Resgate da história do Eclipse de Sobral desperta interesse da comunidade local por Einstein

Bate-papo sobre a história do episódio que comprovou a Teoria da Relatividade de Einstein aguçou a curiosidade dos participantes da Reunião Regional da SBPC em Sobral para conhecer mais sobre a vida do cientista alemão

dsc_0794-npara-siteA cidade de Sobral foi palco de um momento muito importante da história da ciência moderna. Foi lá que, em 29 de maio de 1919, foram feitas as observações de um eclipse total do sol que foram decisivas para comprovar a Teoria da Relatividade, do físico alemão Albert Einstein. Até aquele momento, o cientista era conhecido apenas entre seus colegas. Foi graças ao céu de Sobral que Einstein despontou como o maior gênio do século XX. E o resgate dessa história durante a Reunião Regional que a SBPC realizou na cidade, na última semana, entre os dias 27 e 30 de março, aguçou a curiosidade dos participantes sobre o físico alemão e sua teoria.

Em bate-papo realizado no último dia do evento, com o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, e o diretor do Planetário de Sobral, Emerson Ferreira de Almeida, estudantes, professores e membros da comunidade sobralense aproveitaram a oportunidade para fazer perguntas e conhecer melhor sobre a relação de Einstein com o município cearense.

Quando abriram para perguntas, muitas pessoas falaram que não conheciam o fato e ficaram felizes de conhecerem uma parte importante da história do município. A professora e historiadora Renata Silva foi uma das participantes que parabenizou o evento por trazer a história da cidade para a comunidade. “Muitas pessoas desconhecem esse episódio. Nossos alunos veem as movimentações na cidade, as notícias das comemorações do centenário, mas desconhecem o fato”, disse ao sugerir a leitura do livro ‘Cassacos’, cujo autor Cordeiro de Andrade é sobralense. “Esta obra foi lançada em 1934 e relata a história de Sobral naquele ano de 1919, que foi um período de seca, e reserva um capítulo sobre a passagem da expedição.”

Questionado sobre o que levou Einstein a criar a Teoria da Relatividade, Almeida explicou que no final do século XIX havia um grande desafio na física que era o de unir a Teoria da Mecânica com a Teoria do eletromagnetismo e Einstein achou a solução no que conhecemos hoje como Teoria da Relatividade Restrita, que foi publicada em 1905. Einstein, inclusive, preferia chamá-la de “Teoria da invariância”, por considerar nela invariante a velocidade da luz. “É preciso lembrar que um dos objetivos da física é descobrir por que as coisas se movem”, explicou o professor de Física na Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará.

A relação da teoria do Einstein que culminou na construção da bomba atômica também foi abordada pela plateia. O presidente da SBPC contou que, em 1905, quando o físico deduziu que a massa, poderia se transformar em uma quantidade gigantesca de energia, simbolizada pela fórmula ‘E = mc²’, ele não tinha ideia do uso que poderia ser feito dessa teoria. “Ele coloca aquilo como hipótese, e 30 anos depois, começaram a ser pensados reatores nucleares, com o propósito de gerar energia pela transformação da matéria. E depois veio a bomba atômica que fez isto de forma catastrófica”, conta Moreira. Em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, exterminando mais de 120 mil pessoas em questão de segundos. “Por isso temos sempre de discutir os aspectos éticos da ciência e de seus usos. Tanto, que isso se tornou uma grande preocupação de Einstein”, afirmou.

Com a Teoria da Relatividade Geral, Albert Einstein se tornou o físico mais influente do século XX. Segundo Moreira, ao ser questionado sobre seu sucesso, Einstein disse que se ele teve êxito como cientista, era porque havia permanecido criança a vida inteira. “Einstein era muito crítico da escola que mata a criatividade. Tanto que ele abandonou o ensino médio na Alemanha porque, para ele, era uma educação repressiva, impositiva. Então ele foi para a Itália e, depois, para a Suíça, onde se graduou. Para ele, o mais importante era a curiosidade. Ele acreditava que métodos de ensino mal aplicados podem matar a curiosidade de uma criança”, disse.

Professor há 42 anos, o presidente da SBPC também acredita no importante papel dos professores de nutrir a curiosidade nata das crianças, e usá-la como instrumento de aprendizagem nas atividades em sala de aula. “Cada jovem tem uma capacidade de criação. E a gente não pode dizer a um aluno, ou imaginar, que ele não é capaz. Esse julgamento é muito ruim. Temos de estimular sempre a capacidade do jovem”, afirmou.

