, na tentativa de diagnosticar e examinar os desafios “dentro de uma perspectiva estratégica” para o avanço do setor.

Presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp avaliou mais de uma dezena de propostas em tramitação no Congresso Nacional

 Em mais um ano de crises econômica e orçamentária, especialistas da área de ciência, tecnologia, inovação e educação analisaram propostas, em tramitação no Congresso Nacional, e outras medidas, na tentativa de diagnosticar e examinar os desafios “dentro de uma perspectiva estratégica” para o avanço do setor. Esse foi o objetivo dos participantes da reunião mensal do Fórum de Assessores Parlamentares das Entidades de Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação (ForumCTIE) – criado há cinco anos -, na terça-feira, 27, na sede do Sebrae, em Brasília.

Sob o tema “Rumos da ciência, tecnologia e inovação e papel dos atores em contexto de restrições e desafios”, a reunião contou com a participação do presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Américo Pacheco, que mediou o evento. E também dos secretários dos ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Álvaro Prata, e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Vinícius de Souza; e de representantes da SBPC, do Fórum de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação (Foprop) e da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).

O encontro também foi marcado pela contribuição do consultor de orçamento da Câmara dos Deputados, Fabio Chaves Holanda, que falou sobre o orçamento da área de Ciência, Tecnologia e Inovação para 2017 e revelou a chamada “reserva de contingência” de R$ 5 bilhões no orçamento do MCTIC para o próximo ano, para a “função de CT&I” e Comunicações.  Tais valores representam 33% da verba total de R$15,5 bilhões programada para todo o Ministério, conforme os dados apresentados (abaixo, mais informações).

Propriedade industrial

Pacheco, que foi secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia e presidente do Conselho de Administração da Finep, avaliou mais de uma dezena de propostas em tramitação no Poder Legislativo e recomendou, por exemplo, a intensificação do debate sobre o projeto de lei (PL) nº 139/1999, que trata da Propriedade Industrial.

A proposta consolida vários projetos e, segundo o especialista, tem natureza “controversa” e divide muitas opiniões. Ele explicou que o PL, desenhado em parte pela pressão da área de saúde, circunscreve, aumenta as hipóteses de licença compulsória de patentes e reduz o prazo de vigência de patentes. “É um projeto controverso, mas exige atenção redobrada, em razão das divergências”, recomendou.

A proposta em discussão estabelece, por exemplo, a anuência prévia da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como requisito obrigatório para concessão de patentes de produtos e processos farmacêuticos. E também permite a concessão de licença compulsória por simples portaria ministerial, sendo vedada a possibilidade de análise pelo Poder Judiciário quanto à existência de fins de interesse público para que se configure o uso público não comercial da patente.

Proteção de cultivares

O especialista da Fapesp mencionou ainda o projeto de lei nº 827/15, que altera a Lei de Proteção de Cultivares. Ele avalia que essa proposta é “mais consensual” e que interessa principalmente à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Conforme observa o cientista, o aumento da proteção de cultivares é de interesse do Brasil e que, há anos, o setor agrícola tenta fazer uma melhoria da lei a fim de ter mais proteção.

Outro projeto que vale o aprofundamento da discussão, na observação de Pacheco, é o de nº 125/15, que altera as normas de enquadramento para micro e pequenas empresas no Simples Nacional. O mesmo projeto estabelece regras à área de capital de risco, para os chamados investidores-anjos, a fim de fomentar a inovação e investimentos produtivos.

Pacheco também chamou a atenção para o PL nº 2396/15, que prevê redução de PIS/Pasep e Cofins para impressão de livros nacionais. “A defesa da CNI sobre esse projeto é de que ele favorece a indústria nacional. No nosso ponto de vista, porém, ele favorece o leitor. Acho isso algo bastante interessante”, opinou.

A proposta zera as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita bruta decorrente da atividade de impressão de livros, conforme o cientista. Pelas regras vigentes, na cadeia produtiva, a indústria gráfica brasileira paga 9,25% (PIS + Cofins) sobre o faturamento, onerando o preço final do livro impresso no Brasil. “A situação atual estimula a importação de livros e a criação de empregos fora de nossas fronteiras, e também a perda de competitividade das gráficas frente aos demais entes da cadeia produtiva”, analisou.

Novo regime fiscal

Outro ponto analisado por Pacheco é a proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 241, que institui o novo regime fiscal do País e que congela as despesas para saúde e educação por duas décadas. O alerta é de que os desdobramentos do plano, nos estados, podem interferir no orçamento das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs).  “Fomos alertados, na Fapesp, de que é possível que o novo regime fiscal tenha desdobramentos no plano dos estados, para idênticas iniciativas estaduais de desvinculação de receitas”, disse.

Segundo ele, a proposta, do jeito que está, deve patrocinar emendas constitucionais nas fundações estaduais similares às previstas no novo regime fiscal, em razão da crise financeira dos estados do País que, em alguns casos, são até mais graves do que a da União. Isso, observa, pode fazer desaparecer vinculações constitucionais, colocadas no passado, em diversas unidades federativas. Dentre as quais, as vinculações para as FAPs.

“Não temos clareza sobre isso, não temos como calcular o impacto que o novo regime da PEC teria sobre o orçamento da União. O que estou dizendo, aqui, é uma ilação sobre as possibilidades de ser criado um novo regime fiscal nos estados derivada da realidade fiscal do Brasil”.

Para Pacheco, o novo regime é uma necessidade diante da atual conjuntura.  “Não é uma maldade feita na calada da noite. Ela é resultado do desastre fiscal que se vive e que, para restabelecer a confiança econômica, alguma coisa precisa ser feita. A proposta vai numa direção relativamente correta. O problema é se jogar a água e a criança tudo fora de uma só vez”, observou.

Marco Legal da CT&I

A presidente da SBPC, Helena Nader, acrescentou a importância de acelerar a regulamentação do Marco Legal da CT&I, sancionado em janeiro pela então presidente Dilma Rousseff, com oito vetos. Ela recomendou ainda a derrubada desses vetos e afirmou que esses pontos são os principais gargalos hoje da área de ciência, tecnologia e inovação.

Segundo Nader, as universidades e os institutos de pesquisa, pelo menos, não estão utilizando a nova legislação, diante do temor sobre os vetos. O presidente Michel Temer prometeu a publicação de uma medida provisória para eliminar os vetos. A iniciativa não vingou, até agora, em razão de interferências da equipe econômica.

A cientista reiterou a avaliação de que o Palácio do Planalto não é o responsável pelos vetos. “Nenhum deles (presidentes) consegue, de fato, dialogar com quem tem a caneta do financiamento. Essa é a realidade”, lamentou.

Nader sugeriu a realização de uma reunião com os ministros da Fazenda (Henrique Meirelles), do Planejamento (Dyogo Oliveira) e o secretário da Receita Federal (Jorge Rachid), a fim de apresentar o potencial do Marco Legal para o desenvolvimento e também o baixo impacto que essa legislação surtiria sobre as contas nacionais. “Se a gente não fizer essa interlocução, o Marco Legal ficará estacionado”, avaliou.

Lei da Biodiversidade

A presidente da SBPC voltou a criticar o decreto (nº 8772/2016) que regulamentou a chamada Lei da Biodiversidade (Lei 13.123/2015). Nader reiterou que foram ignoradas todas as recomendações científicas que facilitariam o acesso ao patrimônio genético, fator que vem inviabilizando a execução da nova Lei, observou.

O secretário de Inovação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Souza, informou que o ministro da pasta (Marcos Pereira) se reuniu com Gilberto Kassab (MCTIC) e falaram sobre esses entraves, nas últimas semanas.

No caso do Marco Legal, foi decidido que todas as instituições científicas e empresariais que formam a Aliança em Defesa do Marco Legal da CT&I serão consultadas sobre a regulamentação da nova legislação, cuja convocação deve acontecer em duas semanas, mais ou menos, para reunião conjunta com os dois ministros.

“A ideia não é lançar o decreto sem consultar esse grupo que ajudou a redigir o texto e que foi determinante para a aprovação por unanimidade no Congresso Nacional”, informou.

No encontro, Souza disse que Kassab reiterou as dificuldades para derrubar os vetos via medida provisória e que a saída seria o governo pressionar a votação do projeto nº 226/2016, do senador Jorge Viana (PT-AC), que estabelece a derrubada dos oitos vetos.

No caso da Lei da Biodiversidade, Souza informou que o MCTIC já encaminhou um aviso ministerial e acrescentou que o MDIC encaminharia um segundo, provavelmente com o apoio de diversos ministérios para rediscutir e reverter tal decreto.

Orçamento

Em outra frente, o consultor de orçamento da Câmara dos Deputados, Fabio Chaves Holanda, discorreu sobre o histórico do orçamento da área de CT&I. E informou que a proposta do Executivo, encaminhada à Casa no início de setembro, estabelece orçamento de cerca de R$ 15,5 bilhões para o MCTIC. Desse total, R$ 7,322 bilhões seriam para o que chamou “função de CT&I”. O restante refere-se a Comunicações.

​O consultor informou ainda sobre a reserva de contingência de R$ 5 bilhões para o próximo ano, o equivalente a 33% da verba total do Ministério. Ele acrescentou que a reversão desses valores seria possível, somente, pela apresentação de emendas parlamentares, cujo prazo vai de 01 a 20 de outubro. ​
A proposta de orçamento para a “função CT&I”, encaminhada à Câmara, supera os R$ 5,77 bilhões anunciados pelo Ministério​ – da ordem de 20% superior ao deste ano​. O MCTIC, procurado pelo Jornal da Ciência, confirmou a informação sobre a reserva de contingência​ para o próximo ano​, por meio da assessoria de imprensa. Foi esclarecido que o valor estabelecido para CT&I é de R$ 1,468 bilhão, mas que o montante ​já ​está fora do orçamento (de R$ 5,77 bilhões​) ​ anunciado, inicialmente.  Para a área de Comunicações, a reserva de contingência é de R$ 3,630 bilhões no próximo ano​, informou​.

O presidente do Foprop, Isac Almeida de Medeiros, avaliou o cenário, destacou a crise que vive a Ciência e considerou necessário repor o orçamento da Educação. Segundo ele, o custo financeiro da pesquisa científica tem crescido consideravelmente, enquanto que os recursos disponíveis são cada vez mais escassos.

Crise em bolsas

Medeiros reiterou as críticas sobre o corte de 75% nos recursos de custeio dos programas PROAP e PROEX que, segundo avaliou, são fundamentais para manutenção da pós-graduação. Falou também da suspensão de cerca de 4 mil bolsas de pós-graduação (mestrado e doutorado), embora o presidente da Capes, Abílio Neves, tenha prometido recuperar mil bolsas, disse.

Medeiros defendeu ainda participação maior das empresas no investimento em CT&I, considerando que em 2010 (últimos dados disponíveis), as empresas investiram 0,57% do PIB, enquanto o governo, 0,62%. Esses percentuais destoam dos observados em países membros da OCDE, onde os investimentos empresariais lideram os investimentos com folga. Nos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a China é o principal país que segue a tendência das nações desenvolvidas, e onde as empresas respondem por 1,22% dos valores, e o governo 0,40% do PIB.

Estímulos baixos

Em outra direção, o vice-presidente da Anpei, Luiz Eugenio Mello, falou sobre a defasagem que existe na implementação de medidas estimulantes aos investimentos em P&D e que possam melhorar o ambiente de negócios. Por exemplo, disse que a Lei do Bem foi criada em 2005, duas décadas depois de ser adotada em países como Canadá (1986), EUA (1981) e França (1983). Ele lembrou que os incentivos fiscais, previstos na Lei, foram até ameaçados no ano passado, gerando insegurança jurídica.

O representante da Anpei criticou ainda a desvantagem interna em relação ao mundo, o que tira a competitividade da indústria brasileira no cenário internacional. Mello citou, como exemplo, o baixo percentual de recuperação fiscal versus investimentos em P&D. Segundo ele, essa taxa é de 1,9% na lei vigente do Brasil, bem distante da do Canadá (12, 5%), EUA (11,4%) e França (12,3%). “Embora a Lei esteja aí, o que conseguimos pegar, de fato, é seis vezes menor do que esses países”, lamentou.  “Se o País não se adaptar às melhores práticas internacionais vamos ficar para trás (sempre)”, acrescentou.

 Retorno do orçamento  

O secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTIC, Álvaro Prata, reconheceu que o orçamento de CT&I não reflete a importância da área para o País. Disse, porém, que o desafio é transformar o conhecimento em riquezas. “Na minha avaliação, a razão disso (orçamento baixo) é porque a importância de ciência e tecnologia não se faz sentir para o País”, disse.

Segundo observa, a ciência, tecnologia e inovação produzida, internamente, não têm gerado impactos sobre desenvolvimento e a área social. “Para as poucas áreas que têm impactado no desenvolvimento não faltam recursos, ainda, como agricultura e outros setores. Não sou a favor de uma ciência utilitarista, mas acho que as nossas instituições e nós devemos nos preocupar com isso”, declarou.

Na mesma sintonia, o secretário de Inovação do MDIC, Souza, disse que a tendência de baixo orçamento da área deve ser mantida em médio e curto prazos, pelo menos; e defendeu a definição de prioridades dos projetos. “Tem de continuar brigando e lutando, mas o que me incomoda é a falta de uma discussão de ‘um plano B’. Se não estabelecer prioridades, esquece. Vai continuar a pulverização de recursos para um monte de projetinhos que vão ficar menores ainda e que não terão impacto nenhum”, observou.

Souza destaca a necessidade de colocar a importância da área na pauta presidencial. “Se levar para o Ministério da Fazenda isso vai entrar num ouvido e sair por outro. Esse tema, até agora, nunca entrou nas dez ou vinte prioridades da pauta presidencial. E nessas horas o que vai falar (mais alto), provavelmente, é a linguagem financeira: o retorno dos investimentos”, avaliou.

Balanço do evento

O coordenador-geral do Comitê Executivo do ForumCTIE, Gerson José Lourenço, considerou positiva a reunião, por permitir diagnosticar e examinar os desafios dentro de uma perspectiva estratégica na agenda legislativa do setor: “Ver como influem os caminhos traçados para área de ciência, tecnologia e a repercussão do posicionamento dos atores”, disse.

Segundo Lourenço, a reunião permitiu levantar informações e diagnósticos que apontam para uma série de problemas. “Mas que exigem posturas mais proativas e nos dar condições de enfrentamento de tudo que estar por vir”.

Viviane Monteiro – Jornal da Ciência