Em 2024, a estruturação das políticas científicas brasileiras e as preocupações com os orçamentos destinados à Ciência, Tecnologia e Inovação foram os cernes das ações encabeçadas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Para a Diretoria da entidade, lutar pela Ciência é um desafio constante, principalmente em um cenário político no qual pensamentos econômicos defasados ainda são predominantes.
“O ano de 2024 não foi um ano fácil nem para a Ciência nem para o Brasil. Enfrentamos uma dificuldade extraordinária, que é a barreira que os setores mais conservadores fazem ao avanço da sociedade brasileira, ao progresso da Ciência. Barreiras que afetam mesmo as pautas sociais mais básicas, como o desenvolvimento da Educação, da Saúde, o respeito ao Meio Ambiente, a valorização da Cultura e todas as outras causas das quais a SBPC faz suas bandeiras”, pondera o presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro.
O filósofo e também professor da Universidade de São Paulo destacou as ações da semana acerca da Reforma Tributária, que vem atenuando desigualdades.
“A recente votação do ajuste fiscal apenas coroa um quadro bastante preocupante, que é o de termos um Congresso que, ao mesmo tempo, aprova uma barreira ao aumento real do salário-mínimo e preserva os supersalários de funcionários da União, servidores que recebem valores absolutamente injustificáveis, legal e eticamente.”
Para Janine Ribeiro, um dos maiores desafios é fazer com que o Brasil consiga construir políticas sociais robustas e que também enxergue, no desenho de suas políticas públicas, a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) como um dos pilares essenciais para o futuro do País.
“Nossa comunidade científica, representada pela SBPC e suas 162 sociedades científicas afiliadas, bem como pelos milhares de sócios que temos enquanto pessoas físicas, continua vigilante e continua a lutar. E defendendo as causas que são importantes para o futuro do País. É uma quantidade muito grande de questões que temos que enfrentar, mas não desanimamos e sabemos que a nossa luta é boa e justificada.”
O presidente da SBPC manifestou preocupação com a demora do poder Executivo em desenhar a estrutura da política científica para os próximos anos – com ênfase à próxima Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) e ao Plano Decenal de CT&I.
“Tudo isso já teria que estar sendo realizado, bem como a recomposição do orçamento necessário para as universidades federais e para as unidades de pesquisa, que continuam numa situação delicada.”
Ciência em seu processo político
As movimentações da entidade pelo desenho da política científica brasileira também é um destaque na visão da vice-presidente da entidade, Francilene Garcia, que destaca a realização da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI).
“A 5ª CNCTI reuniu pesquisadores, gestores e a sociedade civil em um amplo debate sobre os rumos da CT&I no país. A conferência resultou em propostas significativas para o fortalecimento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, já com importantes publicações à disposição da sociedade. A SBPC entende que a 5ª edição dessa Conferência, após 14 anos, trouxe importantes reflexões para a próxima ENCTI e para o Plano Decenal de CT&I, num cenário de retomada de investimentos em ciência, especialmente com o FNDCT (Fundo Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação) sem cortes ou contingenciamentos.”
Cabe destacar que no começo de dezembro, a comissão organizadora da 5ª CNCTI, da qual Garcia faz parte, lançou o Livro Lilás, obra que compilou os principais debates presentes nos três dias de conferência nacional, além de uma obra dedicada à participação social no evento – que atingiu recorde de público – e um acervo digital com todos os debates presentes. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação se comprometeu a lançar em fevereiro o Livro Violeta, com base em todos os materiais da 5ª Conferência, e que será a base direta para a próxima Estratégia Nacional de CT&I.
A promoção da igualdade no meio científico também foi uma pauta presente na atuação da SBPC, como destaca Garcia. Entre as principais ações está o Prêmio Carolina Bori Ciência& Mulher, que teve a sua edição “Mulheres na Ciência” premiando pesquisadoras consolidadas do País em fevereiro.
“Essa edição reafirmou o compromisso da SBPC com a valorização das mulheres na ciência, homenageando pesquisadoras de destaque. Também atuamos incentivando meninas cientistas com a publicação do edital da edição 2025, que premiará seis jovens talentos femininos.” A edição de 2025 teve recorde de inscrições e suas vencedoras serão anunciadas em janeiro.
Outro ponto presente foi a defesa à Democracia, ameaçada por um crescimento de uma frente política autoritária e conservadora.
