O Brasil precisa de políticas públicas que garantam financiamento, recursos e estabilidade para seu patrimônio cultural, histórico e científico, afirmaram os participantes da mesa-redonda que abriu a programação do 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), nesta terça-feira, 11 de setembro. O evento é realizado nesta semana, até o dia 15, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
A discussão originalmente seria uma celebração do aniversário de 200 anos do Museu Nacional, o mais antigo do País. Porém, com a catástrofe que levou às cinzas 90% do riquíssimo acervo da instituição, no dia 2 de setembro, o evento se tornou um momento de refletir sobre a situação atual e o futuro dos museus e centros de ciência em todo o País. “Temos que encarar essa nova realidade. E procurar meios de reconstruir esse museu e fazer com que ele e todos os museus do Brasil recebam o reconhecimento e investimentos necessários para cumprir sua missão social”, disse José Ribamar Ferreira, diretor presidente da ABCMC.
Ferreira disse que a notícia sobre a medida provisória, assinada pela Presidência da República nesta segunda-feira, 10 de setembro, que cria uma agência brasileira de museus (Abram) “com a finalidade de gerir instituições museológicas”, pegou todos de surpresa, e é preocupante. Segundo ele, a MP foi feita de forma “nebulosa”, sem qualquer discussão com a comunidade acadêmica e tira das universidades a autonomia de gerir seus patrimônios. “É um processo de desqualificação da universidade pública”, afirmou. Pela MP, a Abram deverá substituir o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), responsável pela administração de 27 instituições no País. A crítica à criação da Abram foi endossada pela plateia; muitos participantes se levantaram para manifestar repúdio à decisão do governo.
Paulo Knauss, diretor do Museu Histórico Nacional, acrescentou que este momento por que passa o País é triste e carece de uma reflexão que aponte caminhos para o futuro. “Quase todos os museus do País vivem o mesmo problema de falta de verbas, de estrutura, de apoio político e da sociedade. O que precisamos é de estabilidade. A tarefa de cuidar do patrimônio é diária. Por isso, são necessários investimentos perenes”, disse.
Knauss ressaltou a nobre missão desse tipo de instituição, que é a “dedicação à construção do conhecimento, o espírito do colecionismo”. “A boa coleção é aquela que é capaz de expressar o processo de construção do conhecimento. Por isso, o Museu Nacional sempre será vivo. Ele é muito mais que as coleções que foram perdidas”, afirmou.
Quando aconteceu o incêndio, o Museu Nacional estava para receber um financiamento de R$ 21 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), justamente para reformas estruturais. “Foi um trabalho árduo para aprovar o projeto. Este foi o segundo maior valor de apoio que o BNDES aprovou para patrimônio, perdendo apenas para a Biblioteca Nacional. E, infelizmente, não se concretizou”, contou Luciana Gorgulho, chefe do Departamento de Economia da Cultura do banco.
Gorgulho disse que o momento não é de apontar culpados, mas, sim, de refletir sobre as causas estruturais do País. “Só assim conseguiremos avançar. (Espero) Que o que aconteceu com o Museu Nacional possa, ao menos, trazer um pouco de reflexão e prioridade para a questão do patrimônio nacional”, disse.
Ainda muito abalado com a tragédia, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, reforçou que mudanças são necessárias na forma como o País trata seu patrimônio: “O BNDES foi o primeiro a dispensar um recurso mais vultuoso para o Museu Nacional”.
Kellner afirmou que se empenhará pela reconstrução da instituição e disse que a participação do público geral nesse processo é fundamental. “O Museu Nacional vive”, bradou, reforçando o mote da campanha de mobilização social criada para o compartilhamento de imagens do acervo feitas por feitas por visitantes do Museu (#museunacionalvive).
O cientista agradeceu todo o apoio que vem recebendo, no País e em todo o mundo, para que seja possível reerguer o Museu, porém, ressaltou que é preciso que o governo se comprometa com implementar políticas que garantam recursos contínuos e adequados. “A gente precisa de acervo. Mas não basta pedir isso. A gente precisa oferecer as condições necessárias para abrigar esse acervo”.
Cenário político preocupante
O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, também defendeu a necessidade de mobilizar esforços pela reconstrução do Museu Nacional e lembrou que a SBPC, a ABC e quase uma centena de entidades científicas do País lançaram um manifesto em defesa dos patrimônios histórico e científico do Museu Nacional, com sugestões de medidas urgentes para reconstrução do Museu e sobre a necessidade de medidas e políticas para preservação e estudo do patrimônio cultural, científico e histórico brasileiro.
Sobre as duas Medidas Provisórias promulgadas pela Presidência da República ontem – a MP 850, que cria a Abram, e a MP 851, que permite a criação de fundos patrimoniais e estimula doações privadas para projetos de interesse público nas áreas de educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente, assistência social e desporto -, o presidente da SBPC declarou que as instâncias da SBPC estão discutindo seus conteúdos e estão também debatendo com outras sociedades científicas uma manifestação a ser divulgada proximamente. Mas fez uma crítica preliminar, afirmando que tais questões importantes deveriam ser discutidas antes com as instituições envolvidas, com a comunidade científica e acadêmica e com os profissionais da área, e não por meio de medidas provisórias ” feitas no apagar da luz de um governo com baixíssima aprovação.”
Moreira ressaltou que é imperativo compreender e atuar sobre o momento político grave que o País está vivendo. “Para pensar no futuro, temos que pensar nos desafios que enfrentamos agora”, disse, destacando que na última semana foi divulgada a proposta de lei orçamentária anual para 2019 (PLOA 2019) com um cenário ainda mais preocupante para o setor de CT&I nacional.
“Nosso país tem recursos, mas não tem decisão política para aplicá-los onde seria mais adequado. O quadro de desmonte que estamos vivendo – três anos consecutivos de cortes profundo no orçamento – é dramático”, alertou.
Moreira disse ainda que é necessário que a comunidade científica esteja unida para conseguir reverter esse cenário. Além disso, ele ressaltou que é preciso também que haja uma atuação mais efetiva junto aos candidatos das próximas eleições, em defesa de políticas públicas de longo prazo mais adequadas para o setor.
Pensando em promover essa comunicação mais construtiva com o futuro governo, a SBPC lançou na semana passada o Observatório das Eleições 2018, site hospedado no portal da entidade onde são divulgadas as propostas da comunidade científica para politicas públicas para educação, ciência e tecnologia bem como os compromissos dos candidatos com essas questões. “Não defendemos candidatos, mas lutamos por políticas públicas. Temos que fazer essa cobrança política. E, depois, acompanhar para ver se essas propostas serão, de fato, implementadas”, ponderou.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência