Cerca de 60 representantes das Sociedades Científicas Associadas à SBPC se reuniram na última quinta-feira, 14 de março, na sede da entidade para avaliar o momento atual da ciência no País, discutir a atuação destas entidades e os pontos prioritários a serem levados ao ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes. A necessidade de recuperação orçamentária imediata da área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), em particular para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), foi apontada como urgente. Está prevista para as próximas semanas uma reunião do ministro com representantes da comunidade científica e tecnológica.
O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, abriu a reunião fazendo um balanço da grave situação do Sistema Nacional de CT&I, afetado por paulatinos cortes orçamentários nos últimos anos e também por restrições burocráticas exageradas. “O ministro Marcos Pontes está empenhado nesta recuperação orçamentária, mas é papel de nossas entidades exercer pressão permanente junto ao governo federal, aos governos estaduais e ao Congresso Nacional, ou as coisas não caminharão de forma adequada. Temos de reforçar neste momento a questão da recuperação dos recursos, além de abordarmos outras questões importantes. Não podemos deixar de alertar que o CNPq está em uma situação crítica. A instituição está também com um número de servidores muito reduzido e com problemas sérios em suas plataformas. Não podemos também nos calar diante do fato que 80% dos recursos do FNDCT para CT&I estão congelados (em Reserva de Contingência), como reclamamos também com os governos anteriores”, afirmou.
Segundo Moreira, o MCTIC conta neste ano com cerca de R$ 4,4 bilhões em recursos para custeio e investimento (o orçamento movimentável). “Continuamos num patamar muito baixo”, disse. Ele também chamou a atenção para a situação das agências de fomento. Segundo apontou, o CNPq precisa de um aporte de R$ 300 milhões para garantir o pagamento das bolsas após outubro. “Isso sem falar que as bolsas não tiveram reajuste algum nos últimos seis anos”, ressaltou.
Quanto à Capes, Moreira alertou que o orçamento ficou praticamente no mesmo patamar do ano passado, igualmente insuficiente para as demandas da área. Para o presidente da SBPC, outro quadro crítico é o da Finep, cujo orçamento é definido pela arrecadação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “A União está recolhendo R$ 4,2 bilhões dos setores econômicos, mas R$ 3,4 bilhões foram colocados na Reserva de Contingência – só 900 milhões ficarão disponíveis para o FNDCT, que está muito debilitado,” disse.
A situação das Fundações de Amparo também foi apontada como preocupante. Moreira alertou que algumas FAPs estão em situações críticas, como a Fapemig (de Minas Gerais), que suspendeu as bolsas de iniciação científica recentemente. “Em vários outros estados as FAPs se encontram em situações difíceis, como no Rio de Janeiro. Existem também movimentos para o não cumprimento ou para a alteração dos recursos orçamentários a elas destinados. É importante que as nossas entidades atuem de forma conjunta na defesa dessas Fundações, porque elas são importantes e representam cerca de um terço dos recursos de investimento para CT&I”, conclamou.
Outro ponto importante mencionado para 2019 será a atuação da comunidade científica junto ao Congresso Nacional, em particular para a aprovação do PLS 315, que transforma o FNDCT em fundo financeiro, e do projeto de lei que destina 25% dos recursos do Fundo Social do Pré-sal para a CT&I. A SBPC e outras entidades nacionais estão criando a Iniciativa da CT&I junto ao Parlamento para uma atuação constante no Congresso. Serão debatidas também questões de ordem legal e burocrática, que têm dificultado a realização de pesquisas, como o Decreto da Biodiversidade.
Outro ponto a ser levantado junto ao Ministro será o compromisso do governo, firmado durante as eleições com a comunidade científica, de aumentar o percentual do PIB nacional a ser investido em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para 3%. Estas entidades estão solicitando também a realização de uma reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) para que as grandes questões da política de CT&I no País sejam discutidas em escala governamental maior.
