Sete ex-presidentes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) apresentaram nessa quinta-feira (25/07) um manifesto conclamando o Executivo e o Legislativo federal a reverterem o quadro “sombrio” de déficit orçamentário e financeiro em que se encontra a agência. O documento foi lido pelo professor Glaucius Oliva, presidente da agência entre 2011 e 2014, na 71ª Reunião Anual da SBPC, durante a Assembleia Geral de Sócios da entidade.
Criado em 1951, o CNPq, órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) é responsável pelo fomento de pesquisas científicas e tecnológicas e pela formação de recursos humanos qualificados em todas as áreas do conhecimento no País. Cerca de 90% dos seus recursos são destinados ao pagamento dos mais de 80 mil bolsistas que apoia. Se a saúde financeira da agência já era preocupante nos últimos anos, agora tornou-se crítica. O orçamento para o ano 2019 foi aprovado com um déficit de cerca de R$ 330 milhões, valor agravado por um corte anunciado no final de maio, colocando em risco o financiamento de importantes pesquisas desenvolvidas em todas as regiões do País.
Em conferência na Reunião Anual da SBPC, na terça-feira (23/07), o atual presidente do CNPq, João Luiz Azevedo, disse que a partir de setembro o Conselho não terá mais verbas para pagar os bolsistas. No dia seguinte, quarta-feira, a agência anunciou a suspensão de novas bolsas até que o governo libere crédito suplementar. No manifesto anunciado nessa quinta-feira, os ex-presidentes afirmam que esta é uma crise jamais vivenciada em de 30 anos, e que coloca em risco décadas de investimentos em recursos humanos e infraestrutura para pesquisa e inovação no Brasil.
“Esperamos que de imediato o Governo Federal faça valer o acordo acertado com o Congresso Nacional por ocasião da votação do PLN 4/19 (que autoriza o governo federal a realizar operações de crédito de até R$ 248,9 bilhões para pagar despesas correntes), em destinar ao CNPq, ainda em 2019, orçamento e recursos via crédito suplementar no montante de R$ 330 milhões. É também fundamental que a Lei Orçamentária Anual de 2020 contemple os recursos necessários para o pagamento integral das bolsas ao longo do ano e que permitam ao CNPq retomar a sua capacidade de fomento à pesquisa e à inovação em todo o território brasileiro”, dizem os signatários da carta.
Assinam a carta José Galizia Tundisi, Esper Abrão Cavalheiro, Erney Felício, Plessmann Camargo, Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, Glaucius Oliva, Hernan Chaimovich Guralnik e Mario Neto Borges.
Confira o documento na íntegra:
Manifesto dos ex-presidentes do CNPq
Nós, ex-presidentes do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, manifestamos nossa grande preocupação frente à grave condição orçamentária e financeira da agência que coloca em risco décadas de investimentos em recursos humanos e infraestrutura para pesquisa e inovação no Brasil.
Desde o início deste ano as lideranças do MCTIC, do CNPq e toda a comunidade científica vêm, sem sucesso, alertando para o déficit de cerca de R$ 330 milhões no orçamento para bolsas em 2019, agravado com o subsequente contingenciamento que reduziu ainda mais os recursos disponíveis para as atividades do fomento do Conselho. Como resultado desta situação a suspensão do pagamento de todas as bolsas do CNPq a partir de setembro deste ano é iminente. Este fato, inédito por mais de 30 anos na história da agência, colocará milhares de estudantes no país e no exterior em situação de risco e abandono. Por falta de recursos, o CNPq anunciou também a suspensão do edital periódico para bolsas no segundo semestre de 2019, e não se vislumbra nenhuma condição de reposição, ainda que parcial, do valor das bolsas de IC, mestrado e doutorado, cujo ultimo reajuste ocorreu a mais de 6 anos. Neste cenário, toda uma geração de pessoal altamente qualificado na pós-graduação brasileira será afetada, e como consequência, já se observa expressiva evasão de estudantes, baixa procura pela pós-graduação stricto sensu, esvaziamento dos laboratórios de pesquisa e perda de nossos melhores talentos jovens para o exterior.
Quanto ao fomento, projetos de pesquisa aprovados em anos anteriores seguem sem pagamento integral. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que historicamente supriu parte expressiva dos recursos necessários para a execução de programas centrais do CNPq, como o Edital Universal e o programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCTs, está contingenciado em cerca de 90% de sua arrecadação e, portanto, impossibilitado de fazer repasses para atendimento das demandas. Nem mesmo a captação de recursos de parceiros privados tem sido possível por não haver espaço orçamentário para preenchimento com recursos externos, devido à emenda constitucional do teto de gastos (EC-95).
Além disso, o CNPq tem sido fortemente contingenciado nos recursos de custeio operacional e limitado em pessoal técnico pela inexistência de concursos públicos de reposição de quadros há quase dez anos, o que tem resultado em crescente dificuldade na manutenção de atividades e programas seminais para o sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, como as Plataformas Lattes e Carlos Chagas e o acompanhamento e avaliação de projetos e programas.
O CNPq, criado em 1951, tem sido ao longo de sua história, o vetor fundamental do desenvolvimento da ciência e da economia do Brasil. A nação não pode jamais perder este patrimônio construído ao longo de décadas pelo esforço conjunto de cientistas e a sociedade brasileira. O impacto da pesquisa nacional nos diversos campos da atividade econômica e nas políticas públicas do País são evidentes e foram amplamente destacados no Manifesto dos Ex-Ministros de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação recentemente divulgado, o qual subscrevemos integralmente.
Conclamamos, assim, as instâncias competentes do executivo e legislativo federal, a empreender todos os esforços na reversão deste quadro sombrio, com a imediata recomposição orçamentária para evitar o caos da interrupção no pagamento das bolsas. Especialmente esperamos que de imediato o Governo Federal faça valer o acordo acertado com o Congresso Nacional por ocasião da votação do PLN 4/19 (que autoriza o governo federal a realizar operações de crédito de até R$ 248,9 bilhões para pagar despesas correntes), em destinar ao CNPq, ainda em 2019, orçamento e recursos via crédito suplementar no montante de R$ 330 milhões. É também fundamental que a Lei Orçamentária Anual de 2020 contemple os recursos necessários para o pagamento integral das bolsas ao longo do ano e que permitam ao CNPq retomar a sua capacidade de fomento à pesquisa e à inovação em todo o território brasileiro.
José Galizia Tundisi
Esper Abrão Cavalheiro
Erney Felício Plessmann Camargo
Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho
Glaucius Oliva
Hernan Chaimovich Guralnik
Mario Neto Borges
Brasil, julho de 2019
Jornal da Ciência