SBPC alerta que alterações de Secretarias colocam em risco sustentabilidade do Estado de São Paulo

Em carta enviada nesta quarta-feira, 24 de maio, a todos os deputados da Alesp, a SBPC manifestou preocupação com mudanças realizadas na Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) e na Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado

Leia abaixo a carta na íntegra:

As alterações da SAA e SIMA e os perigos para a sustentabilidade ambiental e socioeconômica do estado de São Paulo

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem por meio deste documento externar suas preocupações sobre as alterações realizadas na Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) e na Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado de São Paulo, baseado nos seguintes argumentos:

– O Decreto n. 64.132 de 11/03/2019 que levou à fusão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA) com as Secretarias de Saneamento e Recursos Hídricos e de Energia e Mineração, agora denominada Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), e as reestruturações que ocorreram com essa fusão (Decreto n. 64.131 de 11/03/2019 e  Resolução Conjunta SAA/SIMA n. 01 de 12/03/2019) prenunciam uma perigosa trajetória, que afasta o estado de São Paulo do caminho da sustentabilidade ambiental e socioeconômica. Vários são os sinais de que estamos nos desviando de um caminho desejado de desenvolvimento sustentável, dos quais destacamos três pontos principais abaixo.

A- Houve um enfraquecimento da estrutura de planejamento e conservação da biodiversidade – a Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais da antiga SMA foi pulverizada, com parte de sua equipe técnica lotada na SIMA e parte transferida para a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA). Agora, a atuação da SIMA em relação ao uso sustentável e à conservação da biodiversidade ficou limitada apenas às Unidades de Conservação (de proteção integral e de uso sustentável) e suas zonas de amortecimento, nas áreas de povos e comunidades tradicionais e nas áreas objeto de licenciamento ambiental, excluindo dessa responsabilidade da SIMA uma enorme extensão territorial que inclui os fragmentos naturais dentro da propriedade privada paulista. Esse desacoplamento da gestão territorial em áreas protegidas e fora delas pode trazer amplos prejuízos à conservação da biodiversidade e também à produção agrícola, uma vez que UCs e as propriedades privadas interagem fortemente, e uma má gestão em áreas rurais, incluindo os fragmentos naturais, afeta as áreas protegidas, e vice-versa. Ademais, ao dividir a equipe envolvida na elaboração de políticas públicas voltadas para a conservação da biodiversidade paulista em duas secretarias, o Estado enfraquece também outras políticas públicas da SIMA que interferem diretamente na produção agrícola, como a de prevenção/controle de espécies exóticas invasoras que trazem fortes prejuízos à agricultura (ex. javaporco, lebrão, pomba, etc), a de desenvolvimento rural sustentável (PDRS), a de transição agroecológica e várias outras. Neste sentido, em vez de economizar recursos com pessoal e o enxugamento do aparelho estatal, estaria criando uma sobreposição desnecessária, reduzindo a eficiência e eficácia do esforço conservacionista e consequentes serviços ambientais prestados à população do estado.

B- As mudanças levarão a um desmantelamento da estrutura de assistência rural do Estado– a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) passou a ser denominada Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS/SAA: Decreto n. 64.131 de 11/03/2019). Ao alterar o nome da CATI para CDRS, foi destruída uma marca respeitada e reconhecida no meio rural há mais de 50 anos de excelência em assistência técnica e extensão rural. Anuncia-se, ainda, a redução do número de regionais da antiga CATI e a transferência das Casas de Agricultura para os municípios, afetando o atendimento a milhares de pequenos e médios produtores rurais, com redução da assistência técnica e extensão rural. A Fundação ITESP, que atende aos agricultores dos assentamentos rurais, também receia o encerramento das atividades de parte de seus escritórios regionais (Andradina, Promissão e Martinópolis). Esses movimentos do governo estadual demonstram claramente que estão sendo desmanteladas as responsabilidades essenciais que a SAA deveria fazer na propriedade rural, como garantir boa extensão agrícola, melhoria da produtividade e, assim, induzir a sustentabilidade econômica dos proprietários rurais. A SAA também pretende extinguir o Instituto de Pesca, integrando-o ao Instituto de Zootecnia, o que reflete o baixo interesse em pesquisas aplicadas ao atendimento dos produtores rurais nesses setores. Esse conjunto de reestruturações aponta claramente para uma desvalorização e rebaixamento da assistência técnica e da extensão rural do estado.

C- A nova estrutura enfraquece fortemente a política de implementação do Código Florestal no estado de São Paulo – a Resolução Conjunta SAA/SIMA n. 01 de 12/03/2019 atribui à SAA a função de planejar, analisar, coordenar e monitorar a implantação e aplicação das normas contidas na Lei Federal de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651), comumente chamada de “Novo Código Florestal”, o que inclui o cumprimento das regulamentações do Cadastro Ambiental Rural, do Programa de Regularização Ambiental e do Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas e Alteradas.  Ou seja, o governo estadual passou toda a responsabilidade de implantar e monitorar o cumprimento da lei ambiental brasileira nas propriedades rurais de São Paulo para a SAA, que infelizmente não tem competência para tanto, competência essa já estabelecida na SIMA. Há, assim, uma explícita incoerência, pois a Secretaria de Agricultura deveria estar focada no desenvolvimento e implantação de boas políticas agrícolas, deixando para a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente a responsabilidade de gerar regulamentação sobre as questões ambientais na propriedade rural, para a qual criou e consolidou competência técnica e de gestão ao longo das últimas décadas, como o Programa SARE (Sistema de Apoio à Restauração Ecológica) e várias resoluções legais e manuais de monitoramento de áreas em restauração, de exploração de Reserva Legal, etc. Ademais, essa nova divisão de atribuições gera conflitos éticos e de interesse, pois a regulamentação, implantação e até o monitoramento do processo de regularização ambiental das propriedades rurais estariam sob a responsabilidade do órgão que historicamente deveria ter evitado a geração dessas irregularidades ambientais nas propriedades rurais paulistas, com o desenvolvimento e estímulo à adoção de boas práticas agropecuárias e políticas públicas. Infelizmente, a transferência de parte importante da SIMA para a SAA foi executada sem diálogo com os principais agentes envolvidos no processo, incluindo os proprietários rurais, que defendem a sustentabilidade ambiental, econômica e social de sua atividade de produção. Qualquer atividade, inclusive a agrícola, necessita ser regulamentada, fiscalizada e monitorada por agentes externos, que além de garantir a lisura do processo, apontem falhas e/ou melhorias não identificadas, dos quais os interesses diretos podem beneficiar.

Cabe destacar que o Governo do Estado de São Paulo reconhece como responsabilidade conjunta das duas Secretarias (SIMA e SAA) muitos programas ambientais voltados para a regularização da propriedade rural (Resolução Conjunta SAA/SIMA n. 01 de 12/03/2019). Questiona-se, então, por que a implementação do Código Florestal no Estado de São Paulo não poderia continuar sendo elaborada, regulamentada e monitorada numa ação conjunta e organizada entre as duas Secretarias, como já vinha sendo feito? De fato, a produção rural e a conservação ambiental são interdependentes, e o desenvolvimento sustentável na zona rural resulta da atuação conjunta entre SIMA e SAA, mas é preciso que as atribuições, vocações e missões de cada uma sejam respeitadas. O Decreto nº 64.131 e a resultante reestruturação da SIMA e SAA não apontam para esse caminho de maior equilíbrio e harmonia na atuação dessas duas Secretarias, pondo em risco a sustentabilidade ambiental e socioeconômica do Estado de São Paulo.

ILDEU DE CASTRO MOREIRA

Presidente da SBPC

e Membros do Grupo de Trabalho da SBPC sobre o Código Florestal

 

Jornal da Ciência