História

8O bate-papo começou logo após as apresentações de Moreira e Almeida, que contaram um pouco sobre a história do Eclipse de Sobral, pontuando algumas curiosidades.

No ano de 1911, Albert Einstein previu que a luz se desviava ao passar próxima de um corpo celeste com massa grande. Quatro anos depois, em 1915, fez o cálculo desta deflexão de acordo com sua nova Teoria da Relatividade Geral. Essa curvatura poderia ser observada com um eclipse total do Sol, quando seria possível verificar o ângulo de deflexão da luz das estrelas que passasse nas vizinhanças do astro.

O presidente da SBPC lembrou que antes da equipe que viajou a Sobral ter êxito na observação do eclipse, uma  equipe argentina já havia tentado, sem sucesso, fazer uma observação em 1912 na cidade de Cristina (MG), em Minas Gerais. “Na época choveu muito, e o céu ficou totalmente encoberto”, disse.

Em 1919, os ingleses organizaram duas expedições para observar o fenômeno: uma dirigida por Arthur Eddington para a ilha do Príncipe, e outra para o Brasil, em Sobral, coordenada por Charles Davidson e Andrew Crommelin. A observação do eclipse, em Sobral, foi feita com instrumentos astronômicos de primeira qualidade para a época. No momento em que a lua cobriu o Sol, várias chapas fotográficas, de câmeras acopladas a telescópios, foram tiradas em sucessão, para registrar a posição das estrelas que estivessem próximas à borda do Sol. Sete fotos muito boas, com sete estrelas cada, foram feitas pelos britânicos. Uma comissão brasileira, liderada pelo físico Henrique Morize, fez observações da corona solar, enquanto que os norte-americanos Daniel Wise e Andrew Thompson fizeram medidas do magnetismo terrestre e de eletricidade atmosférica. A equipe de Eddington não teve o mesmo o sucesso, pois o mau tempo na Ilha do Príncipe não deu trégua, e as fotos que foram tiradas não ficaram boas. Só duas delas, e não muito boas, puderam ser usadas de fato.

Um fato curioso é que por pouco a expedição de Sobral não ocorreu por falta de verba pública do governo brasileiro, contou Moreira. “A burocracia do Brasil quase impediu o experimento porque a verba, que havia sido aprovada quase um ano antes, não era liberada”, disse Moreira.

A ideia de observar o eclipse em Sobral foi do diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, Henrique Morize, um ano antes. “Morize conheceu a cidade assim que entrou no Observatório. Em 1916, quando ele voltou à cidade para fazer a renovação da estação meteorológica, renovar seus contatos, viu como a comunidade tinha se desenvolvido, já que existia uma via férrea, telégrafo, local de hospedagem. Esses fatores logísticos, mais a previsão do eclipse em 1918, fez ele criar uma equipe e convidar cientistas a participarem da expedição. Ele agilizou tudo, conversou com as pessoas na cidade, fez vários acertos, inclusive para o despacho dos equipamentos que entraram no país sem burocracia. Toda a logística brasileira foi de Morize”, explicou o diretor do Planetário de Sobral.

Almeida disse que na época chovia pouco na região e quando isso acontecia, era sempre na parte da tarde. E como o eclipse iria acontecer por volta das 9h da manhã, as expectativas eram boas. Mas, naquele 29 de maio de 1919, o dia amanheceu nublado e chuviscando. “Minutos antes do eclipse, abriu-se um buraco entre as nuvens, mas para a sorte da equipe, essa pequena dispersão das nuvens foi suficiente para observar o eclipse do sol e fazer os registros.”

A conclusão, após meses de análises dos dados colhidos, foi a de que os cálculos de Einstein estavam corretos. O anúncio foi feito em 6 de novembro de 1919, em Londres e, no dia seguinte, a notícia era manchete dos principais jornais do mundo. A teoria de Einstein havia superado a de Isaac Newton. “Até então Einstein não era conhecido. As fotos de Sobral foram decisivas para confirmar a Teoria de Einstein e para colocar a cidade no mapa do cenário científico”, concluiu o presidente da SBPC.

Em alusão aos experimentos que ajudaram na comprovação da teoria da relatividade, Sobral inaugurará nos próximos meses uma estátua do físico Albert Einstein.

Vivian Costa – Jornal da Ciência