Na mais longa apresentação já feita por um ministro durante uma reunião anual da SBPC, o astronauta Marcos Pontes garantiu que a prioridade número um do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) é recompor o orçamento das bolsas de estudos do CNPq e defendeu que o presidente Jair Bolsonaro é aliado nessa demanda. Mas disse que a palavra final está com o Ministério da Economia.
Órgão do MCTIC, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é a principal agência de fomento à pesquisa científica e este ano sofreu um corte de verbas de 11%. Pontes fez questão de dividir a culpa pela restrição orçamentária com o governo anterior que já deixou um déficit de mais de R$ 300 milhões na previsão orçamentária – para R$ 1,050 bilhão em bolsas de estudos contratadas, o orçamento aprovado no ano passado previu apenas R$ 780 milhões.
E jogou ainda mais para trás, apresentando um gráfico que aponta a queda ininterrupta do orçamento da área desde 2013. “Esse orçamento é incoerente com a importância da Ciência e da Tecnologia”, afirmou. “Precisamos reverter essa situação”. A solução seria, além de seguir brigando pela recomposição do que foi cortado e a reivindicação de dinheiro novo, buscar fontes alternativas. “Não podemos ficar só dependendo do orçamento da União, a ciência e tecnologia têm uma máquina de desenvolvimento econômico e a gente tem capacidade de trazer financiamentos de outras formas, então vamos fazer isso”.
Além de falta de dinheiro, Pontes apresentou uma lista de dez problemas que assolam a área, incluindo perda de recursos humanos, falta de prestígio, distância da sociedade e falta de indicadores. “Para cada problema temos uma estratégia”, garantiu, mas sem entrar em detalhes sobre as medidas que sua Pasta planeja para enfrentar os obstáculos do setor.
Em contraponto, falou de sua agenda positiva, preparada para quando o Ministério recuperar verbas. Contou que está negociando a instalação de um laboratório brasileiro na NASA, em Orlando, na Florida. Seria um espaço alugado no Kennedy Space Center, a ser reconfigurado para abrigar alunos de pós-graduação e pesquisadores brasileiros, no qual seriam realizadas pesquisas no campo gravitacional e lançados satélites em parceria com o centro americano. Sustentou o acordo de Salvaguardas Tecnológicas para exploração da base de Alcântara como forma de “defender a tecnologia” dos futuros clientes contra roubo e que, assim que aprovado pelo Congresso, deve entrar em operação em nove meses. Afirmou que o País tem que começar a mirar as próximas tecnologias como a Internet das Coisas (IoT), cidades inteligentes, saúde e agricultura 4.0. Destacou também o lançamento do edital, em 2020, para exploração da banda larga 5G.
O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, agradeceu a abertura do ministro para o diálogo, mas cobrou posição sobre os temas mais importantes para a comunidade científica, principalmente a recuperação da verba do CNPq através do envio, pelo Executivo, de um projeto de lei de suplementação orçamentária. “O crédito suplementar depende da decisão econômica do governo” disse Moreira. E completou: “O impacto de suspender bolsas do CNPq em setembro será uma tragédia que nunca aconteceu na história do Conselho”.
Qual é a nossa Lua?
Moreira cobrou também uma visão mais prospectiva do Ministério, em direção ao orçamento de 2020 e uma agenda nacional de desenvolvimento que inclua a ciência e a tecnologia. Referindo-se ao programa espacial norte-americano de 1960, que culminou com a chegada do homem à Lua nove anos depois, que o próprio Pontes havia mencionado anteriormente em seu discurso, Ildeu Moreira perguntou: “A gente gostaria de saber ministro, qual é a nossa Lua? Enquanto os americanos tiveram projetos de longo prazo, também a China, Coreia, Japão, Alemanha, etc., o Brasil carece de projetos mobilizadores”. E acrescentou uma frase do cientista brasileiro e ex-diretor da SBPC, José Leite Lopes: “ciência empobrecida, tecnologia de segunda classe e país dependente”.
Pontes foi muito questionado sobre seu posicionamento em relação às críticas do presidente Jair Bolsonaro ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele disse que tem confiança no Inpe, mas que não gostou da forma como os dados foram divulgados. Mais uma vez tentou justificar Bolsonaro (“ele é muito espontâneo”, “já reconheceu que exagerou no comentário”) e, sobre se ia manter ou demitir o diretor do Instituto, Ricardo Galvão pela resposta às críticas, respondeu: “ainda não conversei com ele, mas vamos ver se tem clima para continuar lá, pois a situação ficou bem complexa”.
A presença de Pontes foi um destaque do último dia da 71ª Reunião Anual da SBPC em vários sentidos. Primeiro pela concorrência – desde as 9 horas da manhã uma fila quilométrica de pessoas querendo assisti-lo se formou na porta do Teatro Glauce Costa, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que tem capacidade para aproximadamente 780 pessoas e onde ele falaria às 11 horas. Segundo porque, diferente de todos os ministros que já passaram pelo MCTIC, ele é o primeiro e único astronauta brasileiro.
Terceiro, é o também o único ministro-“coach” e no auditório lotado, assumiu essa atividade profissional, dando início a uma hora de apresentação motivacional que começou com um filme sobre a vida dele próprio, desde quando era uma criança em Bauru, interior de São Paulo, até chegar ao MCTIC, passando pelo ponto mais alto: a aterrisagem na Estação Espacial Internacional em 2006.
Dirigindo-se principalmente às centenas de jovens da plateia, Pontes foi paciente com vaias e aplausos. Respondeu perguntas e críticas de alguns deles e bateu várias vezes na mesma tecla: “não abandonem seus sonhos”.
Janes Rocha – Jornal da Ciência