SBPC lamenta a morte de Elisaldo Carlini

Professor emérito da Unifesp e reconhecido pela sua contribuição à Farmacologia com pesquisas sobre o uso medicinal da maconha, Carlini era sócio da SBPC desde 1961

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A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) expressa profundo pesar pelo falecimento do médico, pesquisador e professor Elisaldo Luiz de Araújo Carlini ocorrido nessa quarta-feira, 16 de setembro. O professor Carlini teve uma atuação marcante na SBPC, tendo se associado em 1961, ainda como graduando em Medicina. Ele foi um dos homenageados na 70ª edição da Reunião Anual da SBPC, realizada em 2018, em Maceió, Alagoas.

Apesar de seu estado já debilitado, fez questão de comparecer ao evento, subir ao palco e declarar seu encantamento pela SBPC, desde sua Iniciação Científica. Ressaltou que sua presença assídua nas reuniões e atividades da SBPC se devia por querer contribuir e servir “à entidade que verdadeiramente está interessada em ver um país diferente.”  Ao receber a homenagem, Carlini mostrou toda sua vitalidade e entusiasmo ao declarar, sob efusivos aplausos da plateia: “Estou chegando aos 90, mas eu quero continuar. As pernas me doem, mas o coração me encanta. Eu não quero descansar.”

Professor emérito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Carlini é reconhecido pela sua contribuição à Farmacologia, com pesquisas sobre o uso medicinal da maconha e foi o primeiro representante da SBPC no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).

Graduado em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (1957) e mestre em Psicofarmacologia pela Yale University (1962), Carlini fundou o Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid). Condecorado duas vezes pela Presidência da República por seu trabalho como pesquisador, foi presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e membro do Conselho Econômico Social das Nações Unidas (ECOSOC/ONU).

Nos anos 1970, desenvolveu pesquisas pioneiras que caracterizaram a ação anticonvulsivante da maconha, que apenas nos últimos anos começou a ser amplamente reconhecida no Brasil. Suas descobertas permitiram a formulação de medicamentos eficazes para tratar doenças como epilepsia e esclerose múltipla, hoje utilizados em diversos países. Dedicou mais de seis décadas de sua vida à ciência e contabilizou mais de 12 mil citações de seus trabalhos em artigos científicos de todo o mundo.

O neurocientista e diretor da SBPC, Sidarta Ribeiro, lamentou profundamente a morte de Carlini e afirmou que seu legado não será em vão. “Não só o Brasil, mas a ciência mundial deve muito a ele. Talvez tenha morrido hoje a nossa melhor esperança de um Prêmio Nobel nas áreas de biomédicas pelo trabalho que ele desenvolveu com o professor Raphael Mechoulan, de Israel. Nós temos que celebrar o legado do mestre Carlini e compreender que esse legado não pode ser em vão”, disse.

A presidente de honra da SBPC, Helena Nader, ressaltou que Carlini foi o responsável pela criação da psicofarmacologia no Brasil. “Ele foi pioneiro nas pesquisas no País e no mundo em plantas medicinais. Ele foi também pioneiro demonstrando os componentes da maconha e mostrando seu potencial terapêutico para várias doenças, tanto que o primeiro trabalho nessa área foi dele”, ressaltou. Nader, que é também professora da Unifesp, afirmou que o colega fará muita falta, não só pela qualidade da ciência que fazia, mas por seu legado. “Ele era um grande combatente pelos direitos humanos e para tornar o País em uma grande nação científica educacional, com ética e justiça social. Ele foi e continuará sendo uma referência para todos nós.”

Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia e presidente de honra da SBPC, também destaca que a trajetória de Carlini, como intelectual, cientista e militante pela legalização da maconha medicinal e pelo avanço da ciência no Brasil, será lembrada por muitos e permanecerá viva na futura geração de cientistas. “Carlini travou batalhas que hoje são caras por causa dos incendiários que temos em nosso governo. Ele, juntamente a outros cientistas, ajudou a construir um país com justiça social. Ele foi um homem-bússola. Nos orientou a encontrar caminhos civilizados para a construção de nossa sociedade e combater os desmandos de governo dos dias de hoje. Mas isso não nos amedronta, porque suas contribuições transcenderão e seu legado será igual a sementes, que brotarão nos jovens”, disse.

Em fevereiro de 2018, Carlini foi chamado para depor na polícia para prestar depoimento sob a alegação de fazer apologia ao uso de drogas. O ato provocou indignação em toda a comunidade científica e acadêmica, que prontamente saiu em protesto e em defesa do pesquisador. A SBPC, com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), divulgou na ocasião um manifesto público repudiando com veemência o fato de o renomado professor ser alvo de inquérito policial por organizar um simpósio sobre o uso terapêutico da maconha, em maio de 2017. Após a publicação, o documento recebeu o apoio de mais de 50 sociedades científicas de todo o Brasil, e diversos professores, pesquisadores, personalidades políticas e estudantes enviaram solicitações para também assinar a manifestação. Diante dos pedidos, a SBPC lançou uma petição pública online, chamada “Somos Todos Carlini” que em menos de dez dias recebeu mais de 30 mil assinaturas.

A SBPC se solidariza aos amigos, familiares e entes queridos de Carlini nesse momento de tristeza. “É uma grande perda para o País e para a Ciência. Ressaltamos seu importante papel e marcante atuação em nossa SBPC. Seus feitos estão guardados e sempre serão lembrados na nossa instituição”, declara a entidade.

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