Neste mês recebemos cartas de socorro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, também, manifestações do presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Marcos Cintra, em vista dos enormes cortes das verbas governamentais previstos para investimento em ciência e tecnologia em 2019.
Apenas para mostrar um número real – mas todos os outros podem ser acompanhados em outros artigos do Jornal da Ciência -, o CNPq recebeu em 2018 um orçamento da ordem R$ 1,2 bilhão, e, agora, a previsão orçamentária para o próximo ano é de R$ 800 milhões! Um terço a menos. Espantoso, chocante… paralisante.
Há uma semana o presidente da Capes, Abílio Baeta Neves, e o Conselho do órgão informaram que, se mantida proposta orçamentária para 2019, as bolsas só poderão ser pagas até agosto de 2019. E esta semana, o presidente do CNPq diz que, com o orçamento apresentado pelo governo, não poderá honrar os investimentos em Ciência e Tecnologia – como os Editais Universais, os INCTs, etc..
O problema é muito amplo e envolve desde a educação até o mercado da inovação. Mantemos um processo de informações generalistas que mostra um TOTAL descomprometimento com a Ciência e o avanço do conhecimento. Uma total falta de entendimento de como o futuro deve ser pavimentado!
Certamente precisamos definir com mais clareza e objetividade as diferentes contribuições que nossas áreas podem trazer ao País. Os problemas de educação, ciência curiosidade, ciência disruptiva, ciência inovativa, inovações, inovações incrementais, tecnologias, aplicações e transferência para o grande público, quer através do mercado, quer através de outras formas distributivas, são tratados em forma conjunta e em ondas e pareamentos aleatórios. Ou melhor, formando-se conjuntos que possam interessar em um outro momento.
Há vários anos notamos uma desqualificação permanente da “ciência curiosidade”, que é a base de desenvolvimento de educação e de novas fronteiras do conhecimento. Não cabe aqui fazer um histórico, mas cabe lastimar que a classe dirigente pouco se importa com estas conquistas, porque é incapaz de entendê-las. O prosseguimento dos conhecimentos para as etapas seguintes depende de uma política constante de retroalimentação dos investimentos.
Enquanto a política da inconsciência científica continuar acontecendo, enquanto a ciência fim for mais importante que a ciência curiosidade, continuaremos a ver situações em que se garroteia completamente a ciência básica deste país, impedindo, por exemplo, os Editais Universais, que na realidade financiam grupos emergentes e grupos estruturados que buscam o novo, visto que os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) já tem como objetivo transformar o conhecimento em produto e não gerar o conhecimento.
A segurança e a prosperidade de um país são dependentes não só de sua capacidade de apropriação de conhecimentos, mas, principalmente, de sua capacidade de buscar horizontes novos. Parafraseando Camões, de “viajar por mares nunca dantes navegados”.
Esta é a mágica da “ciência curiosidade” – mágica que permite o que o progresso da Ciência pavimente o futuro de um país. Que os nossos governantes percebam a tempo que é preciso manter e ampliar o financiamento do futuro.
Sobre a autora:
Regina Pekelmann Markus é biomédica, professora titular do Instituto de Biociências (IB) da USP e membro do Conselho Deliberativo do CNPq e da SBPC