São Paulo, 14 de abril de 2014
SBPC-049/Dir.
Excelentíssima Senhora
Deputada FÁTIMA BEZERRA
Relatora do PL4699/2012
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.
Senhora Deputada,
Em 10 de julho de 2013, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) se manifestaram contra o PL 4699 de 2012, de autoria do Senador Paulo Paim, que regulamenta a profissão de Historiador, e solicitaram a realização de debates amplos e audiências públicas com toda a sociedade brasileira antes da proposição ser apreciada pela Câmara dos Deputados. Porém, essas audiências públicas não foram realizadas.
No entender da SBPC e da ABC, o texto aprovado no Senado apresentava problemas graves e, ao ser aprovado traria sérios prejuízos ao Brasil e ao ensino superior de inúmeras disciplinas relacionadas com a História.
O projeto original estabelecia que apenas portadores de diploma de História (graduação ou pós-graduação) poderia ministrar disciplinas de História, em qualquer nível, bem como elaborar trabalhos sobre temas históricos.
Em sua manifestação contrária ao projeto, a SBPC e ABC argumentaram que existem diversas áreas de pesquisa e ensino cujo nome inclui “História” e que, no Brasil e no exterior, são atividades que podem ser desenvolvidas por profissionais de outras áreas que não tenham diploma em História. Como exemplo, citamos: História da Medicina, História da Física, História da Biologia, História da Psicologia, História do Direito, História da Arte, História da Filosofia, História da Literatura, História da Matemática, História da Computação, História da Educação, História Militar, entre várias outras. Para tornar a situação ainda mais crítica, constata-se que os cursos de graduação em História não incluem qualquer daquelas disciplinas; e raramente os cursos de pós-graduação em História incluem algumas delas. Portanto, ter um diploma de História não garante o domínio do conhecimento das áreas mencionadas acima, podendo consequentemente, comprometer a qualidade do ensino e da pesquisa de tais áreas.
Na tentativa de buscar uma proposta de consenso e que atendessem as demandas das diferentes áreas de conhecimento relacionadas com temas históricos, foram realizadas reuniões e consultas a sociedades científicas e associações relacionadas ao tema. No entanto, não se alcançou êxito nesta iniciativa, e a SBPC e ABC continuaram a se posicionar contra o projeto e a favor de amplos debates.
Em junho de 2013, o PL 4699/2011 passou a tramitar na Câmara dos Deputados em caráter de urgência. Porém, antes que o Plenário aprecie o projeto, ouviu-se a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e agora aguarda-se o seu parecer, deputada Fátima Bezerra, para que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) possa apreciá-lo.
Na CTASP, o deputado Policarpo foi o relator, e apresentou Substitutivo ao projeto buscando equilibrar as diferentes posições e demandas da sociedade. No Substitutivo, o deputado Policarpo alterou o texto original em basicamente três pontos, de modo a ampliar o escopo dos que serão considerados historiadores com base na lei. A primeira delas é o reconhecimento de pessoas que trabalham como historiadores há pelo menos 5 (cinco) anos. Esta alteração visa incluir os professores de ensino básico que lecionam História sem a devida formação universitária. A segunda modificação é que o reconhecimento e a inclusão de pessoas com títulos de Mestrado ou Doutorado obtidos em programas de pós-graduação com área de concentração ligada a outro campo do saber, mas que tenham linhas de pesquisa regulares dedicadas à História. Para o deputado esse ponto resolveria a questão de pessoas que atuam na área de História da Ciência, História da Educação, História da Arte, entre outros. A terceira modificação no texto original do PL 4699/2012 é a retirada da menção ao ensino superior como atribuição dos historiadores, respeitando a autonomia universitária, que preserva a prerrogativa das universidades de escolher o perfil dos docentes para atuação no ensino superior. Em 19 de março de 2014, o parecer do deputado Policarpo foi aprovado por unanimidade.
Sem nenhuma sombra de dúvida, essas modificações melhoraram em muito o projeto. Mas, ainda permanecem situações não condizentes com a realidade, e difíceis de serem colocadas em prática. Como exemplo citamos algumas das atribuições dos então considerados historiadores, são elas: organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História; planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica; elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos, entre outras atividades.
Outras tantas profissões, como os museólogos ou os profissionais da área de arquivologia exercem atividades próximas a essas que estão sendo colocadas como exclusivas dos considerados historiadores. Pelo texto, qualquer ação de curadoria terá que ser realizada por um historiador. Qualquer exposição de arte, por exemplo, pode ser considerada um “trabalho com tema histórico”, exigindo a coordenação de um historiador. Ademais, o substitutivo do Deputado Policarpo não contempla a situação, não infrequente, de profissionais ligados a suas comunidades, desde seu nascimento, poder escrever a história dessas comunidades, já que não mantiveram atividades na área de História pelo prazo de 5 anos nem sejam portadores de diplomas específicos da área. Desprezam-se assim os trabalhos de outros profissionais, não historiadores, que atuam com curadoria, organização de eventos, exposições, publicações e outras narrativas de temas históricos, ainda que sejam simplesmente pessoas experientes em setores específicos.
Nenhuma regulamentação de profissão deve ser motivo para a delimitação de latifúndios do saber. A experiência nos mostra que monopólios no processo de construção do conhecimento não trazem benefícios, ao contrário, impõem prejuízos a toda sociedade, mormente a contemporânea, da qual se exige, cada vez mais, uma visão interdisciplinar.
Assim, senhora deputada, solicitamos que reveja em seu parecer o Art. 4º que define as atribuições dos historiadores, pois apesar do texto dizer que o exercício da atividade de historiador é livre, ele condiciona tal exercício ao atendimento às “qualificações e exigências estabelecidas nesta lei”. Na prática, a proposta de regulamentação cerceia o fazer de várias outras profissões, abrangendo a organização de publicações, exposições e eventos sobre temas históricos; pesquisa histórica; assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação; elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos, para não mencionar o simples relato escrito de alguém que tenha testemunhado em sua vida a criação e o desenvolvimento de uma comunidade.
Certos de contar com o apoio de Vossa Excelência, apresentamos nossas respeitosas saudações.
Atenciosamente,
HELENA BONCIANI NADER WALTER COLLI
Presidente da SBPC Diretoria da BPC