“Precisamos reconhecer que o atual modelo de controle de vetores urbanos está falido. Sem novos aportes tecnológicos, continuaremos convivendo com epidemias de arboviroses”, afirmou Rivaldo Venâncio da Cunha, da Fiocruz, nesta terça-feira (23), durante a mesa-redonda “Doenças emergentes: cenário atual e que nos espera”, uma das atividades da 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A discussão também contou com a presença da médica Celina Turchi, pesquisadora da Fiocruz de Pernambuco.
Ambos discutiram os principais desafios das doenças emergentes, como zika, dengue, febre amarela e chikungunya.
Para Cunha, o País vive com velhos problemas para o controle de vetores, já que o ‘apartheid social’ torna o controle impossível, com as ferramentas atualmente disponíveis. “O controle nas cidades continuam igualmente como quando o Oswaldo Cruz começou, há mais de cem anos. Mas a cidade mudou, a população mudou”, disse.
Ao falar sobre febre amarela, Cunha disse que de 1980 a 2016, foram registrados apenas 797 casos no Brasil, mas que de 2016 a 2018, esse número saltou para 2950 casos. “Houve algo diferente no comportamento do vírus que ainda não foi detectado/definido. Dentre as suspeitas estão as mudanças ambientais e climáticas intensas, seca histórica na região do nordeste, evolução e mutação viral, comportamento humano e baixa cobertura vacinal”, explica.
Quanto à dengue, Cunha reforça que a doença é um grave problema de saúde pública que perdura e que é um absurdo que pessoas ainda morram em decorrência dela. “Recentemente divulgaram dados mostrando o registro de 1,3 milhão de casos e 443 mortes por dengue neste ano. Ao longo de mais de 30 anos trabalhando com dengue, ouso dizer que quase a totalidade dessas mortes é consequência de um erro. Muitas vezes o doente subestima a gravidade da doença, não procura atendimento, não teve acesso a atendimento ou, ainda, a gravidade do quadro clínico não foi percebida pelos profissionais”, explica.
O especialista disse também que outro problema enfrentado é a relutância do poder público em admitir a iminência de uma epidemia, já que isso tem contribuído para retardar a organização da rede de atenção. “Muitas vezes quem alerta para a epidemia é a imprensa. Mas o responsável por essa informação deve ser o poder público com informações do epidemiologista”, lamenta.
Zika
Celina Turchi lembrou os antecedentes da descoberta do zika vírus. A pesquisadora afirma que o zika vírus foi descoberto por volta de 1947. Na época, um pesquisador da Fundação Rockefeller, investigando a febre amarela em uma área da Uganda estabeleceu que existia uma zoonose que causava febre em macacos, levando a ciência a considerar a ação do vírus apenas uma curiosidade médica. “Durante os 70 anos que se sabia da existência do vírus, até a epidemia que ocorreu nas Américas, o mesmo era considerado de menor importância”, relembra.
Turchi liderou a equipe responsável por associar o vírus da zika ao aumento expressivo de casos de microcefalia, em 2016. Ela lembra que a doença era conhecida, mas considerada rara. Quando surgiu os casos em Recife, foi um desafio para os laboratórios. “A circulação do vírus reduziu, mas ainda existe a ameaça à saúde pública”, afirma. E completa, “diante do cenário, é preciso manter os pesquisadores que estudam a doença, o que é um desafio”.
Vivian Costa – Jornal da Ciência