José Wille – O senhor nasceu em 1918 e foi seu avô, em Boa Esperança, em Minas Gerais, que fez despertar no senhor o interesse pela ciência?
Newton Freire Maia – Eu tive grande influência dele até os meus doze anos, quando ele faleceu. Três anos depois, descobri a ciência. Eu estava fazendo o ginásio em Varginha, uma cidade vizinha, e fui visitar um amigo que ia ser operado de apendicite. Vi o médico mostrando para o pai deste colega uma radiografia do abdômen, mostrando os trechos do tubo digestivo e o apêndice, que seria operado. E eu, então, descobri que tinha estudado isso há dois ou três meses. E fiquei encantado em saber que aquilo que eu estudava no terceiro ano de ginásio servia para um médico na hora da cirurgia. Aquilo me deu interesse em estudar o corpo humano. A minha primeira paixão foi biologia. Eu voltei para o ginásio – era interno – e estudei de novo aquilo que eu já tinha esquecido. Até então, eu estudava para passar, mas, daquele dia em diante, passei a estudar por prazer. No dia seguinte, pedi a um colega mais adiantado o seu livro emprestado para estudar. De maneira que a minha primeira paixão foi o corpo humano e, dentro dele, o tubo digestivo.
José Wille – O seu avô, que era farmacêutico no interior de Minas Gerais, tinha interesse pela ciência. Foi uma influência muito importante.
Newton Freire Maia – Isso. Eu o chamo de cientista amador. Os cientistas em geral amam uma ciência. O meu avô, não – amava todas as ciências! Eu via que, durante o dia, ele podia estar estudando botânica ou microbiologia e, à noite, ele ia para um beco escuro que havia lá e ficava examinando os astros, as galáxias etc. A paixão dele era por todas as ciências.
José Wille – O seu pai também teve um papel importante, pois fazia questão que o senhor fizesse um curso superior…
Newton Freire Maia – A influência do meu pai foi extraordinária, porque ele me mandou estudar fora numa época em que era caro. E nós não éramos ricos, éramos da classe média.
José Wille – O senhor foi cursar Odontologia?
Newton Freire Maia – Eu fui fazer ginásio primeiro. Mas, depois de muito quebra-cabeça, eu acabei fazendo Odontologia, porque ele dizia “No Brasil, é preciso tirar um curso superior.” Então, como havia perto uma outra cidade chamada Alfenas, que tinha um curso superior de Odontologia, fui lá e fiz o curso. Mas a minha paixão já era genética.
José Wille – Começando pelo curso de Odontologia, em que momento o senhor se tornou um cientista?
Newton Freire Maia – Quando fui cursar Odontologia, a minha paixão era genética, que começou um ano depois daquele problema de apendicite do meu colega. Um professor me emprestou um livro de biologia geral e descobri que havia nele uma parte de genética. Ao estudá-la, surgiu a minha paixão por ela.
José Wille – Genética era uma coisa pouco falada naquela época?
Newton Freire Maia – Muito pouco falada! Não era falada como hoje – a época dos clones etc. Era uma ciência de segunda categoria. A genética, aliás, tinha nascido havia um século. Era ainda muito nova.
José Wille – Curiosamente, são três irmãos cientistas na sua família.
Newton Freire Maia – Três irmãos. Um deles veio trabalhar comigo aqui e se tornou geneticista também. O outro foi completamente independente. Ele fez Medicina em Belo Horizonte e, no meio do curso, apaixonou-se por Fisiologia. Então, temos dois geneticistas e um fisiologista na irmandade de sete.
José Wille – Em 1946, o senhor foi para a Universidade de São Paulo. Começou lá o trabalho em laboratórios de genética, especificamente?
Newton Freire Maia – Isso. Quando fui fazer Odontologia, eu tinha contato com o grupo de genética da USP. Eu já conhecia até o professor-chefe do departamento. Em uma vez que estive lá, em 1945, ele me convidou para ir trabalhar com ele. Pedi-lhe que repetisse o convite no ano seguinte, pois eu estava terminando o curso de Odontologia. Então, tendo me formado, em 1946, fui para São Paulo e comecei a trabalhar em genética. Aí, fiz vestibular para a USP e consegui fazer uma disciplina que tinha genética. Quando terminei essa disciplina, me deram a obrigação de lecionar genética no curso. Eu, recém-formado em Odontologia, dando aula de genética na USP!
José Wille – Como o senhor deixou a Universidade de São Paulo e acabou vindo para Curitiba, no começo da década de 1950?
Newton Freire Maia – Um dos professores da Universidade Federal do Paraná costumava ir a São Paulo mais ou menos de seis em seis meses. Ele me disse que não havia um centro de genética na universidade e perguntou se eu não gostaria de ir para lá. No fim de 1950, o professor Homero Braga, o catedrático de Biologia Geral da Universidade Federal, foi a São Paulo e acertou comigo a minha vinda. Em 1951, assinei o meu primeiro contrato com o professor Flávio Suplicy de Lacerda, reitor da universidade. E, em abril daquele ano, vim para cá com a família.
José Wille – Que imagem o senhor guarda da Universidade Federal do Paraná na década de 50, no momento em que começavam a consolidação e a federalização da universidade?
Newton Freire Maia – A Universidade Federal do Paraná, nesta época, chamava-se Universidade do Paraná. Ela era federal, mas não tinha esse nome. E, obviamente, não era o que é hoje. A universidade cresceu de forma extraordinária nestes 47 anos em que estou aqui. Tornou-se uma grande universidade – basta ver o nosso departamento de genética. Quando eu vim para cá, não havia professor e nem pesquisa de genética. Hoje, no nosso departamento, temos por volta de 24 professores de genética, fora secretários, ajudantes de limpeza etc.
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