Nilma Lino Gomes é a vencedora do 3º Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” na área de Humanidades

Professora titular e emérita da UFMG e ex-ministra, cientista é referência na pesquisa e na luta antirracista e pelas ações afirmativas. Cerimônia virtual de entrega do Prêmio ocorre no dia 11 de fevereiro

SBPC_Prêmio Ciência & Mulher_Nilma L Gomes_v2A vencedora na área de Humanidades do 3º Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher” é a professora titular e emérita da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A cientista é referência na pesquisa e na luta antirracista e pelas ações afirmativas.

cerimônia de entrega do Prêmio será virtual no dia 11 de fevereiro com transmissão pelo canal da SBPC no YouTube a partir das 10h30, no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência.

Professora desde os 17 anos, quando se formou no magistério no Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG), ela começa a dar aulas em uma creche comunitária na Vila São Vicente, na periferia de Belo Horizonte. Em 1984, passa em um concurso da prefeitura e se torna professora em uma escola pública do bairro Urca, região periférica da cidade. Em 1988, após se formar, passa a dar aulas simultaneamente em uma escola do ensino fundamental da rede privada.

Durante uma parte do curso de Pedagogia pede licença na prefeitura para se dedicar aos estudos como bolsista. Sendo assim, participou da primeira turma do Sistema de Bolsas de Estudo em Tempo Integral da FaE/UFMG, uma iniciativa pioneira à época, defendendo a monografia inédita sobre o histórico da supervisão escolar em Minas Gerais. Após esse período é selecionada como bolsista de pesquisa de um docente da pós-graduação em educação da FaE/UFMG.

“Ao me formar, volto a dar aulas e foi nesse período que a questão racial ficou mais forte na minha vida porque comecei a perceber a diferença dos meus alunos da escola pública com os da particular. Comecei a perceber contradições na minha própria prática, como valorizar o privado em detrimento do público, por exemplo. Quando me peguei fazendo isso – por ser muito reflexiva – vi que tinha conteúdos raciais. E eu, como professora negra, parei e pensei que tinha que tratar meus estudantes negros e brancos de forma democrática. Eu tinha uma preocupação maior com as crianças das escolas públicas que tinham menos condições de expandir suas experiências de vida”, afirma.

Essa percepção, salienta Gomes, deu forças para continuar estudando. Ao entrar para o mestrado, adota como questão e tema de pesquisa as professoras negras do ensino fundamental. A cientista explica que sua intenção era entender a relação entre a história de vida, a construção da identidade negra e o percurso profissional dessas docentes até a sala de aula. “Em geral, eram mulheres que estavam quebrando um ciclo de trabalho braçal, eram as primeiras da família a desempenharem uma atividade intelectual”, conta.

Durante o mestrado fundou, em1991, junto com um grupo de amigas o Grupo Interdisciplinar de Estudos Afro-brasileiros (GIEAB), direcionado somente com estudantes negros da graduação e pós da UFMG. “A ideia era que eles realizassem pesquisa sobre relações raciais nas suas áreas de atuação, pois naquele momento havia um desinteresse geral de docentes das áreas humanas e sociais de orientarem os estudantes que desejavam realizar pesquisas voltadas para a temática racial.  O GIEAB construiu uma articulação política com o movimento negro de Belo Horizonte e passou a realizar seminários, grupos de estudos, pesquisas tornando-se conhecido dentro e fora da universidade”, explica.

Em1994 defendeu sua dissertação “A trajetória escolar de professoras negras e a sua incidência na construção da identidade racial – um estudo de caso em uma escola municipal de Belo Horizonte”, que resultou em seu primeiro livro chamado “A mulher negra que vi de perto”.

