O Brasil figura hoje entre os 15 países do mundo com maior número de publicações em revistas científicas indexadas. O aumento da produção brasileira nas últimas décadas, que se deu pelos investimentos na área e pelo fortalecimento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, está ameaçado pela falta de políticas claras para o setor e pelo excesso de burocracia. Essa é a avaliação dos especialistas que participaram da mesa redonda “Burocracia e ciência” realizada no último dia de programação científica da 71ª Reunião Anual da SBPC, no campus da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMS), em Campo Grande.
“A ciência é o motor da prosperidade”, afirma Sérgio Machado Rezende, docente da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), ao mostrar que as grandes economias mundiais investem em ciência como forma de gerar riqueza: os oito países com maior produto interno bruto (PIB) são também aqueles que possuem maior produção de conhecimento no mundo. De acordo com Resende, apesar do início tardio nas atividades de ciência e tecnologia se comparado a outros países, o Brasil apresentou muitos avanços na área, principalmente na primeira década de milênio.
Para o físico, que foi presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e ministro da Ciência e Tecnologia (2005-2010), o aumento de recursos e a melhoria na produção científica durante o período se deram por meio de medidas concretas, como a regulamentação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), e de uma política nacional para a área: “Não era apenas uma carta de intenções: cada programa tinha uma previsão de recursos financeiros”. Resende aponta que, no país, “nosso desafio é ter política de Estado, executada com continuidade”.
O declínio no financiamento em ciência e tecnologia que vem ocorrendo no País nos últimos anos, no entanto, é preocupante. “Educação e ciência não são gastos, são investimentos em qualquer nação civilizada”, defende Helena Nader, docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Para ela, no entanto, a universidade brasileira tem feito o seu papel. Nader mostrou, a partir de dados nacionais e internacionais, que muito já foi alcançado pela educação e ciência brasileiras nos últimos anos. O impacto da produção científica do país se igualou ao do Japão, por exemplo, e o Brasil já atingiu a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de 60 mil mestres titulados ao ano.
“Onde estamos cada vez mais sendo reprovados é na burocracia na inovação”, alerta Nader. De acordo com a última edição do Global Innovation Index (GII), principal ranking de inovação do mundo, o Brasil caiu duas posições em relação ao ano passado, ficando em 66o lugar. Um dos aspectos avaliados, por exemplo, é o tempo que se leva, em cada país, para se abrir e fechar uma empresa. “O Brasil tem uma burocracia que atrasa tudo. Atrasa nos negócios e atrasa também na universidade”, lamenta.
Edson Hirokazu Watanabe, docente do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a burocracia brasileira impede que sejam realizados projetos em longo prazo. A raiz do problema, de acordo com o engenheiro, poderia estar na desconfiança que os brasileiros têm uns em relação aos outros. E o excesso de regras criadas para evitar a corrupção acaba dificultando inclusive a ciência. “Burocracia na dose certa não é ruim. Mas o excesso é péssimo”, avalia. Para ele, regulamentações claras, avaliações técnicas e o emprego do bom senso ajudariam a melhorar nossos índices de produtividade científica e tecnológica.
Para avaliar o custo da burocracia na ciência brasileira, Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), fez um levantamento que indica que os pesquisadores no País gastam, em média, um terço do seu tempo em atividades relacionadas à gestão dos projetos científicos. Para se ter uma ideia, se considerado o gasto com pessoal nos dispêndios nacionais em ciência e tecnologia em 2016, essa porcentagem equivale a R$ 9 bilhões; no sistema federal somente, esse valor seria de R$ 3 bilhões. “Ou seja, nós jogamos fora, em termos de gastos desperdiçados com a mão de obra em ciência e tecnologia [com a burocracia], o equivalente a um CNPq e a uma Finep no ano de 2016″, contabiliza.
Future-se e autonomia
Peregrino utilizou parte da sua fala para avaliar o projeto voltado às universidades lançado recentemente pelo Governo Federal, o Future-se. De acordo com o site oficial, o programa “busca o fortalecimento da autonomia administrativa, financeira e da gestão das universidades e institutos federais […] por meio de parcerias com organizações sociais [OS]”.
De acordo com ele, no entanto, as fundações de apoio às instituições de ensino superior e de pesquisa já fazem praticamente tudo o que está proposto no projeto para que seja feito por OS. Atualmente, o país conta com 96 fundações privadas sem fins lucrativos credenciadas ao Ministério da Educação (MEC) e ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) que apoiam 133 instituições de pesquisa. São 22 mil projetos administrados pelas fundações ao ano e mais de R$ 5 bilhões mobilizados — sendo que cerca de um terço desse valor é proveniente de empresas.
O problema de substituir as fundações pelas OS, segundo Peregrino, é que a relação das últimas com o contratante se dá por meio de um contrato de gestão com metas “milimetricamente traçadas”. “Quem vai determinar esses critérios é o órgão financiador, no caso o MEC”, diz. E quem não cumprir as metas previstas no contrato de gestão poderá ser desqualificado e sofrer processos administrativos que poderiam culminar, por exemplo, no fechamento de cursos. Essa seria uma forma de intervenção, segundo Peregrino, que fere a autonomia universitária prevista por Lei. “Parte do marketing [do Future-se] é o desenvolvimento da autonomia das universidades, mas o resultado seria o contrário do que está se falando”, alerta.
Ana Paula Morales – especial para o Jornal da Ciência