Contingenciamento pode fazer com que orçamento em pesquisa recue 10 anos

Estimativa é de presidente da SBPC; Pesquisadores consideram que decisão do MEC de contingenciar recursos até setembro pode gerar 'vácuo científico'

Para além do debate político – e até semântico – sobre o bloqueio de recursos para universidades anunciado recentemente pelo Ministério da Educação, o que preocupa, de fato, pesquisadores em todo o país é o real impacto do contingenciamento de 30% na verba de custeio das federais, que pode levar à interrupção de atividades laboratoriais.

Sem saber se, até setembro, quando vai durar o bloqueio dos recursos, haverá garantia de infraestrutura básica em laboratórios, como água, energia elétrica, limpeza e umidificação do ar, pesquisadores temem perder milhões de reais investidos nos últimos anos em insumos para suas pesquisas.

Isso implicaria um vácuo científico em áreas que vão desde os estudos sobre febre amarela e outras doenças tropicais, a tratamentos para Alzheimer, investigações sobre mudanças climáticas e impactos na agronomia.

“Se você descontinua o recurso, você compromete uma pesquisa que vem sendo feita há décadas e que você não pode retomar nunca mais”, explica Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em entrevista ao HuffPost Brasil.

“Se você não mantiver o equipamento, ele se deteriora e acabou. Pesquisas que acompanharam ao longo de anos a evolução de epidemias, por exemplo, podem ser interrompidas abruptamente.”

 

Cortes paralisam estudos sobre a febre amarela

Taíssa Rodrigues é coordenadora da pós-graduação em Ciências Biológicas da UFES. O seu programa é um dos que já foram afetados pelo corte de bolsas para pesquisadores. Agora, a cientista teme que, sem a verba de custeio, anos de dedicação possam ir por água abaixo.

“Trabalho em laboratórios que abrigam coleções científicas de espécies de animais de todo o Brasil e do mundo. Essas coleções precisam de uma infraestrutura mínima para que não sejam atacadas por pragas e mofos”, explica em entrevista ao HuffPost Brasil.

Segundo a coordenadora, a manutenção desses espaços exige corrigir problemas de vazamentos e manter os aparelhos de ar condicionado e umidificação do ambiente funcionando.

As coleções de DNA, por exemplo, são mantidas em freezers específicos, e o corte na verba de custeio da universidade deve impactar diretamente no orçamento para o acondicionamento do material.

“Se a luz cai, esses materiais descongelam e a gente perde tudo. Perder esse material não significa somente ter que refazer algum trabalho. Há casos em que isso pode gerar um vácuo nos estudos que não podem ser repostos”, explica a pesquisadora.

Entre as coleções estudadas por Rodrigues e seus colegas na UFES estão materiais agregados sobre os surtos de febre amarela no País.

Na universidade, existem mais de 25 mil exemplares de mosquitos congelados em recipientes de nitrogênio líquido que poderão ser usados em análises para entender melhor o ciclo da doença. No entanto, apesar do vasto acervo, a pesquisa corre risco de perder o financiamento.

“A gente não pode perder o investimento que já foi feito até agora. Seria um desperdício tanto no dinheiro que é colocado na infraestrutura, quanto nas bolsas dos alunos que estão se dedicando nos últimos anos para entender melhor o que aconteceu”, diz Rodrigues.

 

Interrupção em pesquisas afeta desenvolvimento do Brasil

Para a professora Maria Emilia Walter, decana de Pesquisa e Inovação da Universidade de Brasília (UnB), os impactos em pesquisa vão muito além dos laboratórios.

“Esses estudos que estão em andamento têm aplicações práticas na própria sociedade. Se não existir pesquisa, não existe inovação no País”, defende.

Atualmente, o Brasil ocupa a 13ª posição no ranking mundial de publicações de pesquisa.

De acordo com dados da Clarivate Analytics, foram mais de 250 mil artigos produzidos entre 2011 e 2016, e as áreas mais estudadas foram medicina clínica, ciência de plantas e animais, ciências agrárias, química, física e engenharia.

“A geração de conhecimento dentro das universidades é o princípio de tudo”, afirma Walter. “Se antes a gente já tinha um enorme esforço para transferir o conhecimento que é gerado nas universidades para a sociedade, sem o investimento, é quase impossível. Isso vai resultar em um impacto não só no ensino superior, mas no desenvolvimento de todo o País.”

Na UnB, o corte da verba em infraestrutura atingiu, principalmente, as pesquisas que dependem de laboratórios.

“Somos referência em pesquisas na biologia, química, geologia. Se a gente não consegue pagar a energia, até consegue manter um gerador por algumas horas. Mas se tiver um impacto estrutural, a gente pode perder milhões em insumo por falta de coisas tão básicas quanto água e energia elétrica.”

Contigenciamento pode fazer com que orçamento recue 10 anos

Segundo o presidente da SBPC, o bloqueio das verbas para o MEC não é o único fator que preocupa quem está assustado com o futuro da ciência no País.

No início de abril, o governo federal também anunciou o congelamento de 42% das despesas de investimento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e, de acordo com Moreira, o tamanho do recurso bloqueado pode fazer com que o orçamento investido em pesquisas recue 10 anos.

“Esse corte abrupto tanto para o MEC quanto para o Ministério de Ciência e Tecnologia é um tiro no pé do governo brasileiro”, afirma. “No mundo inteiro, a ciência e a tecnologia são ferramentas para sair da crise. E por aqui, o que nós fazemos?”, questiona.

O presidente da SBPC explica que a Ciência tem enfrentado movimentos de oscilação em investimento desde a década de 50 mas, desde 2014, a situação é cada vez mais negligenciada.

“Mesmo durante a Ditadura Militar, houve um maior ciclo de valorização e programas de fortalecimento da pesquisa do que nesses últimos anos”, diz.

A avaliação de Moreira é que o cenário já havia piorado com a aprovação da PEC do Teto de Gastos em 2016, que tem como objetivo evitar que o gasto público cresça mais que a inflação do País e limita os investimentos em Educação.

“Se, no ano passado, o orçamento para tecnologia e ciência era de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões, ele caiu para R$ 3 bilhões esse ano. E o orçamento do ano que vem é pautado pelo que é executado em 2019. Ou seja, vamos para um patamar que é quase 1/3 do que tínhamos 10 anos atrás. Isso é catastrófico, é desalentador.”

Para o presidente da SBPC, muito do que é feito nos laboratórios acaba tendo uma repercussão econômica que supera o investimento destinado às instituições científicas.

“Veja o caso do pré-sal. Como foi descoberto? Foram geólogos, físicos e cientistas que acreditaram e fizeram o estudo. A mesma coisa no agronegócio. Com a análise do solo, plantações de soja e o uso do cerrado. Você precisa da ciência e tecnologia embutida nas decisões econômicas, mas isso não é visto por todo mundo.”

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