É inegável o papel estratégico da Capes para o sistema acadêmico brasileiro. A instituição é responsável pela concessão de aproximadamente 100 mil bolsas ao ano, além de avaliar a qualidade da oferta dos cursos de pós-graduação ofertados pelas universidades. Papel tão central no fomento à especialização coloca a Capes em uma posição privilegiada para mapear os desafios da especialização acadêmica. No primeiro painel da 69ª Reunião Anual da SBPC, “Os Desafios da Pós-Graduação”, esse olhar crítico sobre o presente e futuro da pós foi apresentado pelo presidente da Capes, Abílio Baeta Neves.
O drama atual, que atinge ao sistema como um todo, é a falta de recursos. A partir de 2015, a Capes tem perdido aproximadamente R$ 1 bilhão ao ano. Recursos que fazem falta para a expansão do aporte de bolsas e, principalmente, no reforço ao custeio de equipamentos. Baeta Neves contou que a verba prevista para a instituição em 2018 é de R$ 4,2 bilhões, quase metade do orçamento garantido em 2015, último ano de investimentos robustos do Estado na pesquisa científica. “Estamos lutando para, pelo menos, elevar esse valor para R$ 4,7 bilhões, o que permitirá recuperar parte das bolsas”, afirmou.
Ainda que o orçamento da Capes esteja atrelado ao Ministério da Educação (MEC), o presidente Baeta Neves defendeu a imediata recuperação dos recursos contingenciados na pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “Mesmo que a Capes se defenda bem (nos recursos), sem o MCTIC não adianta nada”, frisou, lembrando que os recursos da pasta colocados no sistema são essenciais para dar suporte às pesquisas científicas. “O que está acontecendo com os recursos do MCTIC é uma grande tragédia. Basta ver que o total liberado para investimento do MCTIC representa pouco mais da metade do orçamento da Capes. E estou falando de todo o ministério”, alertou. Em 2017, os recursos para cobertura de custos discricionários e PAC alocados no Ministério de Ciência e Tecnologia chegaram a pouco mais de R$ 3 bilhões após o contingenciamento.
Para além da falta de verbas
A seriedade do arrocho pelo qual passa Educação e CT&I acaba adiando discussões também relevantes para o futuro da pós-graduação. “Independentemente da crise, mesmo que a gente tivesse muito dinheiro, algumas questões importantes precisam ser discutidas”, afirmou o professor Baeta Neves. Um dos grandes desafios é a redução das desigualdades regionais que, apesar dos esforços, ainda persiste no Brasil. Também é preciso enxergar a relação entre a falta de políticas institucionais e a forma com que se dá o crescimento da pós-graduação brasileira. “Hoje, o crescimento não tem se dado em um círculo virtuoso, mas de forma fragmentada, inclusive fruto da repartição de certos departamentos”, diagnosticou o presidente da Capes, alertando que isso afeta fortemente o resultado das avaliações dos cursos, especialmente nas pesquisas multidisciplinares. “Nós estamos basicamente transformando linhas de discussão em novos cursos. Isso atende às necessidades das instituições?”, questionou. Para ele, é emergencial abrir um canal de diálogo com as universidades para racionalizar os programas da pós-graduação. Um dado que mostra o tamanho do desafio é que, hoje, a Capes avalia 42 mil programas e acompanha outros 9 mil. “Se não fizermos (esse diálogo), vai ficar impossível avançar com a pós brasileira.”
Quantidade X Qualidade
Outro desafio para a academia é seguir adiante no processo crítico balizado pela avaliação da Capes. O sistema de análise da instituição permitiu que o sistema acadêmico expusesse sua produção, aumentando sensivelmente o número de publicações científicas. Ocorre que, para avançar, é preciso também enfrentar que esse modelo pode já estar estagnado. “A avaliação foi fundamental para tirarmos resultados que estavam na prateleira e incentivar as publicações. Mas acho que esse se esgotou”, analisou a presidente da SBPC, Helena Nader, apresentadora do painel. Para a professora Helena Nader, a análise das estratégias para o futuro da pós-graduação deve ir além da avaliação. Sem contar que o modelo adotado de distribuição de bolsas engessa o fluxo de pesquisadores. Hoje, um programa financiado pela Capes só pode ter, no máximo, oito pesquisadores. “A turma fica esperando que um morra para conseguir entrar”, resumiu a presidente da SBPC.
O reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jaime Artur Ramírez, fez coro sobre a necessidade de renovação dos métodos adotados para qualificar os programas de pós. “Tudo indica que há uma saturação do sistema de avaliação. Ele já dá sinais de fadiga”, analisou.
Para além do sistema de avaliação, há ainda o desafio quanto aos objetivos da especialização frente às novas demandas econômicas. O presidente da Capes foi reticente em relação aos mestrados profissionais e à discussão recente para a expansão desse conceito aos doutorados. Usando a experiência alemã, onde fez sua especialização, o professor Baeta Neves questionou a efetividade desse modelo para o amadurecimento da pós brasileira. “Na Alemanha, a iniciativa privada não tem autorização para fazer isso. Lá, eles entendem que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mas aqui, uma coisa pode ser outra coisa”, ironizou.
Mariana Mazza – especial para o Jornal da Ciência