Da operação Lava Jato ao novo modelo de precificação dos combustíveis que gerou a paralisação dos caminhoneiros em maio deste ano, nunca se falou tanto sobre Petrobras, pré-sal e a soberania do País no setor energético. Grandes nomes do setor energético debateram os desafios do pré-sal em mesa-redonda nessa terça-feira, 24, na 70ª Reunião Anual da SBPC, rememorando a história da descoberta valiosa em território nacional e alertando para os riscos que o Brasil está correndo no setor.
“Falar de pré-sal é falar da Petrobras. E falar da Petrobras é falar da construção da nossa soberania”, afirmou Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, logo na abertura de sua participação na mesa. Para Celestino, a Petrobras é a “âncora do desenvolvimento brasileiro” e seu caráter estratégico sempre foi pautado por ações de Estado e não de governo.
“(A consolidação da estatal) foi um esforço extraordinário e quero chamar a atenção de que esse esforço passou por uma série de governos e regimes. Porque o compromisso era com o País”, frisou. “E tudo isso enfrentando permanentemente os que diziam primeiro que o Brasil não precisava dessa indústria, depois que não tínhamos capacidade de explorar petróleo e, por fim, de que não havia petróleo no Brasil”, recordou Pedro Celestino, emendando que hoje esta estatal emprega mais de 800 mil pessoas.
O enfraquecimento da Petrobras não vem de hoje, na opinião do presidente do Clube de Engenharia. Segundo ele, os primeiros ataques à empresa surgiram na década de 1990, quando o governo Fernando Henrique Cardoso decidiu abrir o monopólio da exploração e paralisar a prospecção de petróleo. A retomada da companhia como grande potência na exploração de petróleo aconteceria apenas uma década depois, pela aposta do ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras Guilherme Estrella.
Foi Estrella quem bancou a tese da equipe de geólogos da estatal de que haveria petróleo explorável abaixo da camada de sal e convenceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a investir no projeto, de alto custo na época. “Cada poço custava US$ 100 milhões”, conta Celestino. E já na primeira tentativa encontrou-se o que chamamos de pré-sal.
Outro agente importante na história do pré-sal é Marinha do Brasil, uma vez que a maioria do nosso petróleo vem do mar. Conforme explicou o contra-almirante Sérgio Gago Guide, cabe à Marinha gerenciar a Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC), que é naturalmente propriedade do País sem necessidade de jurisdição externa nas explorações até 200 milhas da costa. Ocorre que o pré-sal trouxe um desafio nesta questão, uma vez que as reservas se estendem para além desse limite natural das divisas marítimas.
Para garantir que o Brasil pudesse explorar o pré-sal, a Marinha teve que entrar com pedidos nas Nações Unidas para que fosse reconhecida a propriedade nacional da extensão da LEPLAC para além dos limites pré-estabelecidos, argumentando que a nova área descoberta para exploração petrolífera nada mais era que a continuidade da plataforma já reconhecida como brasileira. “O pré-sal está exatamente nesta fronteira. Isso é muito importante porque o pré-sal podia não ser brasileiro. Dependeu desse trabalho da Marinha a garantia do direito de exploração nacional”, explicou o contra-almirante.
Nova riqueza
Na área energética, o mundo só teve duas grandes novidades recentes: o pré-sal e o shale oil (xisto), conta Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Relações Institucionais da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Eletrobras. Isso mostra a relevância da descoberta brasileira e a cobiça mundial pela exploração do pré-sal. Une-se a isso o alto índice de eficiência na exploração da camada pré-sal. Enquanto a exploração tradicional de poços de petróleo tem uma taxa média de 15% de sucesso, para cada 10 poços furados na camada pré-sal, em nove será encontrado petróleo com condições de exploração.
Tamanha reserva de petróleo e o potencial econômico que ela gera atraíram a cobiça de outras potências exploradoras mundiais. “O Oriente Médio é conflagrado desde os primórdios, por quê? Porque tem petróleo. Quem controla o petróleo tem o poder”, analisa Celestino. Pinguelli Rosa insinuou que os Estados Unidos podem ter influenciado o cenário político brasileiro com o intuito de manter-se na liderança da exploração do petróleo, bloqueando a expansão da Petrobras.
“Os Estados Unidos têm interesse nas mudanças políticas ocorridas no Brasil?”, questionou o diretor da Coppe. Ele citou logo em seguida um artigo publicado na revista The Economist neste ano que relatava que um dos pontos da Doutrina Carter já dizia que “os Estados Unidos se declaram no direito de intervir militarmente em países para garantir o suprimento de óleo” ao país.
Pinguelli também criticou os critérios usados pela Lava Jato e a destruição provocada pela operação na Petrobras. Para o diretor, a polícia federal visou apenas a estatal, que “cometeu erros, é verdade”, mas deixou deliberadamente de fora das investigações as concorrentes internacionais da Petrobras que operam no Brasil. “Empresas são todas muito parecidas. Se você procurar, acha problema. O que ocorreu é que a Lava Jato não procurou problemas nas empresas estrangeiras, só nas nacionais.”
Outro aspecto do cenário atual que incomoda Pinguelli é a política adotada pelo comando da Petrobras e pelo governo de precipitar a entrega dos campos de pré-sal para empresas estrangeiras ao mesmo tempo em que a cadeia produtiva da Petrobras está sendo estrangulada. “No momento, há um paradoxo: ao mesmo tempo em que se importa (produtos refinados do petróleo), há uma capacidade ociosa de 25% nas refinarias”, declarou. “No momento, 80% do diesel está sendo importado dos Estados Unidos”, complementou.
O processo de venda de ativos da Petrobras tem sido justificado como forma de pagamento de dívidas da estatal. Mas, para Pinguelli, este é outro paradoxo uma vez que a melhor forma de uma petrolífera gerar recursos para equilibrar suas contas é justamente explorando o petróleo. Sem contar que, segundo ele, a Petrobras fechou 2017 com R$ 80 bilhões em caixa, mais um dado que revelaria a incongruência dos argumentos que vêm sendo apresentados para desmontar a estatal.
Mariana Mazza – Jornal da Ciência