Recriar o Ministério da Cultura e as políticas de incentivo às artes são caminhos urgentes para um novo Brasil

No 11º seminário da série “Projeto para um Brasil Novo”, especialistas apresentam caminhos para a retomada cultural do País a partir de 2023

seminário cultura

Somente a reconstrução do Ministério da Cultura, extinto em 2019, e a reestruturação das políticas de desenvolvimento e acesso às artes poderão fazer o Brasil evoluir culturalmente. Este foi o diagnóstico dado no 11º seminário da série “Projeto para um Brasil Novo”, uma iniciativa da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) que visa pensar os caminhos para o desenvolvimento do País a partir do novo Governo Federal que chegará em 2023.

Realizado na última quarta-feira (15/06), a discussão sobre Cultura foi coordenada pelo presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, e contou com as participações de Ana de Hollanda, cantora, compositora e ex-ministra da Cultura; Danilo Miranda, diretor regional do Sesc em São Paulo; Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura; e Paulo Linhares, criador do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e professor do Instituto de Cultura e Artes da Universidade Federal do Ceará (UFC). O evento foi transmitido pelo canal da SBPC no YouTube.

Iniciando o debate, a cantora, compositora e ex-ministra da Cultura, Ana de Hollanda, defendeu que é necessário um olhar à cultura para além dos conceitos eruditos, cabendo ao futuro novo governo respeitar todas as culturas, principalmente a popular.

“Hoje, a gente tem que pensar a cultura onde tudo é permitido, tudo que é criativo, tudo que nasça pensando no novo. Para isso, vamos ter que destruir a censura em que estamos convivendo, o dirigismo desse governo, que é aquele que diz o que deve o que não deve. Porque não tem ‘deve ou não deve’, a cultura não tem compromisso nem com a verdade. A ciência é que tem compromisso com a verdade, a cultura não. Essa é a liberdade da cultura, a liberdade que esse Governo nunca suportou”, pontuou.

Também ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira complementou o discurso de Hollanda ao apontar que existe uma frente política que age defendendo diretamente a censura à área cultural, o que não pode ser permitido, e que cabe ao novo Governo que ingressar no próximo ano a responsabilidade de enfrentar as mazelas históricas do País, como a escravidão, a violência contra os indígenas e os povos ribeirinhos e o desnível social, para assim remodelar as políticas federais.

“A gente não pode começar da estaca zero, isso é uma ilusão. Eu tenho muito contato com a Argentina, se você entrar em um boteco lá, pedir um café e perguntar à pessoa que está ali servindo quem foi Héctor Cámpora, Juan Domingo Perón ou Evita, ou qualquer outro representante político, você vai encontrar explicações diferentes, mas todo mundo sabe quem são. Eles têm a capacidade de manter a história viva independentemente dos governos. Porque a memória histórica é viva, faz parte do cotidiano das pessoas e ajuda a reconstruir o país politicamente.”

Ferreira apontou que cabe ao Brasil reconhecer as suas tarefas no campo cultural. “O Estado tem uma responsabilidade intransferível, que não compete com a responsabilidade da área privada e nem com a importância decisiva da sociedade organizada. Essa tarefa do Estado é muito específica: criar o melhor ambiente possível para o desenvolvimento cultural. Isso se faz por meio de uma política de fomento poderosa, de incentivo e financiamento, também se faz por meio de uma regulação democrática, para impedir distorções de todas as áreas, como monopólios e desequilíbrios regionais, e para apoiar as iniciativas da sociedade, no sentido de garantir desenvolvimento e acesso.”

Reconstrução do Ministério da Cultura é o primeiro passo

Criador do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e professor do Instituto de Cultura e Artes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Paulo Linhares apontou que o Brasil é um dos países mais desiguais em capital cultural – a capacidade das pessoas de processar e dar sentido ao conhecimento. Nesse panorama, é urgente a reconstrução do Ministério da Cultura e das políticas que estavam sob sua responsabilidade.

“O primeiro aspecto dessa reconstrução do Ministério da Cultura é a gente pensar no sistema federal de financiamento à cultura, porque as bases da lei que operam esse sistema foram feitas há muito tempo. Precisamos pensar o sistema de financiamento, de maneira que ele seja claramente destinado a uma população que não tenha possibilidade de acesso a esse conhecimento, ou seja, um sistema de financiamento no qual a capacidade dos fundos de cultura ou dos investimentos em cultura seja claramente destinada à população mais vulnerável”, destacou.

Diretor regional do Sesc em São Paulo, Danilo Miranda reforçou o argumento sobre a recriação do Ministério da Cultura, de preferência com um orçamento fixo de 1% do PIB, o que é recomendado pela Unesco. Miranda defendeu que é necessário aos governantes visualizarem a importância do papel público na cultura do País.

“Uma ação cultural pública, proveniente das entidades públicas, é modeladora, é uma ação que tem repercussão em todas as suas dimensões, porque ela abrange todos os setores possíveis da vida humana. Ela tem um compromisso com Educação, com Ciência e Tecnologia, Saúde, Justiça, Desenvolvimento, Economia, enfim, com tudo que se estabelece valor. Em tudo o que se discute ideias, a cultura está presente”, concluiu.

Seminários visam o comprometimento de políticos

Criada pela SBPC, a série “Projeto para um Brasil Novo” tem como objetivo formular um documento com compromissos que devem ser firmados por políticos em prol do desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação no País. É o que explicou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro:

“Nossas finalidades são duas. Uma mais direta, é termos um conjunto de questões a colocar aos candidatos à Presidência da República, aos Governos Estaduais e ao Congresso, levando a eles as questões principais relativas à reconstrução do País. Já a segunda intenção é termos condições de propormos projetos para o Brasil. Está se tornando prioritário que os setores voltados à ciência tenham a sua fala decisiva no desenvolvimento econômico social. Hoje, internacionalmente, a ciência é considerada como o fator isolado mais significativo e importante na construção de um país novo. Nós vivemos nesses últimos anos dificuldades muito grandes no País e está na hora de revertermos essa questão.”

O último assunto a ser abordado na série de debates será a “Questão indígena”. O primeiro seminário refletiu sobre “Ciência, Tecnologia e Inovação”, o segundo “Educação básica”, o terceiro, “Educação superior”, o quarto, “Pós-graduação”; o quinto tratou do tema “Saúde”, o sexto trouxe apontamentos acerca do “Meio Ambiente”, o sétimo sobre “Direitos Humanos”, o oitavo sobre “Segurança Pública“, o nono acerca da “Diversidade de gênero e raça” e o décimo refletiu as “Mudanças climáticas”.

Confira aqui o último seminário realizado, sobre Cultura.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência