Em 1919, Albert Einstein era um físico teórico conhecido apenas entre seus pares. Já havia publicado, catorze anos antes, em 1905, com apenas 26 anos, seus quatro famosos artigos – sobre o efeito fotoelétrico, o movimento browniano, a relatividade especial e a equivalência de massa e energia -, por isso conhecido como “ano miraculoso”, e já havia presidido, entre 1916-18, a Sociedade Alemã de Física. Mas a fama de cientista mais famoso de todos os tempos aconteceu somente depois que a observação de um eclipse solar confirmou sua Teoria da Relatividade Geral, causando uma revolução na física moderna. E foi no Brasil, na pequena cidade de Sobral, no interior do Ceará, que as fotografias decisivas desse fenômeno foram tiradas.
“O eclipse solar de 1919, observado em Sobral, aqui no Brasil, contribuiu para que Einstein se tornasse um cientista muito conhecido e para que sua Teoria da Relatividade Geral fosse consolidada. Esta é a teoria aceita atualmente pela ciência para a descrição do Universo e do movimento dos astros”, comenta o físico Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Em 1911, Einstein previu que a luz se desvia ao passar próxima de um corpo celeste com massa grande, como o Sol. Quatro anos depois, em 1915, fez um novo cálculo desta deflexão de acordo com sua nova Teoria da Relatividade Geral. Basicamente, a teoria explica que à medida que a luz passa por um campo gravitacional forte, essa luz faz uma curva ao invés de seguir um caminho reto, como se imaginava. Segundo explica o astrofísico e historiador de Einstein, Daniel Kennefick, o conhecimento sobre a deflexão da luz é uma parte muito importante da astronomia hoje, mas em 1919 esta era uma ideia nova.
O encurvamento do raio luminoso proveniente de uma estrela, quando passa próximo do Sol, já havia sido previsto um século antes com base na teoria de Newton, acrescenta Ildeu Moreira: “Em 1911, e independentemente, Einstein chegou à mesma previsão. Ele propôs aos astrônomos que a deflexão da luz poderia ser medida em um eclipse solar total, por meio de fotografias de estrelas cuja luz passasse na borda do Sol, comparadas com fotos das mesmas estrelas quando o Sol não estivesse mais na frente delas.”
Em 1912, foi feita a primeira tentativa de fotografar o fenômeno, em uma expedição ao Sul de Minas, no município de Cristina, dirigida por Charles D. Perrine, então diretor do Observatório Nacional da Argentina. Mas choveu todo o tempo e nada foi medido. Perrine, na ocasião declarou: “Nós sofremos um eclipse total ao invés de observar um”, conforme conta Kennefick.
O mundo em guerra
Uma nova tentativa foi registrada em 1914. Erwin Finlay-Freundlich, um astrônomo alemão, achou que teria a sua oportunidade de testar a teoria de Einstein, pois estava previsto um eclipse na Crimeia (Rússia). Foi Einstein quem levantou fundos para suas despesas, e o Observatório Lick, da Califórnia (EUA), emprestou o equipamento. Em agosto, Finlay-Freundlich foi para a Rússia, com tudo pronto para registrar o eclipse. Mas foi justamente naquele mês que a I Guerra Mundial estourou. “O astrônomo era um alemão, viajando para a Rússia, um país inimigo. E ele foi preso antes do eclipse. A equipe norte-americana que o acompanhava voltou às pressas, mas o equipamento foi confiscado. Dessa vez não foi o mau tempo que atrapalhou o teste da teoria”, destaca Kennefick.
Por conta da apreensão desses equipamentos, o astrônomo norte-americano William Wallace Campbell também perdeu a chance de fazer o experimento em 1918, nos Estados Unidos. A equipe do Observatório Lick ainda não havia recuperado o equipamento com a Rússia, e, conforme conclui Kennefick, “sem as ferramentas apropriadas, eles não conseguiram fazer as observações.”
Enquanto aguardava um teste adequado, Einstein seguiu aprofundando sua teoria, e, em 1915, chegou à Teoria da Relatividade Geral, baseado na ideia de que a gravitação resulta da alteração da geometria do espaço-tempo pela presença da matéria. “A matéria diz ao espaço-tempo como se curvar e a geometria do espaço-tempo diz à matéria como ela deve se mover. Ele previu que a luz das estrelas, ao seguir a trajetória mais curta no espaço-tempo, sofreria uma deflexão nas vizinhanças do Sol por um valor que seria o dobro do previsto na teoria newtoniana: o ângulo de deflexão deveria ser aproximadamente 1,74 segundos de arco”, segundo explica Moreira.
O eclipse ideal
A observação que levou à confirmação da teoria de Einstein seria finalmente feita em 29 de maio de 1919, pouco depois do fim da I Guerra. Os ingleses organizaram duas expedições para observar o fenômeno: uma dirigida por Arthur Eddington, para a Ilha do Príncipe, próxima à África, e outra para o Brasil, em Sobral, com os astrônomos Charles Davidson e Andrew Crommelin.
Segundo consta, Charles Davidson tinha um perfil incomum: não tinha diploma universitário; ele trabalhava no Observatório de Greenwich como um computador – naquela época não haviam computadores eletrônicos. Mas ele era também expert em telescópios e instrumentos.
Andrew Crommelin era um astrônomo irlandês, expert em cometas, mas não tinha expertise na área relacionada ao eclipse e às previsões de Einstein. “Ele foi escolhido porque eram poucas as pessoas que poderiam vir naquele momento pós-Guerra. Para dar um exemplo, Eddington também não levou ninguém de seu próprio observatório. E o motivo foi que todos os seus assistentes morreram no conflito”, conta Kennefick, que acredita que Crommelin tenha sido convidado no último minuto porque não havia mais ninguém. “Mas foi ele quem operou o equipamento que tirou as fotos decisivas”, ressalta.
Kennefick afirma que o eclipse de 1919 foi o melhor eclipse solar para testar a Teoria de Einstein de todo o Século XX: “A razão é simples: naquele 29 de maio, o Sol estava no campo de Híades, o grupo de estrelas mais próximo da Terra. Então haveria um extraordinário número de estrelas brilhantes próximas ao Sol naquele momento.”
Os astrônomos britânicos concluíram que esta seria uma excelente oportunidade para testar a teoria de Einstein, e decidiram fazer as observações. “Mas o plano deles tinha um problema. O mundo ainda estava em guerra. Eles continuaram com o projeto, torcendo para que a guerra terminasse antes daquela data”, conta o astrofísico irlandês.
E foi por muito pouco: a I Guerra acabou oficialmente em 11 de novembro de 1918. “É importante lembrar que eles eram britânicos que iriam testar uma teoria de um cientista alemão. Havia muita hostilidade. Mas eles também viram nisso uma oportunidade de mostrar que a ciência está acima desses conflitos. Que a ciência é sobre a busca pela verdade”, ressalta Kennefick.
Ildeu Moreira conta que foi Henrique Morize, que na época era diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, quem apontou Sobral como ponto de observação no Brasil. “Ele propôs Sobral como a melhor localização para a observação no continente. E os cientistas britânicos aceitaram a sugestão porque confiavam nele e nas informações que enviou”, afirma.
O astrônomo brasileiro ficou encarregado de providenciar a infraestrutura para as expedições estrangeiras que iriam para Sobral. E foi ele também que liderou a comissão brasileira, que faria observações sobre a corona solar durante o eclipse. “Os astrônomos estrangeiros ficaram muito agradecidos pela recepção e apoio que receberam da comissão brasileira, das autoridades e da população de Sobral”, destaca Moreira.
A expedição britânica chegou ao Brasil no dia 23 de março de 1919, em Belém (PA), no navio S.S. Anselm. Segundo o historiador paraense, Luiz Crispino, até onde se conhece, este foi o primeiro navio britânico a viajar para o Brasil após a Guerra. “Se se estendesse um pouco mais a guerra, eles provavelmente não teriam chegado aqui em tempo para ver o eclipse. Mas eles conseguiram, chegaram a Sobral um mês antes do eclipse, organizaram tudo e torceram para que fizesse bom tempo”, descreve Kennefick.
A observação do eclipse em Sobral foi feita com instrumentos astronômicos de primeira qualidade para a época. “A comissão brasileira fez as observações na Praça do Patrocínio. Enquanto que a britânica e a norte-americana fizeram no Jockey Club da cidade”, conta Moreira. No momento em que a Lua cobriu inteiramente o Sol, várias chapas fotográficas, de câmeras acopladas a telescópios, foram tiradas em sucessão, para registrar a posição das estrelas que estivessem próximas à borda do Sol. O eclipse teve início às 8h55min e durou cerca de cinco minutos. A equipe brasileira fez as observações da corona solar, e tirou lindas fotos de uma imensa protuberância solar, enquanto que os norte-americanos Daniel Wise e Andrew Thompson fizeram as medidas do magnetismo terrestre e de eletricidade atmosférica.
Choveu na Ilha do Príncipe, e a comissão conseguiu fazer apenas duas fotos, bastante imprecisas. Aqui no Brasil, no entanto, após um dia nublado, o céu se abriu no momento do eclipse e permitiu que sete fotos de ótima qualidade fossem feitas.
“Então, tudo dependeu de Sobral. As fotografias do céu da cidade no momento do eclipse registraram o pedaço de céu limpo mais famoso do século XX”, comenta Kennefick.
A conclusão, após meses de análises dos dados colhidos, foi a de que a previsão de Einstein para o ângulo de deflexão da luz estava certa. O anúncio foi feito em 6 de novembro de 1919, em Londres e, no dia seguinte, a notícia estampava as manchetes dos jornais por todo o mundo: a teoria de Einstein suplantara a do grande cientista britânico, Isaac Newton. Sobre a importância das observações em Sobral, eles afirmaram no artigo: “Resumindo os resultados das duas expedições, o maior peso deve ser atribuído aos obtidos com a lente de 4 polegadas em Sobral. Da superioridade das imagens e da escala maior das fotografias, reconheceu-se que estas seriam as mais confiáveis”.
Era uma revolução na ciência, e o físico alemão se tornou a partir daí, o cientista de maior importância e destaque do século XX. “Até então Einstein não era conhecido. As fotos de Sobral foram decisivas para a confirmação da Teoria da Relatividade Geral e para colocar a cidade no mapa do cenário científico”, observa Ildeu Moreira. Quando Einstein visitou o Brasil, em 1925, o jornalista Assis Chateaubriand presenteou o cientista com um exemplar de “O Jornal”, do qual ele era diretor na época, com os textos sobre a comprovação da Relatividade Geral. Einstein escreveu uma pequena nota de agradecimento, com as seguintes palavras: “O problema que minha mente formulou foi respondido pelo luminoso céu do Brasil”.
Em alusão aos experimentos que ajudaram na comprovação da teoria da relatividade, Sobral mantém o Museu do Eclipse, que conta a história deste episódio e da teoria de Einstein
Sob o sol de Sobral
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), juntamente com outras entidades e os governos do Ceará e de Sobral, promove neste ano a celebração do centenário do Eclipse de Sobral 1919-2019.
No dia 27 de março, no primeiro dos quatro dias da Reunião Regional da SBPC, no Centro de Convenções de Sobral (CE), aconteceu o seminário “Sob o sol de Sobral – uma janela para o cosmos”. O evento contou com um ciclo de palestras sobre astronomia, desde seus primórdios, com os Babilônios, até as descobertas mais recentes, como as observações dos buracos negros e as detecções de ondas gravitacionais. Daniel Kennefick foi um dos palestrantes, e parte de sua conferência foi resgatada nesta reportagem. Ele lançou em abril o livro “No Shadow of a Doubt”, em que conta a história das pessoas que participaram da expedição de 1919, como as observações foram feitas e os resultados obtidos.
O centenário do eclipse começou a ser comemorado ainda em maio de 2018, com o lançamento do Ano Municipal da Ciência em Sobral, além de palestras, exposições e aulas sobre astronomia no município e também em eventos em outros estados, inclusive na 70ª Reunião Anual da SBPC, em julho de 2018, em Maceió.
De 13 de maio a 15 de junho, a SBPC, com apoio do Observatório Nacional, leva aos corredores do Congresso Nacional uma exposição sobre o centenário do eclipse. Também em maio, a SBPC lança um vídeo dedicado à efeméride.
Entre os dias 28 e 30 de maio, acontece em Sobral o Encontro Internacional sobre o Eclipse de 1919, com a participação de muitos cientistas – astrônomos, astrofísicos, físicos, historiadores da ciência – do Brasil e do exterior. A organização principal é feita pela SBPC, pela prefeitura de Sobral e pelo governo do Estado do Ceará. Mas muitas outras entidades e instituições científicas nacionais e locais são parceiras neste evento. Ele tem o apoio do CNPq e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).
O MCTIC, por meio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, participa das celebrações com a emissão de um selo comemorativo do Centenário do Eclipse de 1919. O selo será lançado nesta quarta-feira (29), durante o encontro internacional, que marcará o auge das comemorações. Neste mesmo dia, serão realizadas celebrações internacionais com transmissão simultâneas, entre elas, uma apresentação em rede da Global Opera in Science, com estudantes do Brasil (em Sobral e Campos de Goytacazes–RJ), Ilha do Príncipe e Portugal.
Claudia Linhares Sales, secretária-regional da SBPC no Ceará, relata que a comemoração do centenário se estenderá até novembro deste ano, com diversas iniciativas nacionais e internacionais, envolvendo a Prefeitura, o Estado e as universidades da região. A inauguração de uma estátua em tamanho real de Albert Einstein, de um Monumento da Luz e a reforma do Museu do Eclipse, abrigando exposições permanentes e itinerantes estão entre os eventos programados na cidade. “Os cem anos da observação do eclipse, que trouxe uma forte evidência para a Teoria da Relatividade Geral, ajudou a revolucionar a ciência moderna, tanto do ponto de vista científico, quanto filosófico”, comenta a cientista. Para ela, o evento dará a Sobral um mote para trazer a ciência para o dia a dia das pessoas e poderá colocar a cidade em um circuito cultural e turístico relacionado à ciência.
Daniela Klebis – Texto da edição 784 do Jornal da Ciência