Universidades paulistas no centro do debate na Alesp

CPI e lançamento de Frente Parlamentar lotam auditórios com professores, alunos, pesquisadores e servidores públicos

As universidades públicas paulistas estão no centro do debate na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Nesta quarta-feira às 10h foi realizada a segunda reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito da Gestão das Universidades Públicas (CPI das Universidades) e às 11h houve o Lançamento da Frente Parlamentar em Defesa das Instituições Públicas de Ensino, Pesquisa e Extensão.

Os dois eventos lotaram os recintos da Alesp com professores, alunos, representantes de entidades de classe como as associações e sindicatos de professores, pesquisadores, pós-graduandos, técnicos e servidores das instituições públicas de ensino e pesquisa.

Instalada em 24 de abril, a CPI foi constituída para “investigar irregularidades na gestão das universidades públicas no Estado (USP, Unesp e Unicamp), em especial quanto à utilização do repasse de verbas públicas”, de acordo com texto publicado no Diário Oficial. A proposta foi apresentada pelo deputado Wellington Moura (PRB), vice-líder do governo na assembleia e presidente da comissão. Na reunião desta quarta, a principal crítica levantada pelos deputados da base governista foi com relação a uma suposta falta de transparência.

Debate sobre transparência

Moura questionou o motivo pelo qual as universidades não publicam na grande imprensa os balanços financeiros, como fazem as demais empresas públicas. Na defesa das instituições, o deputado Barros Munhoz (PSB) respondeu que as universidades têm as contas submetidas ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), órgão ligado ao Legislativo, encarregado de fiscalizar o dinheiro público, e seus demonstrativos financeiros são publicados no Diário Oficial do Estado.

A discussão entre os deputados gerou críticas na oposição pelo desconhecimento de fatos básicos sobre as universidades. “As pessoas na CPI não sabem nem que o TCE faz a fiscalização das empresas públicas”, comentou mais tarde Ros Mari Zenha, presidente do Conselho de Representantes dos Empregados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (CRE-IPT). “No geral, poucos deputados estão preparados para discutir sobre universidades e não têm noção de como é feita a pesquisa científica”, comentou Mariana Moura, líder do movimento Cientistas Engajados.

A relatora da CPI, Deputada Valéria Bolsonaro (PSL), afirmou ao Jornal da Ciência que a CPI foi criada para apurar denúncias de “aparelhamento” das universidades por partidos políticos e “viés ideológico”. ”Por conta disso, eu e os parlamentares, membros da CPI, pretendemos analisar os critérios em que são inseridas essas denúncias e consequentemente apurar se existe de fato uma incoerência nesses aspectos”. Na plateia da sessão da CPI, estudantes portavam cartazes com os dizeres “Educação não é mercadoria” e se manifestavam acaloradamente.

Frente de defesa

Enquanto ainda se desenrolavam os debates na CPI, em outro auditório foi instalada, às 11h, a Frente Parlamentar em Defesa das Instituições Públicas de Ensino, Pesquisa e Extensão, composta por 30 parlamentares e representantes de várias instituições do sistema paulista de CT&I, articulada pela deputada Beth Sahão (PT).

Na mesa da cerimônia de lançamento da Frente, além de Sahão estavam o presidente do sindicato dos Engenheiros do Estado, Allen Habert; a diretora da Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG), Raquel Mello; Wagner Romão, presidente da Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp) e coordenador do Fórum das Seis; Ros Mari Zenha, do CRE- IPT; Cleusa Maria Montovanello Lucon, presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APQC) e Mariana Moura, do movimento Cientistas Engajados.  Também falaram como convidados a deputada Monica da Bancada Ativista e o vereador Eduardo Suplicy (PT).

Beth Sahão afirmou que o objetivo da Frente é ser “um ponto de referência contra o desmonte promovido pelo Estado”, referindo-se aos cortes orçamentários que vêm atingindo as instituições públicas de ensino e pesquisa. Seus assessores apresentaram dados oficiais demonstrando que, só nos quatro primeiros meses deste ano, as universidades paulistas já tiveram R$ 173 milhões contingenciados e/ou cortados e R$ 181 milhões indisponíveis.

A ideia, explicou a deputada, é unir esforços para aprimorar a legislação as políticas públicas sobre formação acadêmica, além da produção de estudos sobre educação, ciência, tecnologia e inovação nos diversos níveis de ensino.

Wagner Romão apontou que, em um levantamento dos últimos 30 anos, o número de docentes diminuiu na Unesp e na Unicamp e teve uma pequena alta na USP, mas muito abaixo da expansão de cursos e do número de alunos atendidos. Ele também criticou o que chamou de “perseguição às Ciências Humanas”.

Cleusa Lucon, da APQC, relatou uma reunião realizada em 2 de maio entre representantes das entidades de servidores públicos da área de pesquisa científica do Estado com o titular da Secretaria da Infraestrutura e do Meio Ambiente, Marcos Penido, o subsecretário Eduardo Trani e a deputada Carla Morano (PSDB, partido do governador João Doria). O objetivo da reunião era discutir o processo de concessão de instituições públicas da área à iniciativa privada. Segundo ela, Penido deixou claro que o Estado de São Paulo não pretende mais investir em pesquisa científica e que a intenção é transformar os institutos em provedores de demandas do setor privado. “A sensação é de que o governo do estado quer administrar só dinheiro, não quer mais administrar as necessidades da população”, disse Lucon.

Ros Mari Zenha reiterou que “pesquisa não se faz com horizonte de mercado, o que não quer dizer que não devamos trabalhar com o setor privado”. Segundo ela, o IPT já desenvolve projetos com o setor industrial e grandes empresas como a Petrobras, que geram benefícios econômicos para o estado. Mas reiterou que a parte do trabalho do instituto voltada para as demandas da população, por exemplo, o mapeamento de riscos, biotecnologia e rotulagem de alimentos, precisam ter apoio do governo estadual.

“Temos que empurrar os poderes legislativo, executivo e judiciário, convencer, unir, lutar e construir. Nós venceremos essa batalha, mas precisamos ganhar a guerra das ideias”, disse Allen Habert, do sindicato dos engenheiros do estado.

Janes Rocha – Jornal da Ciência