“É realmente trágico. Se a situação da ciência, tecnologia, inovação e educação no Brasil está ruim em 2017, 2018 será ainda pior”, afirmou a presidente da SBPC, Helena Nader, em audiência pública realizada esta manhã (11/07) na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado. O evento reuniu representantes do governo e da academia para debater a situação atual da ciência brasileira.
Proposta pelo senador Jorge Viana, a audiência tem como objetivo chegar a um documento, a ser apresentado ao Ministério do Planejamento e da Fazenda, sobre os impactos negativos que os cortes orçamentários de recursos para pesquisa e desenvolvimento terão no desenvolvimento econômico e social do Brasil. “Queremos tirar daqui uma proposta sólida para levar ao Planejamento e à Fazenda, que possa reverter essa situação. Sem ciência, tecnologia, inovação e educação, o País vai andar pra trás”, disse a presidente da SBPC.
A ciência, tecnologia e inovação foi incluída na PEC 95, agora chamada Emenda Constitucional no 95 (EC 95), conhecida também como a PEC do teto dos gastos públicos, que congela as despesas públicas por um período de 20 anos, aproximadamente. Além disso, a área também foi afetada pela Lei Orçamentária Anual de 2017, que cortou 44% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “O orçamento de 2018 será muito pior se não nos unirmos para reverter os efeitos dessa emenda na Lei Orçamentária (LOA 2018)”, afirmou a presidente da SBPC.
Segundo Nader, a inclusão da CT&I na PEC dos gastos demonstra a falta de visão estratégica do governo. “Entendemos a necessidade de se fazer ajustes nos gastos. Mas o conceito está errado, porque ciência, tecnologia e inovação são investimentos, juntamente com a educação. São elas que vão possibilitar o País sair da crise”, alertou.
Nader ressaltou que os cortes na área de CT&I produzem efeitos irreversíveis. “Se eu paro a construção de uma estrada ou de uma hidrelétrica, eu posso retomar depois. Mas, quando eu interrompo a educação ou a ciência, aqueles que pararam, ficarão para trás. Com aquela PEC, nós não teremos sobrevivência. Ou a gente reverte esse quadro, ou não teremos um Brasil para ofertar às nossas crianças e jovens”, argumentou.
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, lembrou que o orçamento de 2017 para a pasta de CT&I, cerca de R$3,2 bilhões (R$ 700 milhões vão para Comunicações), é metade do orçamento da pasta em 2005, e quase ¼ apenas do de 2010 (em valores atualizados). “O País não terá futuro se não houver investimentos em CT&I. Os cortes no orçamento comprometem nosso futuro”, disse.
Davidovich acrescentou ainda que, com a crise, laboratórios estão sendo obrigados a encerrar atividades e seus pesquisadores estão deixando o País. “Estamos perdendo uma geração. Os jovens estão deixando a pesquisa por falta de recursos e não estarão aqui daqui a 10 anos para enfrentar epidemias como a que tivemos com a zika, ou para desenvolver nossa agricultura”.
Pedalada
Reiterando o que Helena Nader disse, o presidente da ABC criticou a falta de prioridades na maneira que foi feito o contingenciamento – um corte linear de 44% em todos os Ministérios. “Isso é uma falta aguda de visão de futuro. Cabe ao Congresso definir prioridades, pensando no País daqui a 10, 20 anos”. Não apenas é uma falta de visão estratégica, mas, conforme observou, o contingenciamento das verbas para CT&I constitui um desvio de finalidade: “E isso é pedalada. É uma questão judicial. E nós vamos lutar para proteger a pesquisa e o desenvolvimento no País, o futuro dos nossos filhos e netos”, concluiu.
O presidente a CCT, o senador Otto Alencar, concordou com a conclusão do cientista. “Trata-se, sim, de desvio dos fundos para fazer superávit. É uma pedalada fiscal que está prejudicando o Brasil”, afirmou, acrescentando que a política de investimento em CT&I não pode mudar dessa maneira. “Vejo a nossa política econômica totalmente equivocada no modo de olhar para a ciência e tecnologia. E essa visão vem equivocada há muito tempo”, observou.
Para o senador Lindbergh Farias, os cortes são parte de um debate ideológico, da austeridade fiscal, que vai contra tudo o que é necessário fazer para retomar o crescimento do País. “Isso é ignorância. Só traz destruição de políticas públicas. É um conjunto de ideias que temos que vencer. É nosso futuro que está em jogo quando falamos em ciência e tecnologia. Estamos destruindo o futuro do País”, disse.
Elton Santa Fé Zacarias, secretário Executivo do MCTIC, também afirmou que a situação da CT&I no País é muito grave. Segundo ele, com muito esforço, o Ministério vem conseguindo alguns poucos suspiros, como a liberação das verbas para o Projeto Sirius, ou para o Satélite Geoestacionário, mas são avanços pontuais. “Temos feito um esforço para equilibrar as contas do MCTIC. Mas nesse ano a situação está dramática. Estou no governo há 14 anos, e nunca vivi uma situação dessas”, disse.
Pilar do desenvolvimento
“Temos que nos rebelar contra essa situação”, declarou Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies). Segundo ele, o que se vê agora é a desintegração do Sistema Nacional de Inovação (SNI), construído ao longo de décadas. “A ciência é portadora do futuro. Não vemos crescer os investimentos em P&D. Não temos uma indústria forte. O motor da inovação é a indústria, no mundo inteiro”, disse ele, argumentando que é preciso desburocratizar os caminhos que interligam a indústria e a pesquisa, para incentivar o setor industrial a investir mais na área de CT&I nacional.
Álvaro Prata, secretário de Desenvolvimento Tecnológico e de Inovação do MCTIC, concordando com Peregrino, disse ainda que é preciso fazer com que o investimento do setor público em CT&I alavanque o investimento do setor privado, que é muito baixo. “Há muito espaço para fazer isso crescer, mas é preciso que haja facilidades, do ponto de vista legislativo, fiscal, para incentivar a indústria. É preciso que o investimento público reflita em investimento privado”, argumentou.
Conforme demonstrou o secretário, cada R$ 1,00 que se abre mão para as empresas, via renúncia fiscal, investirem em P&D, o retorno é de R$5,50. “O País só conseguirá ser competitivo, soberano, desenvolvido socialmente se a ciência, a tecnologia e a inovação forem os pilares mais importantes que o sustente”, declarou.
O senador Jorge Viana, proponente do debate, defendeu que a CT&I deve ser escolhida como um setor estratégico do País. Ele destacou também que o Marco Legal da CT&I foi uma grande conquista para fazer avançar esse setor. “Mas quando conquistamos isso, nos deparamos com uma crise sem precedentes”, disse. Segundo ele, é preciso considerar que a profissão de pesquisador será cada vez mais necessária no mundo todo, enquanto muitas profissões tendem a desaparecer. E, ao longo dos últimos anos, quando os investimentos em CT&I estavam em uma direção de crescimento, muitos estudantes passaram a sonhar em seguir a carreira de pesquisador. “Mas agora, para onde vamos com esse desmonte todo?”, questionou.
“A população brasileira, 200 milhões de pessoas, precisa da comunidade científica. E essa audiência tem justamente o propósito de sensibilizar o Congresso para importância da ciência e da tecnologia para superar a crise”, declarou.
A audiência pública sobre a situação da ciência no Brasil pode ser vista neste link.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência