O auditório Luiz Pompeu de Campos da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Grais (UFMG), em Belo Horizonte, recebeu na última sexta-feira (15) seminário temático sobre Educação Básica, promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (UFMG). A atividade faz parte de um ciclo de seminários que a SBPC vem realizando em diferentes pontos do país para debater temas como saúde pública, democratização da comunicação e direitos humanos, dentre outros. Como resultado de cada encontro será produzido um documento com diretrizes e propostas gerais a serem encaminhadas a candidatos ao Legislativo e ao Executivo. Segundo o presidente da entidade, Ildeu Moreira, a ideia é que esses documentos possam influenciar nas políticas e compromissos nas eleições deste ano e, sobretudo, reafirmar o direito da população a uma educação de qualidade e cidadã, compreendendo o papel fundamental da ciência nesse processo, atualmente sob fortes riscos e cortes orçamentários. As proposições também serão debatidas na Reunião Anual da SBPC, que ocorrerá em julho no estado de Alagoas, marcando os 70 anos da entidade.
O seminário “Desafios da política educacional para a Educação Básica” proporcionou um dia de intensos debates, com a presença de pesquisadores de diferentes etapas educacionais e áreas, incluindo a presidente da ANPEd, Andréa Gouveia. Os pontos consensuais das diferentes mesas gravitaram entorno de cinco frentes centrais para combater o quadro atual: revogação da Emenda Constitucional 95 (Lei do Teto de Gastos), defesa do Plano Nacional de Educação (PNE), valorização da carreira docente, repúdio à forma como foram encaminhadas a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a reforma do Ensino Médio, e a valorização de uma educação pública, gratuita e diversa em seu mais amplo caráter político. A explicitação destes pontos irá compor a Carta de Belo Horizonte, que será divulgada nas próximas semanas e encaminhadas aos candidatos após consulta às entidades que compõem a SBPC.
Na primeira mesa do seminário, Fernanda Ostermann (UFRGS), da Abrapec, mostrou dados que corroboram o panorama complexo e desafiador do Ensino Médio no país, com professores dando aula em disciplinas fora de suas áreas de formação, quadro de evasão e uma valorização da avaliação em larga escala – alvo de análises, sobretudo midiáticas, que ignoram fatores socioeconômicos nas comparações de desempenho. Na sequência, Andréa Gouveia (UFPR) explicou como a ANPEd tem se ocupado da questão da defesa da Educação Básica, que passa pela fragilização democrática do país atualmente e por uma clara agenda de retrocessos que inclui a EC 95, a reforma do Ensino Médio, a BNCC e o programa pedagógico do MEC, sendo, para a presidente da Associação, essencial a revogação desses projetos para se retomar políticas públicas de valorização da educação no Brasil. Outra questão salientada pela pesquisadora foi a expansão da educação à distância. “Dentre os professores da Educação Básica, só 1% tem doutorado, 3% têm mestrado e 57%, especialidade. Virou um nicho de mercado, uma indústria da Educação à Distância. Não é descartar e negar a modalidade, mas sim entender o papel que ela tem cumprido”, argumentou. Já Eduardo Mortimer (UFMG) pontuou o imenso desafio de se expandir o número de professores na EB com ensino superior até 2020 (presente na Lei do PNE), frente a um contexto de desvalorização da carreira docente, em que a renda de um professor é 50% menor se comparada a outras profissões com a mesma formação, além da questão estrutural, com apenas 19% das escolas públicas do país possuindo os quatro pilares básicos – biblioteca, laboratório de ciências, laboratório de informática e quadra esportiva. “Sem valorização, nada vai mudar”, defendeu Mortimer, que também é conselheiro da SBPC.
A segunda mesa foi aberta por Lívia Fraga com o tema da Educação Infantil. Após elencar como a etapa avançou nas últimas décadas, a exemplo do direito a creches, aumento da cobertura e ações como Fundeb, Pró-Infância e programas voltados para a garantia e qualidade da merenda e do livro escolar, a pesquisadora da UFMG igualmente demonstrou como tais bases encontram-se em risco. Por sua vez, abordando Ensino Fundamental, Dalila Andrade lembrou como a própria universalização do EF no Brasil demorou a ocorrer – somente em 1997, cerca de 50 anos depois da Argentina. E o quadro atual é extremamente preocupante: redução de matrículas na Educação Básica, queda de cobertura pública de 86% para 80%, 50% das escolas sem condições estruturais mínimas, avanço da iniciativa privada, volta de programas retrógrados (como o atual Mais Educação) e um imenso contingente de crianças e jovens fora das escolas. “2,8 milhões com idade entre 4 e 17 anos não estão na escola. A gente naturaliza isso pelo tamanho do Brasil, mas isso é praticamente a população do Uruguai”, criticou.
Convidado para expor a questão do Ensino Médio, Paulo Carrano (UFF) buscou encarar a questão de “como sair do atoleiro”. Para isso, elogiou a iniciativa da SBPC de realizar o ciclo de seminários pelo país, honrando a história da entidade e assumindo um papel crítico e propositivo para o cenário atual. O pesquisador defendeu a importância de se fazer uma escuta atenta aos jovens que estão nas escolas e que muitas vezes lutam contra forças que os empurram para fora dos estudos, como a necessidade de conciliar trabalho e estudo (algo que vem se agravando após uma década de melhora), além de um crescente desengajamento. “O governo Temer radicalizou o discurso do especialista. É preciso buscar a qualidade de baixo pra cima e captar os signos que os jovens estão nos enviando”, afirmou. Carrano usou deu como exemplo dessa escuta o documentário “Fora de Série”, que realizou juntamente ao Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense.
Ao abordar as Ciências da Natureza e Matemática, Regina Célia Gandro (UFSC) reivindicou mais criatividade nas salas de aula, mas igualmente lamentou o fim de projetos que vinham dando certo, como o OBEDUC, assim como mitos de que a instrumentalização garante uma boa formação aos docentes. Luiz Carlos Villalta (UFMG), em tom enfático, afirmou que “essa é a pior realidade para o magistério” em seus mais de 30 anos de escola, elencando os seguintes fatores: falta de pagamento, má gestão, falta de planos de carreira com mínimo incentivo, escolas em descompasso com a realidade e com as novas tecnologias, centralização na figura do professor e no ensino pela memória”. Sem poupar críticas a governos de esquerda ou direita, defendeu algumas bandeiras: protagonismo a quem deve ter, não ao discurso de especialistas, novas linguagens nas escolas, enfrentamento dos tecnocratas que nada entendem de educação, enfrentamento dos fundamentalistas e não às reformas autoritárias.
Com a fala aberta à plateia do seminário, a professora da Educação Básica e doutoranda Kátia Regina de Sá (IFMG) pediu maior capilaridade nessas discussões com ações propositivas junto aos professores nas escolas, que na maioria das vezes ficam isolados, sem interlocução, e tendo que assumir a implantação das mudanças curriculares impostas. Ao final da mesa, Dalila Andrade argumentou que esse quadro não se resolve só com políticas educacionais, mas sobretudo através de políticas públicas em educação, citando a EC 95. “Cortes no Bolsa Família, por exemplo, impactam diretamente na saída de crianças das escolas”, argumentou. Para Paulo Carrano, é preciso “remover os entulhos autoritários e armadilhas neoliberais” do atual governo, que está colocando a perder quase tudo o que foi ganho nas últimas décadas.
Ao abordar a questão de financiamento, José Marcelino Pinto (USP-Ribeirão Preto) falou sobre o desafio da educação pública em um mundo cada vez mais desigual, que ao invés de aprender lições históricas de que o bem-estar social só se dá através do aumento da tributação, insiste no mito de que gestão substitui a necessidade de investimento, que por sua vez é imensamente menor no Brasil quando comparado a países como Estados Unidos e Suécia. Outra questão fundamental passa por compreender o quanto de dinheiro público vai para políticas públicas através do setor privado, como FIES, agora de forma articulada à EC 95, que preserva o lucro de acionistas privados enquanto impõe um desmonte à educação. Nesse sentido, o pesquisador defende a implantação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) – que já deveria estar em ação desde 2016 -, assim como a auditoria da dívida pública, a revogação da EC 95, a implantação de um Fundeb permanente, a destinação de recursos públicos aplicados somente na educação pública, uma reforma tributária de caráter progressivo, um regime de colaboração e não de desobrigação e, sobretudo, um PNE pra valer, com a meta 20 viabilizando as demais.
Carlos Roberto Jamil Cury (UFMG) buscou um viés histórico para mostrar como a tentativa de implementar um Plano Nacional de Educação (PNE) remonta à Constituição de 1934, passando pelos anos 60 e posteriormente após a redemocratização e anos 2000, até a suposta garantia com a Lei de 2004. “O atual PNE foi feito com muita participação de professores, especialistas, associações e da sociedade. Mas infelizmente a história dos PNEs não é otimista, é uma história de fracassos”, atenta o pesquisador, salientando o processo de golpe político que parece colocar tal iniciativa histórica mais uma vez na gaveta.
Com o tema de Formação de Professores, Denise Trombert de Oliveira (UFMG) mostrou a importância do ProfBIO (Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional), que ocorre de norte a sul do país, mas que vem recebendo pressão do MEC para enxugamento de matrículas, além de equívocos de deixar o programa sob responsabilidade da diretoria de Educação à Distância da Capes, e não da diretoria de Educação Básica. Para a docente, o quadro atual tem forçado uma injusta competição entre iniciativas e gargalos de investimento. “Não se pode ter que escolher entre salário ou formação. É preciso reivindicarmos os dois”, defendeu. Com a fala sobre Inclusão e Diversidade, Rodrigo Ednilson de Jesus (UFMG) levantou questionamentos sobre a necessidade de desnudar quem são os incluídos e os excluídos da sociedade e das políticas públicas, descolonizando currículos, incluindo os diversos e adotando um financiamento afirmativo que reconheça as diferenças.
Na plenária final, coordenada por Eduardo Mortimer (UFMG) e pelos relatores Vera Lúcia Nogueira (UEMG), Marileide Cassoli (UFMG) e Luciano Faria Filho (UFMG), foram retomados os pontos que perpassaram as diferentes mesas ao longo do dia, buscando consensos, no entanto sem apontar respostas únicas, mas sim a colocando a necessidade de que os candidatos que almejam cargos no executivo e legislativo entrem num debate urgente para o país, que passa por pontos como a Lei de Teto dos Gastos, BNCC, reforma do Ensino Médio, a valorização da formação de professores, a complexidade das políticas educacionais e correlação com as demais políticas públicas, condições de trabalho e estrutura das escolas, planos de carreira, salário e formação, direito a creches, convênios e OAS, precariedade da educação em tempo integral, o avanço de políticas conservadoras e reacionárias, tensionamento por disputa de recursos, equívocos em programas e governança na Capes, reconhecimento dos sujeitos e privilégios e a necessidade de uma aproximação das escolas com a diversidade social e cultural do país.