Vetos do presidente da República impedem a liberação dos recursos do FNDCT

Comunidade científica e tecnológica se mobiliza para derrubar no Congresso a decisão que manteve a Reserva de Contingência para os recursos do fundo

A comunidade científica e tecnológica vai lutar arduamente no Congresso Nacional para derrubar os vetos do presidente Jair Bolsonaro à Lei Complementar nº 177, garantiu o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira.

Publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira (13/1), a nova lei tem origem no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 135/2020, aprovado em dezembro pelo Congresso. O PLP 135 trata do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a principal ferramenta de financiamento à Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) do País.

O texto final aprovado no Congresso transforma o FNDCT em fundo de natureza mista (contábil e financeiro), o que atende a uma das demandas antigas da comunidade científica e acadêmica.

No entanto, o presidente da República vetou dois pontos chave do texto: o que retira da norma a proibição de que os recursos do FNDCT sejam alocados em reservas de contingência, fiscal ou financeira; e o que pretendia liberar os recursos do FNDCT colocados na reserva de contingência no ano de 2020, num total de R$ 4,3 bilhões.

Ildeu Moreira observa que a transformação em fundo financeiro não adianta se não houver recursos e que o cerne do PLP 135 era acabar com a Reserva de Contingência, que hoje paralisa 90% dos recursos do FNDCT. A proposta de orçamento da União para 2021 prevê que dos R$ 5,3 bilhões arrecadados para o fundo e destinados a investimentos em CT&I, R$ 4,8 bilhões ficarão na reserva e, portanto, não podem ser usados para sua finalidade legalmente definida, que é o financiamento da ciência e da pesquisa.

“A questão central do projeto era acabar com a Reserva de Contingência do FNDCT”, afirmou Moreira, lembrando que os vetos representam o comprometimento dos recursos presentes e futuros do fundo. “Continuaremos sem um recurso essencial para apoiar as universidades e as instituições de pesquisa, para manter os laboratórios, para apoiar a inovação em pequenas e médias empresas, via subvenção econômica, por exemplo, e para possibilitar interações inovadoras entre as instituições de pesquisa, o sistema produtivo e os setores públicos. Durante décadas o FNDCT foi crucial para a CT&I no Brasil e agora está sendo destruído na prática. É uma situação catastrófica para a CT&I no País, ainda mais em um momento de grave crise sanitária, econômica e social”, criticou.

Moreira destaca que o PLP 135 foi aprovado por ampla maioria dos deputados e senadores de todos os partidos e que a aprovação da lei sem vetos era defendida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e por outras pastas ministeriais. “O próprio presidente da República fez diversas declarações públicas que iria sancionar o PL e liberar os recursos do FNDCT, extinguindo a Reserva de Contingência, mas fez o contrário”, disse.

“A visão que prevaleceu no governo foi a do ‘terraplanismo econômico’ do Ministério da Economia, que acha que ciência e tecnologia são dispensáveis e que não importa se o Sistema Nacional de CT&I do País seja desmontado. Uma visão atrasada, miúda e demolidora e que não respeita a própria Constituição brasileira, que diz, em seu artigo 218, que pesquisa científica e tecnológica deve receber tratamento prioritário do Estado”, frisou.

Moreira afirmou que a comunidade científica vai continuar a lutar com intensidade redobrada, irá atuar junto aos parlamentares, à mídia e à sociedade em geral para a derrubada dos vetos no Congresso. Ele acredita que isto é bastante viável, dado o placar massacrante de votos favoráveis ao PLP 135 (385 x 18 votos a favor na Câmara dos Deputados e 71 x 1 no Senado). “Vamos fazer agora uma campanha grande de mobilização da comunidade científica (que deve ser mais ativa e não aceitar este retrocesso enorme), atuar junto aos parlamentares em cada um dos estados brasileiros e derrubar esses vetos. Se não conseguirmos, será muito ruim para a ciência e para o futuro do País”, disse o presidente da SBPC.

Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), afirmou que os vetos à Lei 177 representam o aprofundamento da crise econômica em que o País está mergulhado. “Esses cortes (orçamentários para a CT&I) estão prejudicando a população brasileira na medida em que inibem, por exemplo, o progresso na saúde”, afirmou Davidovich. Para ele, a inviabilização dos investimentos em CT&I devido ao contingenciamento dos recursos do FNDCT impede que o Brasil desenvolva, inclusive, uma vacina contra a covid-19, apesar de ter infraestrutura e recursos humanos suficientes.

“É ridículo que um país com a riqueza do Brasil, em termos de biodiversidade, tenha que importar insumos e equipamentos da Índia e da China”, afirmou o presidente da ABC.

Para Davidovich, os vetos refletem uma política econômica “tacanha e ultrapassada” que impede o desenvolvimento do País. “Precisamos de mais indústrias fazendo inovação e para isso o governo pode usar os instrumentos usados em outros países como encomendas e editais específicos”, comentou Davidovich.

Em nota à imprensa, a reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili, também se disse preocupada com os vetos à Lei 177, destacando o impacto negativo para o desenvolvimento da ciência brasileira, principalmente nesse momento em que grande parte da produção científica está empenhada em formas de combater a pandemia. “A esperança é que os vetos possam ser derrubados na Câmara e no Senado, onde o projeto foi muito bem recebido, com os parlamentares tendo compreendido a exata dimensão e importância do FNDCT”, comentou a reitora.

Também em nota pública, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) criticou os vetos, afirmando que comprometem as possibilidades de investimentos nacionais em pesquisa e inovação.

Procurado através de sua assessoria de imprensa para comentar os vetos do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Marcos Pontes não retornou o pedido de entrevista até o encerramento desta edição.

Jornal da Ciência