Orçamento de CT&I para 2018: tragédia anunciada!

SBPC, ABC, Andifes, Confap, Consecti e Fórum Nacional de Secretários Municipais da Área de Ciência e Tecnologia protestam contra os cortes drásticos em CT&I no Orçamento de 2018 aprovado pelo Congresso Nacional: “Eles ameaçam o funcionamento do sistema nacional de CT&I, comprometem a possibilidade de recuperação econômica em momento de crise e podem afetar seriamente a qualidade de vida da população brasileira e a soberania do País”

Leia o manifesto na íntegra:

Orçamento de CT&I para 2018: tragédia anunciada!

As entidades nacionais, representativas das comunidades científica, tecnológica e acadêmica e dos sistemas estaduais de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) dirigem-se mais uma vez às autoridades constituídas e à população brasileira para protestar contra os cortes drásticos em CT&I no Orçamento de 2018, que foi aprovado pelo Congresso Nacional no dia 13 de dezembro. Alertamos anteriormente as autoridades, os parlamentares e a opinião pública sobre as consequências muito graves desses cortes para o País. Eles ameaçam o funcionamento do sistema nacional de CT&I, comprometem a possibilidade de recuperação econômica em momento de crise e podem afetar seriamente a qualidade de vida da população brasileira e a soberania do País.

O valor aprovado para o orçamento geral do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), para 2018, é cerca de 19% menor do que o que foi aprovado para 2017 pelo mesmo Congresso. O orçamento movimentável, destinado a custeio e investimento (ou seja, excluídas as despesas obrigatórias e a reserva de contingência), é de aproximadamente R$ 4,7 bilhões para o próximo ano, 25% a menos do que o aprovado para o orçamento de 2017. Estes cortes afetarão direta e profundamente as agências de fomento do MCTIC (CNPq e Finep), as instituições de pesquisa do Ministério, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o programa dos Institutos Nacionais de C&T (INCTs), os programas de CT&I dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o apoio geral a projetos de pesquisa e de infraestrutura para os pesquisadores e as instituições de pesquisa brasileiras. É alto o risco de laboratórios de pesquisa serem fechados, pesquisadores deixarem o País e jovens estudantes abandonarem a carreira científica.

Ressalte-se que sérios cortes ocorreram também em agências, universidades públicas e instituições de pesquisa ligadas a outros ministérios. Os recursos para a CAPES em 2018, uma agência fundamental para a pós-graduação brasileira, responsável por grande parte da pesquisa científica produzida no País, terão uma diminuição de 20% em relação ao aprovado para o orçamento de 2017. Nas universidades públicas federais, os recursos para custeio foram mantidos em patamar 20% inferior aos valores de 2014 e os recursos para investimento foram ainda mais reduzidos, representando agora um corte de mais de 80% em relação a 2014. Muitas instituições de pesquisa importantes para o País, como a Fiocruz, o Ibama e o Inmetro foram igualmente atingidas por cortes de recursos para custeio e investimento. Quando se considera que os recursos federais para a área são catalizadores importantes de recursos estaduais, por meio das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs), que estão sendo também fortemente reduzidos, percebe-se a gravidade do momento para o sistema nacional de CT&I.

Esta decisão de cortes drásticos nos recursos para CT&I é de responsabilidade do Governo Federal e foi acolhida e aprovada pelo Congresso Nacional, apesar dos esforços e da pressão da comunidade científica e acadêmica, do próprio posicionamento do MCTIC e das manifestações de diversos parlamentares, inclusive do relator setorial de CT&I da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Não aceitamos como justificativa a crise econômica e fiscal, já que o Orçamento Geral da União teve um aumento de 1,7% entre 2017 e 2018. Por outro lado, como demonstram dados governamentais e tem sido amplamente divulgado na mídia, estão ocorrendo desonerações e isenções fiscais em inúmeras áreas, que vão de bancos privados a empresas petrolíferas estrangeiras, e cujos valores são pelo menos uma centena de vezes maiores do que o solicitado para CT&I. Os cortes praticados colocam o Brasil na contramão da história, se tomarmos como referência os países desenvolvidos ou os que caminham aceleradamente para isto, uma vez que eles passam a investir de maneira ainda mais acentuada em CT&I em momentos de crise econômica.

