Seminário mapeia riscos para o avanço de CT&I no Brasil

Falta da regulamentação do Marco Legal, inexistência de políticas estratégicas e desafios orçamentários são alguns dos desafios a serem enfrentados. Presidente da SBPC, Helena Nader, abriu o Seminário realizado pela Frente Parlamentar de CT&I

 Após o longo trabalho da academia e da indústria junto ao Poder Legislativo para aprovar o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016), os avanços obtidos estão em risco. A ameaça vem do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que tem agido contrariamente à regulamentação do Marco Legal, questionando uma das principais ferramentas que assegurará a execução mais dinâmica e autônoma dos recursos alocados para a pesquisa no Brasil. O item questionado pelo MPOG cuida da regulamentação da Emenda Constitucional 85, que permite a transposição, o remanejamento e a transferência de recursos entre categorias de programação orçamentária na área de CT&I.

O alerta foi dado pela presidente da SBPC, Helena Nader, na abertura do Seminário “Redução do Orçamento de CT&I: Consequências e Possibilidades”, realizado nessa terça-feira, 11, pela Frente Parlamentar de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação da Câmara dos Deputados. “Não posso me calar sobre o risco que estamos correndo com a regulamentação do Marco Legal porque o Ministério do Planejamento não aceita o que está escrito na Constituição”, afirmou a presidente da SBPC, criticando o fato de normas infraconstitucionais serem consideradas mais fortes pela equipe econômica do que o próprio texto da Constituição Federal.

O perigo de que a regulamentação do Marco Legal seja comprometida pela disputa inaugurada pelo MPOG preocupa, inclusive, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Segundo o diretor do Departamento de Políticas e Programas de Apoio à Inovação, Jorge Mario Campagnolo, a pasta está empenhada em publicar o decreto com as regras. “Mas muitas vezes todo o empenho ainda assim não é suficiente”, ponderou. “A gente aprovou a Lei e estamos agora em uma batalha, que não sei como a gente poderá vencer. O Ministério precisa da ajuda de todos neste momento.”

Ciência não é gasto

A ausência da regulamentação do Marco Legal é mais uma peça do complicado cenário pelo qual passa o setor de ciência, tecnologia e inovação. A falta de uma política de Estado que trate os investimentos em CT&I como estratégicos tem colocado em risco os avanços obtidos nos últimos anos e ameaçado o futuro do País.

“Ciência e tecnologia em qualquer lugar do mundo é tratado como investimento. Só no Brasil é visto como gasto. E isso mostra uma total falta de visão estratégica”, afirmou Helena Nader. O presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), Luiz Davidovich, também lamentou a falta de sensibilidade dos governos em compreender o caráter estratégico e de alavanca econômica que os investimentos em ciência possuem. “Não é de espantar que pesquisadores estejam saindo do País. Nós estamos prejudicando os jovens. No futuro, não haverá gente para pesquisas e buscar soluções para as epidemias, como aconteceu recentemente com o zika”, lamentou Davidovich. “E ainda temos um teto de gastos que considera ciência e tecnologia como gastos e não como investimentos”, complementou. José Mario Campagnolo fez coro com os professores. “A história mostra que nenhum país do mundo chegou ao desenvolvimento sem usar a ciência e sem investir nela.”

Volta do MCTI

Para a Associação Brasileira das Instituições de Pesquisas Tecnológicas (Abipit), o problema se agravou após a fusão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação  (antigo MCTI) com a pasta de Comunicações (Minicom). “Estamos em um setor desregulado disputando espaço com um setor altamente regulado, que é o de comunicação. Quando juntou as duas pastas, a ciência deixou de ser prioridade porque um ministro que está cuidando da comunicação não tem sequer tempo para lidar com ciência e tecnologia”, analisou Júlio César Felix, presidente da Abipit.

A separação das pastas foi defendida pelo presidente da Frente Parlamentar, deputado Izalci Lucas (PSDB/DF), na abertura do seminário. “Essa junção está tirando o foco das questões estratégicas. Acho que essa deveria ser uma bandeira de todos nós: voltar a ter uma pasta única para ciência e tecnologia. Porque se já era difícil antes (da fusão), agora está mais difícil ainda”, defendeu o deputado.

Frente a um cenário com tantos desafios para a ciência brasileira, o deputado Celso Pansera (PMDB/RJ), ex-ministro de Ciência e Tecnologia, ressaltou a importância de debates como o promovido pela Frente Parlamentar e a Comissão Geral que será realizada na manhã de quarta-feira, 12, com a bandeira da Marcha pela Ciência. “A nossa ideia é criar uma cultura em prol da ciência. É ter uma Marcha pela Ciência 2018, 2019… para que cada vez que a gente fale, fique menos difícil compreender sobre o que estamos falando.” Insistir no esclarecimento da sociedade e dos poderes da República sobre a importância do desenvolvimento tecnológico por meio da pesquisa e da ciência, ainda que não solucione os problemas concretos do setor, abre espaço para que a CT&I enfim sejam tratadas com a importância devida pelos governos. Citando o poeta curitibano Paulo Leminski, Pansera resumiu a necessidade de usar todas as armas possíveis para que a ciência ocupe o espaço que lhe é devido na sociedade brasileira para a busca de um futuro mais próspero. “En la lucha de clases todas las armas son buenas. Piedras. Noches. Poemas.”

Mariana Mazza – Jornal da Ciência