Um dos primeiros trabalhos que consolidaram no mundo a Teoria da Evolução das Espécies, de Charles Darwin, foi escrito aqui no Brasil, em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis. A obra “Para Darwin”, do médico naturalista e professor teuto-brasileiro Friedrich Theodor Müller, ou Fritz Müller, reúne estudos minuciosos sobre os crustáceos que comprovavam a teoria darwiniana, que dizia que as espécies evoluem através do tempo por meio da seleção natural do mais apto. Escrito em alemão, o livro impressionou tanto Darwin, que ele mesmo pagou a tradução e a publicação da obra em inglês. Essa versão foi traduzida para o português, em 1907. Agora, pela primeira vez, a obra original alemã é traduzida para a nossa língua e lançada aqui no Brasil, essa semana, na 69ª Reunião Anual da SBPC.
Segundo um dos tradutores da nova versão, o biólogo e médico Luiz Roberto Fontes, esta segunda edição em português de “Para Darwin”, além de ser baseada no original, lançado em 1864, ela incorpora as correções do criador da Teoria da Evolução para a obra em inglês. Lançado no ano em que Müller completaria 195 anos, o livro resgata uma importante parte da história da ciência no Brasil que poucos conhecem.
“Fritz Müller ainda é pouco conhecido, mas é uma das figuras mais fundamentais da história da consolidação da Teoria das Espécies de Darwin”, ressalta Fontes, que se dedica a estudar Müller há quase 20 anos. Ele falou sobre o livro e a história do naturalista nessa sexta-feira, 21 de julho, em conferência no último dia da programação científica da 69ª Reunião Anual da SBPC, na UFMG, em Belo Horizonte.
Müller nasceu em 1822 em Windischholzhausen, na Alemanha. Era neto do químico Johann Bartholomäus Trommsdorf, conhecido como o “pai da farmacêutica”, que fundou a primeira escola e a primeira revista científica da área no país. Cursou filosofia em Berlim e concluiu o curso de medicina, mas não pode se graduar, por ter se recusado a prestar o juramento cristão, exigência para a obtenção do título naquela época na Alemanha. “Ele virou ateu por conta do dogmatismo da religião sobre a ciência. Ele era totalmente incapaz de viver em divergência com suas convicções. E por isso se recusou a fazer o juramento”, conta Fontes. Por conta disso, nunca pode exercer a medicina em solo alemão.
Aos trinta anos, o naturalista migrou com a companheira e a filha para Blumenau, no Brasil, e nunca mais retornou para a Alemanha. Fontes conta que apesar do isolamento geográfico, Müller manteve contato com o irmão e com um amigo, Max Schultze, que lhe enviava livros e materiais de pesquisa constantemente.
Era um cientista prolífico. Em sua vida, publicou 264 estudos científicos, 250 deles no Brasil. “Para Darwin” foi sua 40ª publicação. Ao todo, 22 de seus estudos foram publicados na renomada revista Nature, que, inclusive, publicou seu obituário, quando faleceu em 1897, com 75 anos, em Blumenau, deixando nove filhos.
Príncipe dos observadores
Fritz Müller conheceu a obra de Darwin em 1861, dois anos depois que foi publicada na Inglaterra pela primeira vez, em 1859, por meio de uma tradução alemã dos estudos que seu amigo Schultze lhe encaminhara. Na época trabalhando como professor em Nossa Senhora do Desterro, o cientista desenvolveu um extenso e minucioso estudo sobre os diferentes aspectos da biologia dos crustáceos, e apoiou suas observações na teoria darwiniana. “O livro que consolidou a teoria foi feito inteiramente com exemplos do Brasil e escrito em Blumenau”, detalha Fontes.
Ele conta que Darwin se encantou tanto com os estudos que financiou com seus próprios recursos a tradução e a publicação de mil cópias. O cientista britânico fez algumas correções no livro, nominou os capítulos e modificou o título para “Fatos e argumentos a favor de Darwin”. Os dois permaneceram amigos pelo resto da vida, e trocaram mais de 150 cartas ao longo desses anos.
Fontes conta que Darwin deu a Müller o título de “príncipe dos observadores”. “Ele era um cientista de campo. E quando foi professor, foi um professor prático. Fritz Müller nos mostrou que podemos fazer ciência com arte e beleza”, comenta.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência