Medida para desbloquear R$ 4,1 bi da Ciência e Educação é prejudicada no Senado

Proposta contou com a articulação da SBPC e obteve apoio dos senadores, mas acabou sendo retirada para viabilizar votação da PEC que concede benefícios no estado de emergência pela crise dos combustíveis

Desde que o governo federal anunciou, em maio, a intenção de bloquear parte dos recursos orçamentários do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e do Ministério da Educação (MEC), entre outras pastas, a comunidade científica tem agido na tentativa de reverter os cortes. Além de denunciar os efeitos da restrição orçamentária, medidas foram tomadas para buscar a liberação dos recursos. A última estratégia teve como palco a votação das Propostas de Emenda Constitucional (PECs) capitaneadas pelo governo para permitir a concessão de benefícios sociais e transferência de recursos para os estados como forma de minimizar os impactos da crise dos preços dos combustíveis.

A proposta para liberar os recursos acabou sendo frustrada no Senado Federal, mas abriu a discussão entre os parlamentares sobre a necessidade de pagamento total do orçamento aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022. “Nós estamos cortando naquilo que deveria ser mais sagrado, que são os recursos para a Educação”, argumentou em Plenário o senador Marcelo Castro (MDB/PI), propositor da emenda, para autorizar o pagamento dos recursos da Ciência e da Educação. Mesmo tendo apoio de vários senadores, a emenda não foi aceita pelo relator Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE).

Ainda assim, o próprio MDB decidiu destacar a proposta para votá-la separadamente. No entanto, o destaque acabou sendo retirado depois de negociações entre governo e oposição para viabilizar a aprovação da PEC n° 1, de 2022, que institui o pacote de benefícios sociais especiais para compensar a alta dos combustíveis. A PEC n° 1 foi aprovada em dois turnos na noite de quinta-feira, 30, e segue para apreciação da Câmara dos Deputados.

A apresentação da emenda foi articulada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) junto ao gabinete do senador Marcelo Castro. A ideia surgiu em uma transmissão da SBPC na campanha “Não aos Cortes em Educação e Ciência”, com a presença de diversos ex-ministros brasileiros no dia 21 de junho. Na ocasião, o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda Nelson Barbosa sugeriu que o setor buscasse o desbloqueio dos recursos por meio de uma das PECs em tramitação no Congresso que permitisse o pagamento de despesas acima do Teto de Gatos Públicos.

Com isso, a SBPC intermediou a apresentação de uma emenda à PEC n° 16, de 2022, que autorizava o Poder Executivo a compensar os estados pela redução do ICMS no preço dos combustíveis sem descumprir o Teto dos Gastos. A emenda foi formalizada pelo senador Marcelo Castro e incluía no rol de autorização para ultrapassar o teto de gastos o pagamento de R$ 2,5 bilhões para o MCTI e de R$ 1,6 bilhão para o MEC, totalizando R$ 4,1 bilhões. Não se tratava de acréscimo, mas somente de uma garantia de que os recursos aprovados pelo Congresso Nacional na LOA 2022 seriam aportados na sua totalidade nas duas pastas estratégicas. “É só para repor o dinheiro que estava destinado neste ano para as universidades e para a Ciência e Tecnologia. Não estamos querendo nada de excepcional, nada de extravagante”, explicou o próprio senador no dia da votação da PEC.

Isso porque, em 6 de junho, o Ministério da Economia (ME) anunciou um novo bloqueio de recursos, elevando os cortes em CT&I, área mais prejudicada pela contenção de verbas, de R$ 1,8 bilhão para R$ 2,5 bilhões. A Educação foi a segunda pasta que mais perdeu recursos com a medida da equipe econômica. Os bloqueios – que permitem aos ministérios empenharem recursos, mas sem nenhuma garantia de pagamento, o que afeta o planejamento das pastas – tem impacto profundo no sistema de pesquisa científica do País. No caso do MCTI, a totalidade do bloqueio ocorrerá no Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de financiamento da ciência nacional. Com o bloqueio, 55% dos recursos do FNDCT aprovados na LOA 2022 estão indisponíveis para pagamento.

Segundo informações preliminares apresentadas a membros do Conselho Diretor do FNDCT, seis fundos setoriais estão sem nenhuma previsão orçamentária para atender ao bloqueio estabelecido pelo ME: CT-Mineral, CT-Transporte, CT-Biotecnologia, CT-Info, CT-Amazônia e CT-Aquaviário. Sendo mantida até o fim do ano, a contenção das verbas fará com que o Fundo tenha 44% menos recursos do que em 2021. A situação é ainda mais crítica quando se considera que 2022 é o primeiro ano de vigência plena da Lei Complementar n° 177, de 2021, criada para impedir contingenciamentos de qualquer natureza no FNDCT. O mecanismo do bloqueio burla a restrição legal ao permitir o empenho, mas conter o pagamento das despesas ligadas ao fundo.

Os cortes no MEC também são críticos, com impacto direto em CT&I. Isso porque as restrições afetam exclusivamente as despesas discricionárias da pasta – pagamento de salários e outros custos obrigatórios estão preservados –, recursos estes voltados justamente para financiar estruturas de pesquisa nas universidades. Segundo cálculos da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), os cortes terão um impacto linear de 3,2% em todas as universidades federais brasileiras.

Ainda que não tenha passado na tramitação, a emenda para liberação dos recursos recebeu grande apoio dos senadores. O texto teve 29 signatários e gerou mensagens de apoio inclusive de senadores diretamente ligados à base governista. Também mobilizou entidades do setor, entre elas a Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br). Além de Marco Castro, assinaram a emenda os senadores: Dário Berger (PSB/SC), Izalci Lucas (PSDB/DF), Zenaide Maia (PROS/RN), Rafael Tenório (MDB/AL), Alessandro Vieira (PSDB/SE), Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB), Mara Gabrilli (PSDB/SP), Jarbas Vasconcelos (MDB/PE), Fabiano Contarato (PT/ES), Eduardo Braga (MDB/AM), Jaques Wagner (PT/BA), Paulo Rocha (PT/PA), Rogério Carvalho (PT/SE), Paulo Paim (PT/RS), Humberto Costa (PT/PE), Jean Paul Prates (PT/RN), Rose de Freitas (MDB/ES), Flávio Arns (PODEMOS/PR), Leila Barros (PDT/DF), Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR), Randolfe Rodrigues (REDE/AP), Esperidião Amin (PP/SC), Romário (PL/RJ), Confúcio Moura (MDB/RO), Eliziane Gama (CIDADANIA/MA), Weverton (PDT/MA), Jorge Kajuru (PODEMOS/GO) e Simone Tebet (MDB/MS).

Mariana Mazza – Especial para o JC