“Em articulação com as sociedades científicas afiliadas e outras entidades da sociedade, a SBPC se posicionou firmemente contra os retrocessos institucionais, reafirmando a importância da democracia para, num contexto de desafios sociais e políticos, avançarmos com o progresso científico na construção de um País mais justo e inclusivo. As ações mobilizadoras reforçam que tentativas de golpe contra a ordem democrática devem ser punidas dentro do ambiente legal, como forma de proteger a integridade das instituições e a soberania popular”, complementa Garcia.
Para a secretária-geral da SBPC, Claudia Linhares Sales, a luta pela Democracia é, hoje, a luta mais importante para o País. Dada a sua importância, a SBPC estruturou um calendário robusto ao longo do ano, que pudesse trazer diferentes debates do que é ser e viver em uma nação democrática.
“Fizemos atividades nos 200 anos da 1ª Constituição Brasileira (em 25/03), nos 60 anos da ditadura (30/03), no dia 7 de setembro e, no dia 5 de outubro, em que é comemorado o Dia Nacional de Luta em Defesa da Democracia Brasileira. Nesse último, também mobilizamos muitas outras entidades e parlamentares.”
Garcia completa que a defesa da Democracia é também olhar para as políticas autoritárias que tentaram derrubar todo projeto de promoção do conhecimento no País.
“A SBPC esteve à frente de articulações políticas em defesa de recursos para o setor, lutando pela manutenção do FNDCT e pela ampliação do orçamento do MCTI, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Essas ações foram essenciais para garantir a continuidade de projetos estratégicos e a recuperação do setor, após quatro anos de uma gestão negacionista.”
Ciência para olhar o passado e garantir o futuro
A articulação da SBPC ocorre em diferentes frentes. No nível político direto, a entidade possui cadeiras em órgãos consultivos e decisórios da política científica nacional, como no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) e no Conselho Diretor do FNDCT. A entidade também possui uma assessoria parlamentar que acompanha as tramitações, principalmente orçamentárias, entre os poderes Executivo e Legislativo.
Mas há também uma de suas principais ações, pensada para o debate político e para a difusão da ciência à sociedade: a Reunião Anual, que é realizada ininterruptamente há 76 anos. Em 2024 e com o Brasil prestes a sediar a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), o tema não poderia ser outro: políticas ambientais.
“Tivemos a extraordinária 76ª Reunião Anual da SBPC, realizada na Universidade Federal do Pará, na qual o público de visitantes estimado pela universidade alcançou o número recorde de 60 mil pessoas”, destaca a secretária-geral da SBPC e coordenadora-geral do evento, Claudia Linhares Sales. “Trazendo como tema ‘Ciência para um futuro sustentável e inclusivo: por um novo contrato social com a natureza’, a Reunião Anual mobilizou toda a comunidade científica em torno de uma das maiores batalhas da SBPC ao longo de 2024: o meio ambiente.”
Sales também destacou outras ações dedicadas ao Meio Ambiente, como a criação de um Grupo de Trabalho dedicado a entender as inundações extremas no Rio Grande do Sul e o papel da Ciência na recuperação do estado. Há ainda a valorização de um dos grandes defensores da Amazônia, Ennio Candotti, falecido em 2023, que tem recebido homenagens ao longo de uma programação especial que seguirá em 2025.
A valorização da memória e de quem deixou seu legado à SBPC foram iniciativas importantes listadas por Sales.
“Destaco também as atividades que fizemos de grande impacto para celebrar os centenários de nascimento de nossos cientistas Aziz Ab’Sáber, Berta Ribeiro, Carolina Bori, Johanna Döbereiner e Cesar Lattes. A bela exposição Lattes-Döbereiner, inaugurada no Congresso Nacional, já viajou o Brasil e encontra-se agora no estado do Espírito Santo. Como parte das homenagens, publicamos três livros e participamos da organização de mais outros dois.”
Para a vice-presidente da SBPC, Francilene Garcia, a entidade tem empenhado esforços incansavelmente para cumprir o seu papel de difundir a Ciência socialmente e politicamente, mas os desafios continuam no próximo ano.
“A SBPC encerra 2024 reafirmando sua convicção de que a democracia é o fundamento indispensável para a construção de um Brasil que valorize o conhecimento, promova o desenvolvimento sustentável e assegure direitos a todos os cidadãos. Essa conexão entre ciência e democracia continuará guiando suas ações no futuro.”
Rafael Revadam – Jornal da Ciência