Prioridades
Eduardo Colombar, da Sociedade Brasileira de Fisiologia (SBFis), corroborou a urgência de sanar a crise orçamentária do CNPq. “Existem projetos que foram aprovados por mérito e prioridade e que correm risco de não conseguir orçamento. Precisamos reforçar que o desenvolvimento de pesquisas no País é inviável sem melhoria do financiamento ao CNPq”, disse. Segundo ele, a SBFis realizará em breve um fórum para dar continuidade a essa discussão.
Reinaldo de Carvalho, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), ponderou que a questão orçamentária já está sendo tratada pelo ministro, e que é mais importante debater projetos estruturantes com a Pasta. “É importante levar estratégias de projetos para o futuro, discutir a implementação de uma política maior”, defendeu.
Giovandro Marcus Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), também destacou a importância de discutir projetos mais amplos. “Temos de ampliar o olhar deles para ciência e tecnologia. Os encontros iniciais deveriam discutir pontos que possam evoluir para propostas estruturantes. Isso demandará uma mobilização de nossas sociedades científicas: quais projetos podem nos unir?”, propôs.
O presidente da SBPC respondeu às ponderações de Carvalho dizendo que a SBPC e a ABC têm sempre, nos últimos anos, discutido e encaminhado propostas de políticas públicas mais gerais de CT&I e de programas mobilizadores estratégicos para o País, tanto junto aos governos, no CCT, nas diversas audiências organizadas no Congresso Nacional e nos documentos e debates realizados com os candidatos nas últimas eleições. As entidades da comunidade científica participaram ativamente na produção do Livro Azul da IV Conferência Nacional de CT e na formulação da Estratégia Nacional de CT&I 2016-202. “Acontece que estas propostas não têm sido consideradas pelos governos e não temos tido força política para que sejam implementadas”, afirmou. Para ele esta é uma ação importante e que deve continuar a ser feita ainda com maior intensidade, como coloca o presidente da SAB, mas afirmou que não se pode abrir mão de lutar com intensidade, neste momento, para a recuperação da situação financeira da ciência brasileira, que passa por momento crítico. Ele propôs, e foi aceito pelos representantes presentes, a criação de uma comissão entre as entidades para analisar propostas de políticas mais amplas de CT&I e de projetos estratégicos e estruturantes para a ciência brasileira.
A presidente da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), Ana Regina Rêgo, chamou a atenção para a necessidade de também conquistar o apoio de toda a sociedade para pressionar o governo sobre a importância da ciência para o desenvolvimento do País. “O apoio da sociedade é muito importante, precisamos de um projeto de comunicação aliado à educação para conscientizar sobre o papel da ciência e do ensino superior”, disse.
Regulação
As questões que envolvem os impedimentos burocráticos ao desenvolvimento de pesquisas no País foram bastante destacadas no encontro. Alguns participantes, por exemplo, manifestaram a necessidade de solicitar que o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) seja transferido para o MCTIC. Para Norberto Peporine Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que abriga o Conselho atualmente, está muito fragilizado.
Quanto à redução de impedimentos burocráticos à pesquisa, como o novo decreto da Lei de Acesso à Biodiversidade e Conhecimentos Tradicionais, a diretora da SBPC, Lucile Floeter Winter, afirmou que há uma luta para que o decreto (Decreto No. 8772/2016) ganhe uma nova redação. “A lei não pode mudar agora. Mas estamos tentando uma nova redação do decreto, para que se ajuste para às demandas da comunidade científica, mas que também atenda à indústria”, disse. “Necessitamos de mecanismos mais ágeis dos que temos hoje. Resoluções Normativas (RNs) editadas acabam confundindo os pesquisadores; um novo decreto deve incorporar o avanço nas RN’s e facilitar o preenchimento do cadastro com informações realmente relevantes”, reforçou.
Luís Fábio Silveira, representante da Associação Brasileira de Zoologia e do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), também concordou que é necessária a revisão do decreto, por conta do impacto que tem sobre a pesquisa no País.
Ana Paula Lepique, vice-presidente da Sociedade Brasileira Imunologia (SBI), destacou a importância de desburocratizar o trabalho do pesquisador. “Ainda enfrentamos muita burocracia para adquirir um equipamento ou reagentes. A questão burocrática deve ser endereçada de forma bem incisiva”, ressaltou.