É elucidativo rememorar os principais acontecimentos dos últimos meses relativos à discussão orçamentária. No dia 31 de agosto de 2017, o governo federal enviou o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2018 que destinava apenas R$ 2,7 bilhões para custeio e investimento para o MCTIC. Houve, nas semanas seguintes, uma movimentação intensa da comunidade cientifica e acadêmica junto ao governo e aos parlamentares, com cartas, manifestações e matérias na mídia e nas redes sociais, e a campanha “Conhecimentos sem Cortes”, que recolheu cerca de 83.000 assinaturas contra os cortes, entregues ao presidente da Câmara e ao presidente do Senado. Também ocorreram, neste período, atividades da Marcha pela Ciência no Brasil em algumas capitais brasileiras. No dia 10 de outubro foi realizada na Câmara dos Deputados uma concorrida audiência pública, além de outras atividades, com a presença de 70 entidades científicas, acadêmicas, empresariais e de outros setores, bem como de muitos dirigentes de instituições de ensino e pesquisa e de cerca de 50 parlamentares. Essas ações contribuíram significativamente para que, na nova mensagem do governo ao Congresso, no dia 31 de outubro de 2017, os recursos fossem aumentados para R$ 4,6 bilhões, um valor ainda muito baixo e insuficiente para as necessidades mínimas da área.

Novas ações foram feitas junto ao relator do orçamento, à CMO e ao Poder Executivo para que recursos colocados na chamada Reserva de Contingência fossem transferidos para o orçamento movimentável do MCTIC, o que possibilitaria retornar o orçamento para valores próximos ao que havia sido aprovado para 2017. No dia 5 de dezembro, em reunião das Comissões Temáticas do Conselho Nacional de C&T (CCT) – órgão consultivo máximo da estrutura da CT&I brasileira, que possui representantes de entidades científicas, acadêmicas, empresariais, do governo e de outros setores, foi aprovada uma manifestação unânime nesta direção e encaminhada à Comissão Mista de Orçamento. No entanto, tais ações não tiveram o êxito esperado, apesar da solicitação ter sido incorporada no relatório setorial de CT&I e de manifestações positivas sobre a importância da área feitas pelo relator, por membros da CMO e por outros parlamentares. Todas essas iniciativas e intenções não foram levadas em conta e a decisão final do Congresso, escorada no posicionamento do governo e de sua área econômica, foi manter o orçamento basicamente igual à proposta de 31 de outubro, com valores muito baixos para CT&I. Tais valores, nos quais estão incluídos também os recursos para a área de telecomunicações do MCTIC, correspondem a cerca de 1/3 do que se tinha cinco anos atrás.

Um balanço geral mostra que, apesar da atuação da comunidade científica e acadêmica por meio de suas entidades e de dirigentes institucionais, foi parcial o êxito obtido na primeira fase do processo de discussão orçamentária. O resultado final, de um orçamento ainda muito ruim, traduz a predominância de uma visão estreita sobre CT&I e sobre as prioridades essenciais de políticas públicas para o País, tanto por parte do Governo Federal quanto do Poder Legislativo como um todo. A decisão é particularmente ainda mais grave porque a Emenda Constitucional 95 (EC 95), que estipula um teto de gastos do Governo Federal durante 20 anos, certamente dificultará muito, durante seu período de vigência, caso não seja revogada, um aumento real dos recursos orçamentários para CT&I.

Para 2018, as entidades reforçam os seguintes pontos:

  1. Não se pode admitir que ocorram contingenciamentos adicionais nos recursos para CT&I por parte do governo, como aconteceu em 2017;
  2. Reiteramos a importância de que seja realizada, logo no início do ano, uma reunião plena do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, como já solicitado anteriormente pelos representantes das entidades científicas e acadêmicas, para se discutir a situação crítica da CT&I no País;
  3. Os recursos alocados na Reserva de Contingência desta área, para 2018, devem ser progressivamente liberados para uso pelo MCTIC.

Esta última demanda está em consonância com o próprio relator do Orçamento 2018 que, em um complemento de voto, dentro de seu relatório afirmou: “ITEM 4 – Haja vista a inegável necessidade de recursos adicionais de determinadas programações orçamentárias, recomendamos ao Poder Executivo que promova acréscimos nas seguintes ações, as quais não puderam ser atendidas por esta Relatoria-Geral em razão da insuficiência de recursos disponíveis: 10) Ações da Assistencial Social e da Ciência e Tecnologia.”

Para que se efetivem tais medidas, que poderão atenuar o grave impacto da grande redução de recursos para CT&I no Brasil, é essencial uma atuação vigorosa e permanente das entidades científicas e acadêmicas, bem como da comunidade científica e acadêmica como um todo. É fundamental uma mobilização mais intensa dos pesquisadores, professores e estudantes, das entidades científicas e das instituições de ensino e pesquisa brasileiras, para que essa pressão social legítima, sendo acolhida pela sociedade brasileira, possa ser determinante para a reversão do atual quadro de retrocesso no apoio à ciência e tecnologia no País.

Ciência não é gasto, é investimento!

19 de dezembro de 2017.

Atenciosamente,

Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich;

Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Emmanuel Zagury Tourinho;

Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Maria Zaira Turchi;

Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia (Consecti), Francilene Procópio Garcia;

Fórum Nacional de Secretários Municipais da Área de Ciência e Tecnologia, André Gomyde Porto;

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira.

Jornal da Ciência