SBPC pede que STF “descarte definitivamente” Marco Temporal

m carta encaminhada a todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, a SBPC reitera posicionamento de que “os processos de identificação e de demarcação das terras indígenas sejam realizados de acordo com o que está propugnado na Constituição Federal de 1988 – em vigor – rejeitando-se, definitivamente, a tese do Marco Temporal e as 19 condicionantes adotadas no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol”

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou nessa terça-feira, 6 de junho, uma carta a todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando que a tese do marco temporal e as 19 condicionantes adotadas no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol sejam definitivamente descartadas – “uma verdadeira novela de mau gosto”, como definiu a SBPC.

Está na pauta da Corte decidir nesta quarta-feira (7) sobre a validade da tese de que as populações indígenas só podem reivindicar as terras que ocupavam até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Segundo a carta da SBPC ao STF, a tese do marco temporal afronta os direitos fundamentais dos povos indígenas assegurados na Carta Magna e, também, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Ela viola diretamente a afirmação constitucional de que os indígenas têm direito a suas terras tradicionais, o que obviamente, num texto de 1988, não pode significar as terras que naquela data fossem por eles ocupadas: tradição é passado. Jamais poderia ser o presente. Obviamente, se o constituinte quisesse apenas reconhecer aos indígenas as terras por eles ocupadas naquela época, teria adotado outra formulação”, pontua a entidade.

Leia o documento na íntegra:

Ref.: Julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365

A SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA (SBPC), entidade civil, sem fins lucrativos ou posição político-partidária, voltada para a defesa do avanço científico, e tecnológico, e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil, vem, ouvido o seu Grupo de Trabalho (GT) Meio Ambiente, coordenado pela profa. Luciana Barbosa, expressar profunda preocupação com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1017365, de interesse dos Xokleng e as 19 condicionantes adotadas no julgamento da ação popular contra a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol – Petição 3388. Esta preocupação se avoluma frente ao  voto do Ministro Nunes Marques, que, divergindo do voto do Relator, Ministro Edson Fachin, pretende que o STF adote como tese de repercussão geral o assim-chamado “marco temporal”, e frente ainda às recentes movimentações do projeto de Lei (PL) 490/2007 no Congresso Nacional , que nos trazem intensa preocupação, especialmente por seu teor belicoso e, por vezes, preconceituoso ante os povos indígenas e as parlamentares indígenas, democraticamente eleitas e empossadas.

A SBPC considera essencial reiterar seu pronunciamento conjunto com a ABA, ABC, ABCP, ANPOCS e SBS, para demandar que os processos de identificação e de demarcação das terras indígenas sejam realizados de acordo com o que está propugnado na Constituição Federal de 1988 – em vigor – rejeitando-se, definitivamente, a tese do marco temporal e as 19 condicionantes adotadas no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Isso porque a tese do marco temporal afronta os direitos fundamentais dos povos indígenas assegurados na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT. Ela viola diretamente a afirmação constitucional de que os indígenas têm direito a suas terras tradicionais, o que obviamente, num texto de 1988, não pode significar as terras que naquela data fossem por eles ocupadas: tradição é passado. Jamais poderia ser o presente. Obviamente, se o constituinte quisesse apenas reconhecer aos indígenas as terras por eles ocupadas naquela época, teria adotado outra formulação.

Além disso, comprometerá a preservação dos ambientes naturais por eles protegidos em suas terras,  contrariando os compromissos assumidos pelo país na assinatura do Acordo de Paris e do Protocolo de Kyoto, uma vez que favorecerá a devastação e o esgotamento das terras. Historicamente, as terras indígenas são sumidouros de carbono, áreas de proteção efetiva da biodiversidade e de manutenção de processos e serviços ecossistêmicos, como já comprovado pela ciência, sendo um compromisso da sociedade protegê-las e resguardá-las.

Sobre o tema, a SBPC publicou pronunciamento em conjunto com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), e a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), que segue em anexo e pode ser acessada no link: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/entidades-se-pronunciam-sobre-tese-do-marco-temporal/.

Por estas razões, Excelentíssima Ministra, pedimos que se ponha termo a essa que constitui uma verdadeira novela de mau gosto, vez que frontalmente contraria a Carta Magna e se arrasta há anos, aguardando que o foro adequado para defender a Constituição, que é nosso Supremo Tribunal Federal, descarte definitivamente esse ataque aos nossos povos originários.

Com votos de elevada estima e consideração.

São Paulo, 06 de junho de 2023.

Diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Veja a nota em PDF.

Jornal da Ciência