Entre 1993 e 1996, ainda como docente da rede pública e particular, passa a integrar como formadora de professores do Centro Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação (Cape), da Secretaria Municipal de Belo Horizonte (SMED) e participa da implementação da proposta político pedagógica Escola Plural, responsável por uma reestruturação nas escolas públicas do município. “Era um projeto muito inovador, que rompia a lógica da seriação e trabalhava com ciclos, acabando com a reprovação. No projeto a gente trabalhava com o conhecimento dos sujeitos, entendia a escola como espaço sociocultural, destacava a pluralidade de conhecimentos e a diversidade cultural. Visávamos problematizar e enriquecer o currículo escolar e o diálogo com a comunidade” tendo como foco os estudantes e suas vivências”, explica.

No Cape funda o grupo Educação e Diversidade Étnico-Cultural (EDEC) junto com outras docentes. Segundo a pesquisadora, o grupo foi uma experiência pioneira na educação municipal e tornou-se o eixo estruturante da discussão sobre cultura, relações étnico-raciais, de gênero e diversidade da Escola Plural. Atualmente, esse trabalho está sob a responsabilidade do Núcleo de Relações Étnico-Raciais da SMED.

“Foi um período muito rico. Tanto que hoje somos muitos professores e professoras oriundos da rede municipal na Faculdade de Educação. Muitos fizeram concursos com uma concepção emancipatória de educação. Muitos aprenderam na Escola Plural a valorizar o conhecimento produzido pelas docentes e pelos docentes da rede municipal na sua formação, trajetória e experiência em sala de aula. Nós produzíamos nossos próprios documentos orientadores da Escola Plural. Era uma produção autônoma e uma experiência muito rica. Aprendemos a valorizar as estudantes na sua riqueza de conhecimentos, nos seus ciclos da vida e na sua formação humana”, ressalta.

Em 1995, ao terminar o mestrado, entra como professora assistente na UFMG. “Na época a instituição abriu espaço para profissionais com mestrado porque muitos docentes tinham se aposentado devido a reforma da previdência”, afirma.

“Além de trabalhar na pedagogia, levei a questão racial para o currículo, para a pesquisa e para a extensão, algo que não acontecia na FaE/UFMG. Tanto que, em 2002, junto com outros colegas da Faculdade de Educação, da Faculdade de Letras, do Centro Pedagógico e da Escola de Ciência da Informação, vencemos um edital nacional inédito do Programa Políticas da Cor, do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), com apoio da Fundação Ford. Com esse recurso, em 2002, fundamos o Programa de Ensino e Pesquisa e Extensão ‘Ações Afirmativas na UFMG’, do qual fui coordenadora de 2002 a 2013”, explica. Ela lembra que foi uma iniciativa muito importante “porque naquele momento a sociedade tensionada pelo movimento negro estava discutindo as ações afirmativas para a população negra e questão das cotas raciais nas universidades o que mobilizava acirrados debates e discussões. Ganhamos expressão nacional e internacional, construímos ações de pesquisa e extensão voltadas para estudantes negros e negras da universidade”.

A pesquisadora lembra ainda que realizou ações de permanência e fortalecimento acadêmico para os estudantes negros, algo que não existia à época. “Os vários projetos aprovados no Concurso Cor no Ensino Superior realizaram uma inflexão no debate sobre a questão racial nas universidades e contribuíram para, junto com o movimento negro, mobilizarem o MEC (Ministério da Educação), as universidades, a intelectualidade e o campo jurídico”, comenta.

Na opinião de Gomes, medidas como a inclusão obrigatória do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo escolar e a implementação da política de cotas raciais e sociais nas universidades e das cotas para negros em concursos públicos federais mudaram a situação de estudantes e egressos negros. “Sem dúvida as políticas públicas de ações afirmativas para a população negra, da última década, mudaram o lugar do negro no ensino superior e tem provocado mudanças na pós-graduação e na sociedade”, afirma.

