Museus do exterior têm acervo importante de peças coletadas no Brasil por naturalistas estrangeiros

Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência quer a repatriação desse material para recompor Museu Nacional

A recomposição do acervo do Museu Nacional deve passar pela repatriação de peças coletadas no Brasil por naturalistas estrangeiros. O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor do Instituto de Física da UFRJ, Ildeu de Castro Moreira, destaca que existem milhares de espécimes de plantas, animais e fósseis brasileiros em museus no exterior. Muitas coleções são superiores inclusive a algumas das destruídas pelo fogo.

– O Ministério das Relações Exteriores deveria ter uma atuação forte nesse sentido. Doações são bem-vindas, mas o Brasil deveria lutar pelo o que é seu de direito também – destaca o presidente da SBPC, que é especialista em história da ciência no Brasil.


É o caso, por exemplo, das coleções reunidas pelos naturalistas alemães Carl von Martius e Johann Baptist von Spix. Eles chegaram ao Brasil na comitiva da então princesa Leopoldina e de 1817 a 1820, exploraram do Rio de Janeiro à Amazônia. O trabalho dos dois está na base do conhecimento sobre a biodiversidade brasileira. É de Martius a obra fundadora de nossa botânica, a “Flora Brasiliensis”.

Hoje, milhares espécimes de Martius estão, principalmente, na Coleção Botânica Nacional, em Munique, na Alemanha, e no Jardim Botânico Nacional da Bélgica. Já espécimes de animais brasileiros coletados por Spix estão em sua maioria na Coleção Nacional de Zoologia da Alemanha, em Munique.

Moreira destaca ainda a coleção de borboletas coletada pelo inglês Henry Bates, que ganhou notoriedade como naturalista justamente pelos insetos levados da Amazônia. Ele passou 11 anos (de 1848 a 1859) na floresta com a missão de coletar espécimes para o Museu de História Natural de Londres. Levou daqui mais de 14 mil espécies de borboletas. Estão até hoje em Londres. No mesmo museu estão amostras coletadas no Brasil por Charles Darwin, durante a célebre viagem do “Beagle”, nos fundamentos da Teoria da Evolução.

Outra coleção é a do dinamarquês Peter Lund, considerado o pioneiro da paleontologia e da arqueologia no Brasil. Foi ele o primeiro a escavar e a coletar fósseis humanos e de animais extintos em Lagoa Santa (Minas Gerais), onde veio a falecer em 1880. Porém, em 1845, Lund doou a maior parte de sua coleção à Dinamarca, cujo Museu de História Natural abriga atualmente o acervo.

– Há muita coisa brasileira no exterior. Milhares de fósseis de peixes, répteis e outros animais extintos da Chapada do Araripe, por exemplo, estão espalhados em museus e nas mãos de colecionadores particulares – acrescenta o presidente da SBPC.


Ele diz que falta ao Brasil uma política nacional de patrimônio. A tragédia do Museu Nacional foi o desfecho trágico de uma negligência histórica das instituições brasileiras.

– A verdade é que o país nunca valorizou como deveria seu patrimônio. Temos que reconhecer que a própria UFRJ não dava e nunca deu a devida importância não apenas ao museu, mas a outras coleções importantes que possui – diz ele.

Ele acrescenta que a drástica redução de recursos dos últimos anos só veio a agravar um problema de décadas.

– O museu nunca foi prioridade, em instância alguma. Não deve ser visto como feudo deste ou daquele ministério, mas como um bem comum – frisa.

Na próxima semana, acontece no Museu do Amanhã uma reunião dos museus de ciência de todo o país. O Museu Nacional dominará as discussões. A reunião já estava prevista antes da tragédia, mas Moreira espera que contribua para o delineamento de uma política nacional de preservação do patrimônio.

O Globo