“Já discutimos essas preocupações com o ministro Marcos Pontes, de refazer o decreto. Levaremos a proposta de que o Decreto da Biodiversidade seja revisto e a sugestões de que o CGen seja transferido para o MCTIC, já que outros conselhos similares, como Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal) e CCT (Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia), são da responsabilidade do MCTIC”, disse o presidente da SBPC.
No âmbito das regulações, Moreira ressaltou no encontro a necessidade de implementação do Marco Legal da CT&I nos estados e de comunicação com as universidades para que utilizem esta ferramenta legal. “Alguns estados já estão implementando, como o Rio de Janeiro, mas mesmo nesses estados, existem universidades e instituições que ainda não adotam as novas regras legais”, disse.
Uma Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento
Outro ponto apresentado no Fórum Permanente das Associações Afiliadas à SBPC foi a criação de um tipo de observatório da CT&I no Congresso Nacional, que está sendo denominado de Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento. O objetivo do projeto é ampliar a atuação da comunidade científica junto aos congressistas para agilizar projetos que favoreçam as áreas de CT&I e educação. “A ideia é termos uma presença mais forte entre os parlamentares”, explicou Moreira, que esclareceu que a iniciativa é da comunidade científica, da sociedade civil.
Segundo o presidente da SBPC, já há um cronograma de eventos para esse ano para apresentar a iniciativa aos parlamentares. Ele pediu ainda a colaboração das sociedades associadas para apontarem projetos que mereçam atenção para entrar na pauta. “É fundamental que vocês nos alimentem com informações de interesse”, disse.
O ex-deputado e ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso Pansera, que é um dos articuladores da iniciativa, defendeu que essa presença é necessária para que os parlamentares se conscientizem da importância de CT&I e facilitem a proposição de projetos na área. “Se temos um Congresso consciente, fica mais fácil debater essas questões. Queremos criar uma cultura de ciência no Parlamento”, explicou.
A ideia não é criar um organismo burocrático, mas ter uma equipe com um comitê executivo, vinculado às principais instituições da área, dentre elas a a SBPC, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti), que ajudem a definir estratégias. “Essa iniciativa busca uma participação permanente e mais inclusiva para discutir políticas de maior envergadura”, finalizou.
Desvinculação de orçamento
Quanto à proposta em discussão no governo de desvincular do orçamento geral da União a educação e a saúde, os participantes manifestaram preocupação. A desvinculação acabaria com a obrigação de que União, Estados e municípios destinem um porcentual de sua receita (entre 12% a 25% dependendo do ente federativo) para essas áreas.
Para o vice-presidente da SBPC, Carlos Roberto Jamil Cury, essa desvinculação pode acarretar sérias consequências. “Sempre que tivemos governos autoritários, tivemos desvinculação e foi um desastre. Precisamos olhar para o passado. Isso pode ter efeitos piores que a Emenda Constitucional 95 (do teto de gastos)”, disse.
Miriam Fábia Alves, secretária da Anped, salientou que tal desvinculação impactará na formação de toda uma geração. “Isso será uma avalanche sem fim. Algo dessa natureza seria um crime”.
A sugestão do presidente da SBPC foi que se faça uma manifestação geral, de todas as entidades, com a finalidade de colocar a gravidade dessa proposta para o Governo Federal e o Congresso Nacional. Foi definida uma comissão entre as entidades para que seja redigido um documento que traduza esta preocupação de todos.
Ainda no Fórum foi recomendada a realização de um balanço dessas propostas e dos primeiros seis meses do novo governo durante a 71ª Reunião Anual da SBPC, que acontece entre os dias 21 e 27 de julho, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. “Essa Reunião vai ser importante nesse momento crítico político do País. As universidades e as entidades científicas precisam se articular e participar das discussões. Tudo o que temos discutido, precisamos colocar em prática”, concluiu Ildeu Moreira.
Vivian Costa – Jornal da Ciência