Institutos públicos amargam a perda de pesquisadores, técnicos e outros servidores

Cenário dramático foi apresentado por representantes de entidades científicas e sindicais em audiência no Senado; representantes do governo se disseram abertos ao diálogo, mas apontaram restrições orçamentárias

A reposição de profissionais das carreiras públicas de ciência e tecnologia nos institutos federais de pesquisa é urgente. No entanto, se depender dos setores econômicos do governo, terá que esperar a retomada do equilíbrio fiscal da União, com a aprovação das reformas estruturais como a da Previdência. Essa foi a tônica da audiência pública realizada ontem pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado.

Convocada com a aprovação de um requerimento do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), a audiência reuniu diversos representantes da comunidade de C&T, entre eles o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira; o diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Ronald Shellard, e o secretário-executivo do Fórum Nacional das Entidades Representativas das Carreiras de Ciência e Tecnologia, Ivanil Elisiário Barbosa.

Convidados, os ministros da Economia (ME), Paulo Guedes, e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes, não compareceram, mas mandaram representantes. O diretor do Departamento de Governança Institucional, Johnny Ferreira dos Santos, representou o MCTIC. O ME enviou a diretora substituta do Departamento de Provimento e Movimentação, Márcia Assis, e o chefe da Divisão de Concursos Públicos, Rafael Castro.

Segundo dados do Senado, as carreiras de ciência e tecnologia estão presentes em 21 órgãos e instituições do Poder Executivo. Só no MCTIC são 16 Unidades de Pesquisa (UP), nas quais um terço dos mais de quatro mil cargos está vago; dos que estão ativos, 60% estão ocupados por profissionais com mais de 50 anos de idade, próximos à aposentadoria, informou Johnny Ferreira dos Santos. “Precisamos recompor o quadro permanente, sob risco de sucateamento da infraestrutura de pesquisa e, consequentemente, perda da capacidade de geração de conhecimento e riqueza”, reconheceu o executivo do MICT.

O secretário-executivo do Fórum Nacional das Entidades Representativas das Carreiras de Ciência e Tecnologia, Ivanil Elisiário Barbosa, disse que a situação é de “caos”, não só pela perda de profissionais, mas também pela falta de uma estratégia governamental para a área. Dos 24.260 servidores das 23 entidades representadas pelo Fórum, menos da metade (47,5%) está na ativa – e a idade média deles é 51 anos.

Os servidores em questão são responsáveis por ações em áreas extremamente especializadas, como o Programa Espacial Brasileiro, a medicina nuclear e a indústria de defesa, por exemplo. Segundo o senador Lucas, essas carreiras perderam 75% dos quadros nos últimos 30 anos, especialmente por causa da evasão provocada por baixos salários. Atualmente, as perdas variam entre 10% e 12% ao ano, em razão de aposentadorias. Se nada for feito, alertou o senador, em cinco anos pode haver o desmonte de algumas instituições.

Centros de ponta como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o de Pesquisas da Amazônia (Inpa) vêm acusando a progressiva redução das equipes em relação ao que tinham duas décadas atrás. “Hoje, cada pesquisador que se aposenta fecha as portas de um laboratório”, comentou Barbosa, lembrando que a falta de pesquisadores compromete acordos assinados pelo Brasil com a comunidade científica internacional, como a participação na Estação Espacial Internacional.

“Frequentemente ouvimos que temos gente demais ou que estamos formando muita gente”, colocou o presidente da SBPC, Ildeu Moreira. Mas ele apresentou dados indicando que, com cerca de 800 pesquisadores por milhão de habitantes, o Brasil está abaixo de países do mesmo estágio de desenvolvimento como China, Argentina e Coreia do Sul e ainda mais distante dos mais desenvolvidos como Estados Unidos, Alemanha e Israel. Para ele, é fundamental que os cortes orçamentários drásticos que estamos sofrendo em ciência e tecnologia sejam revertidos e que o quadro grave de pessoal nas instituições de pesquisa seja enfrentado com rapidez. Falta também, acrescentou Moreira, um sistema de C&T que absorva adequadamente o pessoal formado.

Sair da crise e também competir em escala internacional vai exigir mais investimento em C&T, especialmente na formação de pessoal qualificado e a utilização deles no sistema público e na iniciativa privada, afirmou o presidente da SBPC. “É verdade que estamos vivendo uma crise econômica séria, mas é um tiro no pé tirar recursos da Ciência e Tecnologia neste momento”, disse Moreira.

“Estamos há muito tempo no modo sobrevivência”, acrescentou o físico Ronald Cintra Shellard, que representou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Ele destacou o baixo investimento do Brasil em C&T comparado ao PIB (1,1% contra 2,3% da China, 4% da Coreia do Sul) e criticou a falta de um programa consistente e sistemático para os institutos de pesquisa. “Os institutos foram sendo criados sem orientação”, disse Shellard.

“Toda a questão passa pelo cenário fiscal do País e as dificuldades financeiras”, afirmou Rafael Castro, do Ministério da Economia. Segundo ele, o governo já recebeu as demandas para recomposição do pessoal, mas o orçamento disponível “não atende nem a 10%” do necessário para essas contratações. Márcia Assis, também do ME, disse que o governo está aberto ao diálogo e que já manteve encontros sobre o tema com órgãos como o Ipea e a Capes. “Mas estamos sob um cenário restritivo para tudo o que é reforço a atividades institucionais”, acrescentou, referindo-se aos gastos com contratação.

Janes Rocha – Jornal da Ciência