Concluiu o doutorado em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP) em 2002. Sua tese foi sobre os salões de beleza voltados para o público afro. “Estudei a dinâmica de alguns salões afros de Belo Horizonte e descobri que não eram meros pontos comerciais, mas lugares de debate e militância. A questão do corpo é muito cara aos negros, porque são de um lado resumidos ao corpo, à força, à sexualidade, de outro, levados a não aceitar esse corpo, por meio de padrões de beleza eurocêntricos. Mas é também por meio do entendimento do corpo como construção social, cultural e política e não apenas como dado biológico que negras e negros entendem a importância do corpo e do cabelo na revalorização da nossa humanidade, na construção da identidade negra, como resistência e afirmação na luta antirracista”, diz. A tese resultou no livro ‘Corpo e cabelo como símbolos de construção da identidade negra’.

Entre os anos 2004 e 2006 presidiu a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), da qual é cofundadora. Em seguida, faz um pós-doutorado na Universidade de Coimbra, em Portugal, com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos. Ela também é pós-doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a supervisão da educadora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, concluído em 2018.

De 2010 a 2014, a cientista integra a Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), na qual foi relatora das diretrizes curriculares nacionais para educação escolar quilombola (2012).

A pesquisadora integrou o grupo de consultores do MEC na escrita do documento – base e final da Conferência Nacional de Educação Básica (CONEB, 2008) e das Conferências Nacionais de Educação (CONAE, 2010 e 2014), além de contribuir na elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE, Lei 13.005/14), sempre pontuando a questão da diversidade e da educação e relações étnico-raciais.

Em 2013, foi a primeira mulher negra a comandar uma universidade pública federal, ao ser nomeada reitora pro-tempore da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Dois anos depois, em 2015, foi ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (2015-2016).

Atualmente, entre tantos afazeres, integra o corpo docente permanente da pós-graduação em educação Conhecimento e Inclusão Social-FaE/UFMG e é coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação, Relações Étnico-raciais e Ações Afirmativas (NERA/CNPq).

Ao falar sobre o Prêmio Carolina Bori, a pesquisadora afirma que a premiação é um reconhecimento coletivo.  “Fiquei muito feliz com a premiação. Esse prêmio tem uma representação coletiva porque, para quem conhece minha história, sabe que sempre lutei por uma sociedade mais igualitária, mais justa, sem racismo, por mais diversidade e por uma educação pública, democrática, inclusiva, laica e antirracista. E como diz a música da cantora Nêssa, em parceria com o grupo de rap Família Tríplice, ‘eu não ando só’ e sei que não fiz nada sozinha. Não nego o meu protagonismo nessa trajetória, mas gostaria que outras pessoas que atuam nas lutas antirracistas, por direitos, democracia e igualdade, as quais sempre me dediquei, também se sentissem premiadas comigo. Principalmente na educação”, afirma.

O Prêmio

SBPC_Prêmio Ciência & Mulher_cerimônia virtual_v2Além da professora Nilma Lino Gomes, foram reconhecidas Gulnar Azevedo e Silva, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na área de Biológicas e Saúde, e Beatriz Leonor Silveira Barbuy, docente do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), na área de Engenharias, Exatas e Ciências da Terra.

Nesta edição, a SBPC recebeu indicações de 35 Sociedades Afiliadas à SBPC. Do total de indicadas, 11 foram na área de Humanidades, 11 na área de Biológicas e Saúde e 13 de Engenharias, Exatas e Ciência da Terra. Das 35 Sociedades Afiliadas que indicaram, 16 contam com presidentes mulheres.

Criado em 2019, o Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” é uma homenagem da SBPC às cientistas brasileiras destacadas e às futuras cientistas brasileiras de notório talento, que leva o nome de sua primeira presidente mulher, Carolina Martuscelli Bori. A SBPC — que já teve três mulheres presidentes e hoje conta com uma maioria feminina em sua diretoria — criou essa premiação por acreditar que homenagear as cientistas brasileiras e incentivar as meninas e mulheres a se interessarem por este universo é uma ação marcante de sua trajetória histórica, em que tantas mulheres foram protagonistas do trabalho e de anos de lutas e sucesso na maior sociedade científica do País e da América do Sul.

Jornal da Ciência